Graça Analisa: “Devotedly”, Valerie Elliot Shepard, 2019

“Por vezes eu me pego desejando que Elisabeth fosse mais vulnerável em suas obras”, foi o que confessei ao final de minha análise do livro “The Savage My Kinsman” da autora Elisabeth Elliot, dois anos atrás. Quem me conhece pessoalmente, ou acompanha meu trabalho aqui no Graça em Flor, sabe que Elisabeth Elliot é uma voz que tem grande proeminência em minha caminhada cristã (ao ponto de eu ouvir do meu marido, certa vez, que talvez precisasse “começar a ouvir outras vozes”). Esse meu desejo profundo de conhecer melhor a autora que tanto me inspirou nunca foi concretizado nas obras da mesma uma vez que ela se mantinha, ao menos em minha percepção, por trás de um muro (ainda que, possivelmente, isso tenha sido inconsciente por parte dela). Por isso, imagine minha alegria ao descobrir que esse ano uma obra seria lançada, escrita pela filha de Elisabeth, com relatos de suas cartas e diários espirituais. Finalmente! Essa era minha hora de conhecer Elisabeth por completo sem mais um muro entre nós.

Alguns diriam que minha conexão com minha amiga Elisabeth beira a idolatria, afinal de contas eu escrevi um livro baseado no que ela disse, fiz artigos, vídeos e podcasts sobre ela, e possivelmente, caso Deus me dê uma filha, a nomearei em sua homenagem. Mas eu espero que você compreenda que eu nunca idolatrei Elisabeth Elliot nem a coloquei em um pedestal no qual ela mesma odiaria estar. Pelo contrário, meu desejo profundo por ver Elisabeth “sem máscaras” era para comprovar o que eu sabia ser verdade — ela era tão humana e pecadora quanto eu. E essa obra que iremos analisar hoje me provou correta e, ah!, o quão feliz isso me fez (não pelas falhas delas, mas por finalmente vê-la como um todo).

Então venha comigo desfrutar dessa linda obra, “Devotedly — The personal letters and love story of Jim and Elisabeth Elliot” (“Devotadamente — As cartas pessoais e a história de amor de Jim e Elisabeth Elliot”, tradução livre minha, ainda sem publicação no português), da autora Valerie Elliot Shepard.

Para evitar uma análise mais extensa do que ela precisaria ser, eu te encorajaria a ler os outros materiais linkados nessa introdução nos quais explico a história do martírio de Jim Elliot e posterior volta de Elisabeth para pregar aos assassinos de seu marido. Creio que seja mais fácil prosseguirmos dessa maneira do que explicando novamente toda a história por aqui. Uma vez que você estiver familiarizado com a história, volte para que possamos então conversar sobre o que estava por trás dela, sua base: os muitos e muitos anos, dúvidas e orações que levaram Jim e Elisabeth e se encontrarem, apaixonarem-se e casarem.

Eu poderia, nessa análise, te dar um extenso relato cronológico de toda a trajetória romântica do casal, que é o que Valerie faz, mas eu gostaria de ao invés disso pontuar os três temas que mais me marcaram na obra como um todo, na esperança que encorajem sua fé como fizeram à minha.

Imperfeitos mas devotados

Há alguns dias enquanto eu navegava por um site de resenhas literárias me surpreendi ao ver que alguém havia dado apenas uma estrela para essa obra. O motivo? “Eu sempre achei que Jim e Elisabeth Elliot fossem exemplos piedosos para jovens cristãos, mas percebi nesse livro que estava errada”. Eu quase ri alto, perdoem-me a honestidade. Para ser sincera essa mesma lógica provavelmente seria parte da minha justificativa para dar a esse livro cinco estrelas.

