Transcendental (O Amor de Deus)

“Passamos tempo demais tentando entender isso tudo com teoria. (…) quando eu digo que o amor não é algo que nós inventamos. Ele é observável, poderoso. Tem que significar algo (…). O amor é algo que somos capazes de perceber que transcende dimensões de tempo e espaço. Talvez devêssemos confiar nisso, mesmo se ainda não entendemos.” (Amelia Brand, filme “Interstellar”)

O filme Interstellar do diretor Christopher Nolan é de longe meu filme favorito de ficção científica, justamente pela fidelidade na reprodução da realidade vivida por astronautas no espaço e pelas reflexões trazidas no drama que envolve os personagens. 

O filme se passa em um contexto apocalíptico, onde o mau tempo e a crescente escassez de alimentos levam a NASA a trabalhar secretamente em um plano na procura por outros planetas habitáveis para salvar a humanidade da extinção. Para esta missão, Joseph Cooper é chamado para liderar um grupo de astronautas composto por Brand, Jenkins e Doyle, rumo ao desconhecido, a um atalho através de uma espécie de buraco-negro, chamado de buraco de minhoca, que poderia levá-los a galáxias distantes no universo em busca de um novo mundo para a humanidade. Porém, aceitar a missão poderia significar nunca mais ver aqueles a quem amavam.

O diálogo mais marcante no filme para mim, e com o qual iniciei esse texto, é o que a personagem Amelia Brand tem com o líder da missão, Joseph Cooper, exatamente por sua interessante percepção sobre o que é o amor do ponto de vista puramente humano. Em sua tentativa de explicá-lo, ela nos mostra que é possível, em nossa humanidade, observá-lo e perceber o quanto ele é poderoso mesmo em um contexto científico onde Deus é posto fora da equação. 

Aliás, o filme é trabalhado com teorias existentes na Física e uma delas é a chamada teoria do buraco de minhoca, que consiste na ideia de encurtar distâncias em nosso universo ligando pontos que demoraríamos milhões de anos para alcançar. Assim poderíamos fazer, por exemplo, uma viagem interplanetária Terra-Saturno, que demoraria cerca de 7 anos, em apenas dias ou até mesmo horas através do buraco de minhoca.

A esta altura imagino que você já deve estar pensando que acessou algum link errado, não é mesmo? Calma, não vamos ficar aqui conversando sobre Física, não se preocupe! Mas há um fator interessante dessa teoria e do diálogo dos personagens, citado acima, que vem de encontro ao tema desse texto.

É que dentre todas as possibilidades para essa proeza de encurtar distâncias tão grandes no Universo, na verdade, nenhuma é possível. Trazer à existência um buraco de minhoca e atravessá-lo é ir de encontro à morte certa e tudo isso porque existe uma falha dentre as possibilidades para sua concretização que é a ausência de matéria exótica. 

Segundo a teoria, a matéria exótica necessária para criar um buraco de minhoca estável e seguro deve ser nova, com propriedades místicas, resistente e poderosa. Logo, é impossível criar matéria exótica por meios humanos. Porém, no filme, a matéria exótica que dá existência ao buraco de minhoca é o amor que os personagens nutrem por aqueles a quem querem salvar e, se possível, reencontrar. 

Embora o objetivo da missão fosse salvar os seres humanos da extinção, Amelia era impulsionada pelo reencontro com seu amado, Wolf Edmunds, enviado com o mesmo objetivo, antes dela, para atravessar o buraco de minhoca; já Joseph Cooper nos chama a atenção na trama porque era impulsionado pelo o amor sacrificial que demonstra por sua filhinha Murphy e é no amor paternal de Cooper que lembramos do amor de Deus por nós.

É impressionante como uma palavra tão pequena pode estar carregada de tantos significados e expressões, ao ponto de ser considerada parte em uma equação da Física. A verdade é que o amor designa algo tão poderoso e inexplicável que qualquer exagero que possamos cometer para expressar seu significado não será exagero algum. Assim, considerá-lo matéria exótica também é possível. 

É impossível falarmos de amor e não nos lembrarmos de Deus, pois Ele é amor. Nas palavras do teólogo Lewis Sperry Chafer, “Deus não obteve o amor, nem Ele por qualquer esforço mantém o amor; o amor é a estrutura do seu ser. Deus é a fonte inesgotável do amor”. 

