Recuperando laços de amizade

Aqui no Graça, falamos bastante sobre como cultivar amizades, seja com pessoas do seu círculo de convivência ou de ambientes novos, como uma nova igreja. Já conversamos sobre intencionalidade, sobre o perigo das comparações e sobre amizades inusitadas. Mas, e quando construímos laços, investimos em uma amizade e ela começa a evaporar ou, simplesmente, esfria? Devemos lutar para recuperá-la? Como fazer isso? Vamos conversar um pouquinho…

Quando chega ao fim

Amizade sólida não pode se resumir a aspectos supérfluos, como gostos parecidos ou experiências de vida similares. É um compartilhar da vida, é caminhar junto, é ser abrigo em algumas situações, companhia silenciosa em momentos de dor e a voz que exorta em amor quando for preciso. Amizade não é necessariamente o que temos com a colega da faculdade que vemos todos os dias, ou a irmã da igreja com quem conversamos aos finais de culto e nos acampamentos. Amiga verdadeira é aquela que sabemos que estará conosco no dia das lutas mais difíceis (mesmo que em oração), e nos dias de vitória mais belos. Não precisa ser a pessoa que se vê constantemente, mas alguém em quem você confiaria para confessar pecados e interceder por sua vida quando os vales chegarem.

Quando eu era adolescente, ouvia muito a expressão “ex-amiga”. Lembro de voltar decepcionada de um acampamento da igreja em que minha amiga encontrou outra menina para dividir segredos. No domingo seguinte, ela já não quis sentar no mesmo banco que eu, e foi doloroso o sentimento de rejeição. Exemplo que parece bobo e de imaturidade, eu sei. Mas, trago-o para provocar uma pergunta: existe, de fato, “ex-amiga”?

Se uma amiga muda de igreja ou de cidade, ainda há diversos meios para que os laços perdurem. Se uma das duas casou e a outra permanece solteira, ainda assim há motivos e meios para que a amizade perdure e seja cada vez mais sólida, uma vez que o vínculo não é o estado civil ou a cidade, mas as afinidades, as histórias compartilhadas, o carinho, os segredos compartilhados. Se ambas forem cristãs, o vínculo é ainda mais forte, pois passa pela cruz de Cristo.

Porém, nada impede que chegue um dia em que uma das duas perceba que algo “esfriou”. E surgem as perguntas: fiz algo de errado? Era mesmo amizade? Nossa história acabou, ou só está em pausa? O que fazer para reaquecer o vínculo?

Partindo do princípio de que você é filha amada de Deus, sinto liberdade em continuar essa conversa sob princípios bíblicos, para não escorregar em conselhos pessoais ou baseados em sabedoria popular.

O que a Bíblia fala sobre isso

Sabemos que o vínculo criado pela cruz em uma amizade verdadeira passa por decepções, realidades familiares diferentes, opiniões conflitantes e, apesar disso, permanece. Se os laços simplesmente esfriaram, ainda é possível recuperá-los com perdão e intencionalidade, como aconteceu com Paulo e Marcos (também conhecido como por João Marcos).

Em Atos 13:13 e 15:36 a 41 vemos que houve algum conflito que ocasionou a separação do grupo que viajava e, consequentemente, a quebra temporária do vínculo entre eles. Paulo se mostra descontente com o posicionamento de João Marcos e segue a viagem com Silas, enquanto Barnabé segue com seu sobrinho Marcos para Chipre. Repare neste detalhe: a viagem missionária segue apesar do conflito e da separação temporária. A Bíblia não nos aponta o motivo que levou João Marcos a desistir de continuar a viagem, como relatado no capítulo 13, mas não é nosso papel julgar as razões e encontrar culpados, pois não é nisso que se baseia a história, tampouco este artigo.

A reviravolta acontece quando, algum tempo depois, Paulo escreve a segunda carta a Timóteo. Não sabemos como foi a resolução do conflito, se houve uma conversa pessoal ou uma carta de pedido de desculpas de um dos lados, mas uma coisa é certa: Paulo reconhecia o valor de João Marcos na obra do Senhor, e pede que o chamem para ajudá-lo. “Tragam-me Marcos, que me é muito útil” (2 Tm 4.11). Esta passagem é tão linda! O Espírito Santo moveu as circunstâncias, pelo bem do Reino, e Ele ainda age neste sentido nos nossos dias. Por isso, lhe incentivo a lutar por laços que fortalecem o Reino. Diferenças de opiniões sempre estarão presentes, mas no Reino não há espaço para abismos entre o corpo de Cristo. Pense em Jesus, por causa dEle é possível perdoar, receber perdão, reatar laços, recomeçar e dar novas chances. A cruz sempre foi e sempre será ponto de convergência, de redenção e de recomeço.

Como saber a hora de deixar ir

Entretanto, há algumas situações que não resultam o efeito desejado; mesmo procurando a pessoa para conversar e tentando meios diversos de reaproximação, não há retorno positivo. Neste caso, penso que há apenas uma direção: seguir em frente e limpar o coração de mágoas. Talvez, a outra pessoa esteja vivendo momentos difíceis ou lutas espirituais, e não queira se abrir; talvez uma de vocês esteja com vergonha de se reaproximar depois de tanto tempo, ou talvez tenham seguido a vida e deixado para trás o laço construído (isso acontece, infelizmente). Há alguns casos ainda mais difíceis, em que nossa amiga se afastou do Senhor e está dura para o Evangelho. É extremamente importante colocarmos a situação nas mãos de Deus para não carregarmos o fardo da decepção e da mágoa, ou assumirmos o papel de redentoras. Em um relacionamento, somos responsáveis apenas por nossa parte em relação ao outro e em relação a Deus.