Como eu disse anteriormente, eu sempre tive uma visão incompleta dos Elliots por ter lido somente o que eles diziam de si mesmos. Mas quando abrimos as páginas de seus diários e lemos suas cartas pessoais (que eu suponho eles nunca imaginaram que chegariam às mãos de ninguém além dos destinatários originais) nós vemos que eles eram, surpresa das surpresas, humanos! E falhos. Há páginas em que Elisabeth responde com um quase orgulho-próprio às críticas de Jim. Há páginas em que Jim critica sem amor. E há páginas que eu torci o nariz ao ler porque traziam relatos de desejos carnais que eu não esperava, confesso, encontrar nessas cartas.

E então enquanto eu lia, também tive alguns momentos de ser como essa pessoa que deu a crítica de uma estrela. Eu me surpreendi que Valerie tenha compartilhado essas partes dos relatos, e até me perguntei o porquê de ela fazer isso. Por que não manter seus pais imaculados, como muitas pessoas os viram por meio século? Deixo a própria Valerie explicar:

“Não pense nos meus pais como perfeitos. Eles não o eram. Não pense no relacionamento deles como perfeito. Ele não era. Veja-os como duas pessoas — um homem e uma mulher — que de bom grado convidaram Deus para dirigir suas vidas da maneira dEle.” (P. 269, tradução livre minha)

Queridos, todos nós precisamos de exemplos na fé, pessoas que encorajem nossa caminhada e nos ajudem a ver que Jesus pode também nos usar como os usou. Mas quando colocamos esses humanos em pedestais, vendo-os por um ângulo incompleto e, ouso dizer, mentiroso, arriscamos uma idolatria pecaminosa. Eu particularmente amei ver o pecado de Jim e Elisabeth e acima de tudo vê-los levar cada falha aos pés da Cruz no anseio de serem santificados. Eles caiam, mas levantavam pela graça. A devoção que tinham a Deus e a fazer somente a vontade dEle sempre aparecia, ao final das contas. Isso não dá ainda mais esperança aos nossos corações? Se Deus usou tão poderosamente homens e mulheres falhos mas devotados como os Elliots, Ele também pode nos usar.

Se Deus usou tão poderosamente homens e mulheres falhos mas devotados como os Elliots, Ele também pode nos usar. Click To Tweet

Encorajamento aos que vivem relacionamentos a distância

Ah, como eu queria ter lido esse livro enquanto vivia meu próprio relacionamento a distância! Jim e Elisabeth se conheceram em 1948 e só se casaram 1953. Nesses cinco anos, eles só moraram na mesma cidade por um curto período de tempo (cerca de um mês, se não me engano?) e todo o resto foi feito a distância (por isso essa riqueza de material em cartas de um para o outro).

Hoje em dia eu vejo tantos crentes evitando relacionamentos a distância por acharem que não dá certo, mas aqui estão esses gigantes da fé nos mostrando que eles são possíveis quando confiamos na graça de Deus. E não se engane, não foi fácil para eles! Há vários relatos onde eles clamam ao Pai, “Até quando?”. Mas essas frases angustiadas geralmente eram seguidas de, “Não seja feita a nossa vontade, mas a Tua”. Eles souberam descansar na vontade de Deus, e essa foi uma das lições mais poderosas que o livro me ensinou.

Obediência não é algo que vem nos momentos de grandes e difíceis decisões. Obediência cresce e se fortalece conforme dizemos “não” a nós mesmos e “sim” a Deus a cada nova manhã, quaisquer que sejam os desafios aos quais Ele nos subjugar.

Eu amei o trecho a seguir, escrito por Valerie e baseado em uma lição que o pai dela aprendeu ao observar crisântemos:

“Os dois viram a mão do Senhor uni-los, mesmo quando Ele os manteve separados durante as ‘noites longas’. Com o tempo eles veriam muito mais sinais da bondade do seu Pastor. Eles sabiam que o mesmo Criador que faz crisântemos florescerem no escuro os guiaria, como Ele faz com todos Seus filhos, pelos dias sem Sol.” (P. 152, tradução livre minha)

É importante tirarmos a lição de que nada é impossível para Deus. Ele uniu Jim e Elisabeth quando tudo parecia desfavorável e pode fazer milagres na vida de muitos outros, se assim for de Sua vontade. O que cabe a nós é apenas a obediência e a submissão.