As expressões do transcendental

A cosmovisão cristã é que nos ajuda a perceber na cultura deste mundo como podemos reconhecer e aplicar conceitos bíblicos a um filme, por exemplo. Neste sentido, em Interstellar vemos que o amor conduziu Amelia e Cooper por um caminho certo e seguro para que eles pudessem encontrar mundos habitáveis em outras galáxias e assim cumprir sua missão. 

Ambos estavam dispostos a percorrer um caminho inimaginável, sofrendo grande perigo de morte, enquanto o amor os impulsionava lhes dando coragem e esperança, mesmo sob as circunstâncias mais difíceis. Quando Cooper se despede de sua filhinha Murphy para adentrar no espaço infinito e desconhecido ele sabia que sua missão traria o risco de nunca mais voltar a vê-la, porém todo esse sacrifício de amor poderia garantir a sobrevivência dela e por isso valia a pena morrer.  

E de fato, a Palavra de Deus nos diz que o amor é o caminho mais excelente (1Co 12.31). Embora muitas vezes incompreensível, ele nos constrange (2Co 5.14); se sacrifica; não toma, mas é doador; trata com bondade, justiça, verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta; o amor é eterno (1Co 13.7-8). O amor pode ser exemplificado de tantas formas e expresso em tantos sentidos, e jamais será esgotado em apenas uma definição porque simplesmente transcende a compreensão humana.

Para onde quer que olhemos na criação o amor está lá. Tentamos entendê-lo em sua completude, mas ainda não conseguimos (e será que um dia conseguiremos?), pois o amor é para nós ainda como uma imagem imperfeita refletida em um espelho embaçado (1Co 13.12). O que sabemos é que ele sempre existiu, está em nós e é expressado de diferentes formas.

Michael Reeves em seu livro “Deleitando-se na Trindade” nos mostra que a criação é a expressão do deleite da Trindade. Pai, Filho e Espírito Santo, desde a eternidade, desfrutavam um do outro em plena alegria, e dessa comunhão houve o transbordar de amor que deu início à criação. 

C.S. Lewis, em sua obra “Os Quatro Amores”, nos traz a expressão do amor como atributo comunicável de Deus à sua criação e expresso por ela, em duas distinções: amor-Dádiva (aquele que doa sem esperar nada em troca) e amor-Necessidade (aquele que busca o amor por precisar de suas dádivas), sendo o amor-Dádiva a verdadeira expressão do amor Divino.

Porém a escritora cristã Jen Wilkin em seu livro “Renovadas: 10 maneiras de refletir os atributos de Deus” nos lembra que atualmente a palavra amor é usada pela cultura de forma muito genérica e indiscriminada. Seu sentido contemporâneo está mais ligado ao amor romântico do que ao amor altruísta, sendo este a expressão verdadeira da palavra amor, enquanto aquele está carregado de emoções arrebatadoras e, por ser instável, pode se desfazer diante de qualquer crise. 

Ainda conforme Jen Wilkin, há quatro designações no grego para expressar o amor, sendo elas: eros (relativo aos casais), filos (relativo aos amigos), storge (relativo à família, à relação pais-filhos) e ágape (relativo ao amor de Deus, portanto, incondicional). Os três primeiros, como bem fala C.S. Lewis e confirmado por Jen Wilkin, dependem de uma necessidade, de uma correspondência, seja em intimidade, companheirismo ou apoio, mas o último é doador, é dádiva, é oferecido livre de qualquer carência, pois sua origem está em Deus e a sua necessidade está satisfeita em Cristo. Ele transcende a qualquer necessidade e compreensão humana, e é a base sobre a qual os demais amores devem se desenvolver para que estejam equilibrados. 

É por isso mesmo que nós, cristãos, devemos expressar amor baseado no nosso compromisso de relacionamento com Cristo; somente conhecendo a Deus, por meio de Cristo, poderemos amá-Lo sobre todas as coisas e expressar esse amor ao próximo de acordo com a fonte da qual ele procede. A expressão de amor quando não está em Deus facilmente se corrompe e se manifestará em idolatria, pois o padrão humano de “amor” é desordenado por causa do pecado.

Sem dúvida alguma o sacrifício é a expressão máxima do amor incondicional. Por mais que seja doloroso e difícil para aquele que se sacrifica, doar a si mesmo por amor a outro que de todas as formas será abençoado, redimido e salvo, sem que haja qualquer retribuição ou reparação para aquele que se sacrifica, é trazer à memória a obra de Cristo na cruz. 