Pense em uma gangorra, daquelas de parquinho infantil. Só fica divertida quando há peso dos dois lados. Às vezes, somos nós quem seguramos o lado mais pesado, pois nossa amiga está vivendo alguma dificuldade. Outras vezes, é ela quem segura o peso e mantém o equilíbrio para nos apoiar. Se uma das duas for embora, a gangorra perde o senso de propósito e não adianta tentarmos dar conta das duas pontas, é impossível e desgastante.

Se você identifica alguma falha em sua postura ou em suas palavras, peça perdão e ofereça a oportunidade da reconciliação. Coloque-se à disposição para conversar quando ela se sentir confortável e seja sinceramente amável. Qualquer esforço além disso só irá desgastar e enfraquecer o desejo por uma amizade sadia e sólida.

Meu desejo é que a gangorra volte se mover, mas estejamos conscientes de que nem sempre será essa a nossa realidade. Talvez essa seja a hora de deixar ir.

No Estudo Florescendo Juntas, há uma mensagem que me marcou profundamente. Quando a li, em 2019, não imaginava que a vivenciaria alguns meses depois. Por alguns anos, cultivei uma amizade que, no final das contas, acabou não florescendo como eu imaginava. Foi duro encarar que todo o esforço não deu o resultado esperado, e toda minha intencionalidade estava, aparentemente, desperdiçada. Mas, encontro paz no fato de que era hora de deixar ir, como minha irmã Francine refletiu:

“Nem sempre conseguiremos manter as mesmas amizades, por mais intencionais que sejamos. Precisamos ser muito sensíveis à voz do Senhor para saber o que é nosso próprio egoísmo querendo desistir de uma amizade, e o que é o ciclo natural da vida, nos levando a novas pessoas. Suas amigas não precisam de você, no final das contas. Elas precisam de Cristo, e Ele pode se mostrar a elas através de outras pessoas. Esteja pronta para abrir mão também, deixar o fruto cair, se o Senhor assim te comandar. Creia que dessa maneira, com o cair do seu fruto no chão, o Senhor germinará outra planta!”

Deixar ir não é sinônimo de fracasso, muito menos de falta de amor. É, antes de tudo, um sinal de maturidade e contentamento na vontade do Senhor e no fluir natural da vida.

O que fazer para reconstruir laços marcados pelo pecado?

A primeira regra é colocar a cruz entre você e sua amiga. Não há nenhum pecado grave demais que o sangue de Jesus não possa limpar. Independente de quem foi a falha, há redenção no nome de Jesus e vocês não podem perder isso de vista. Caso contrário, qualquer vínculo será manchado pela culpa e pelo engano que o pecado traz.

Lembremos da história de José. O crime cometido contra ele é imperdoável aos olhos de muitas pessoas, e confesso que também foi aos meus olhos por muito tempo. Mas, algo em José mudou, nos anos que passaram, e ele dá todos os indícios de que foi moldado pelo Senhor e abriu o coração para que a mágoa fosse tratada pelo bálsamo perfeito.

Após ficar anos sem contato com sua família e ter alcançado, pela graça, um alto cargo e posição no governo do Egito, Deus concedeu a oportunidade da reconciliação. José tinha duas escolhas: fazer justiça humana, se vingando de seus irmãos e negando-se a ajudá-los em um momento de fome e necessidade, ou perdoar e aceitá-los de volta em sua vida.

Se o pecado manchou os laços de sua amizade, há esperança. Como vimos há pouco, a cruz de Cristo é nosso ponto de convergência, redenção e recomeço. Em honestidade e confissão sincera, receba de Jesus o perdão de seu pecado. E se o pecado foi contra você, lembre da conta matemática que Jesus ensinou a Pedro: 70×7. Nenhum pecado vale mais do que o sangue de Jesus, e é baseado nisso que eu afirmo com todo o coração: o perdão liberta.

Talvez leve um tempo para que a ferida seja cicatrizada, principalmente em quem foi ferido. Não hesite em procurar aconselhamento pastoral, se necessário. Deus nos deu líderes e, a estes, deu capacidade para auxiliar em questões diversas, desde ofensas verbais e atitudes drásticas. Peça ajuda a quem você sabe que possui maturidade espiritual e, enquanto esse processo ocorre, deleite-se no Senhor que cura e reata laços, como fez com José, Paulo e Marcos, e tantos outros.

Irmã, relacionamentos não são fáceis. Pessoas são complexas e marcadas pelo pecado. Você e eu estamos nessa mesma condição, niveladas pela cruz. Se essa verdade lhe traz paz, creia que também é capaz de trazer libertação de mágoas e reconciliação, se assim for possível.

Glória a Deus pelo céu, o lugar de Esperança, limpo de pecados, onde todas nós desfrutaremos de relacionamentos perfeitos, na presença do Perfeito Jesus.