Um outro tipo de mulher

Claro que eu não poderia terminar essa análise sem falar mais especificamente da minha querida amiga Elisabeth. Eu sempre tive essa noção de que ela era um tipo totalmente diferente de mulher, mas nunca soube exatamente porquê. Agora eu sei. Elisabeth tinha 22 anos quando conheceu Jim e 30 quando ele foi assassinado. Eu sempre me perguntei como ela encontrou forças, aos 30 anos, para sobreviver a essa perda. Agora eu sei.

Elisabeth Elliot não era diferente de nós, mas ela era completamente, intensamente, sem reservas algumas, de Deus. O que eu quero dizer com isso é que desde os seus 22 anos Elisabeth era totalmente devotada ao seu Senhor. Seus diários mostram uma mulher que buscava a face de Deus constantemente pela Palavra e oração, e suas cartas a Jim Elliot mostram uma mulher incrivelmente apaixonada sim, mas que tinha a convicção profunda de que nada nem ninguém era mais importante em sua vida do que Jesus. E é isso que fez dela a mulher que eu tanto admiro até hoje.

Ao final do dia minha amiga não era “um outro tipo de mulher”. Ela era apenas um tipo ordinário de mulher (como eu!) que vivia de forma completamente rendida ao seu Senhor, mesmo que Ele lhe pedisse o sacrifício de tudo o que ela tinha. Em uma carta que ela escreveu a Jim, em resposta às dúvidas dele sobre a “legalidade” dessas correspondências, nós vemos a firmeza da convicção de Elisabeth e seu desejo de colocar Deus acima de todos:

“Eu não teria há muito desistido [de me corresponder com você] sem esperar sua ‘permissão’ caso eu tivesse quaisquer dúvidas sobre a legalidade de nossos atos? Pode ficar tranquilo, Jim, que meu consentimento em me corresponder com você foi baseado na liberdade que Deus deu a mim [e não baseado em qualquer permissão dada por um homem].” (P. 83, tradução livre minha)

Esse livro termina antes da morte de Jim (finalizando a história na época em que eles construíram sua primeira casa na floresta), por isso nós não temos acesso aos diários de Elisabeth para ver o que ela sentiu naqueles dias e meses pós-perda. Mas eu entendo agora, de forma muito mais profunda, que foram os anos de exercício na fé e obediência que treinaram Elisabeth para ser forte no momento mais difícil de sua vida. Que sirva de lição a cada uma de nós.

 


“Devotedly” me mostrou que a história que nós conhecemos dos Elliots é apenas a ponta do iceberg. A base que sustentou as decisões de fé que eles tomaram, tanto do martírio quanto da volta à tribo assassina, foi construída e desenvolvida muito antes através de todos os momentos de obediência e entrega. Apesar de “Devotedly” focar na história de amor entre dois humanos, eu terminei a leitura encorajada a viver completamente devotada a Deus e ninguém mais, sabendo que Ele sim é o verdadeiro Amado de nossas almas.

A escrita de Valerie é simples e direta, e ela deixa o livro recheado das escritas de seus pais que eram incrivelmente poéticas e detalhadas (o que me inspirou como escritora no século XXI a tentar ser mais como eles em refinamento e seriedade na escrita). Por causa do conteúdo (há fotos inéditas, trechos das cartas, além de uma capa dura lindíssima!) e da importância que eu creio que essa obra tenha para aqueles que acompanham a história dos Elliots desde a década de 1950, dou a esse livro cinco estrelas.

 

Compre a obra no Amazon: amazon.com/Devotedly-Personal-Letters-Elisabeth-Elliot