E é por causa de Cristo que conseguimos compreender o sacrifício final do personagem Cooper por sua filha, pois ele voluntariamente deixou-se ser envolvido pela escuridão de um caminho ainda não trilhado pela humanidade para que sua filha e muitos outros pudessem viver. A doação feita por Cooper de si mesmo, em amor, mudou todas as coisas; o amor de Cooper por Murphy transbordou e transcendeu as dimensões de tempo e espaço, e assim como Cristo, a morte não o pôde deter. 

O transcendental personificado

O amor não é apenas difícil de expressar, definir e compreender, ele é capaz dos atos mais surpreendentes que jamais passariam por nossas mentes e corações. Quem de nós poderia imaginar que um Deus perfeito se esvaziaria de si mesmo, em um ato totalmente altruísta, para tabernacular, ou habitar, entre nós e provar seu amor por pessoas mortas em seus delitos e pecados, assim nos reconciliando consigo mesmo? 

A lógica humana não pode explicar e não consegue conceber tal ideia, e é por isso mesmo que Ele nos deixou sua Palavra para que tudo fosse revelado e registrado à humanidade, que por causa de sua queda em Adão se afastou do Pai e foi escravizada pelo pecado, pelo mundo e por Satanás. A humanidade, assim como no filme Interstellar, estava perdida e condenada, mas Deus já tinha um plano infalível para nossa salvação, antes mesmo da criação do mundo.

O escritor da Carta aos Hebreus registrou que é o Filho, o resplendor da glória de Deus e a exata expressão do seu Ser (Hb 1:3), portanto, o Amor era Cristo entre os homens; Ele, sendo Rei, humildemente se disfarçou entre nós e, nas palavras de C.S. Lewis, nos chamou para o maior plano de sabotagem da história da humanidade contra o príncipe deste sistema mundano, salvando a muitos da morte eterna.

Eu não sei você, mas eu às vezes fico imaginando como Cristo seria, como seria seu semblante, a cor dos seus olhos, como deveria ser o timbre da sua voz e, o mais surpreendente é pensar que a Pessoa de Cristo é a personificação do amor; sim, um dia o amor teve corpo igual ao meu e ao seu. 

Ele se fez matéria exótica para ser a ponte estável e segura que nos religou ao Pai. Cristo transcendeu a Física conhecida pelos homens em um ato divino de amor que só poderia ser realizado por um Deus Criador de todas as coisas, inclusive das leis e princípios que regem a Física. Afinal, é para os homens impossível criar a matéria exótica, mas para Deus nada é impossível (Lc 1.37).

Concordo com a personagem Amelia Brand, quando diz que procuramos entender e enxergar o que é incompreensível mais por teorias e conceitos infindáveis do que de fato experienciá-lo, o amor é acima de tudo manifestado por decisões e ações. 

Neste sentido, Deus decidiu restabelecer com a humanidade sua paternidade em Cristo dando a nós seu Amor personificado para morrer vertendo o seu sangue por nós, a fim de que todos aqueles que cressem Nele pudessem ser salvos; pessoas de todas as eras, tanto as que já existiam como as que ainda iriam existir foram cobertas por esse amor que de fato transcende as dimensões de tempo e espaço.

Deus é o nosso modelo de Amor e nós amamos porque Ele nos amou primeiro. Podemos experimentar o amor porque Deus-Pai o enviou a nós na Pessoa de Cristo. Ele pessoalmente nos comunicou esse Seu atributo e nos ensinou a amá-Lo, a amar nosso próximo como Ele nos amou e deixou tudo registrado em Seu livro, a Bíblia. 

Portanto o amor não é um simples sentimento fugaz que brota da humanidade, nem uma teoria e muito menos um mero conceito teológico, Ele é uma Pessoa, que em sua decisão sacrificial de amor agiu e tornou-se observável em glória e poder.

Embora o Amor não esteja mais encarnado entre nós, por Seu exemplo, podemos refleti-Lo, anunciá-Lo e ser seus representantes, verdadeiros embaixadores do Reino de Amor. Os que crerem e viverem por Ele serão salvos da morte eterna, pois um dia o Amor retornará a este mundo para levar para Si os que são seus, aqueles que o Pai lhe deu por sua vitória na cruz. 

E assim como Cooper disse à sua filhinha Murphy, antes de partir em sua missão, Cristo também nos diz agora: “Eu amo você e vou voltar!” e, então, finalmente viveremos com o Amor e em Amor eternamente. Amém!


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Junho com o tema “Atributos Comunicáveis de Deus”. Para ler todos os posts clique AQUI.