Como lidar com a depressão à luz da Palavra de Deus? (Graça Responde #8)

Tenho depressão e ansiedade. Percebo que isso afeta muito a minha vida espiritual. Como lidar com transtornos mentais à luz da Palavra de Deus?

—————————————————————————-

Esta resposta é baseada em leituras, palestras e conversas com piscólogos cristãos. Não temos a intenção de esgotar o tema, nem de oferecer diagnóstico generalista. Como a própria irmã que fez a pergunta solicita, queremos falar de como entender essa situação à luz da Bíblia.

—————————————————————————-

Antes de falarmos exatamente sobre como lidar com transtornos mentais à luz da Bíblia, vamos observar o corpo humano. Sei que existem igrejas que adotam o entendimento de corpo dicotômio, mas aqui gostaria de considerar a tricotomia. 1 Tessalonicenses 5.23 diz,

“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Por esta passagem, temos que o ser humano é composto por três partes: espírito, alma e corpo.

O corpo é a nossa parte material, por onde manifestamos nossas ações e vontades e reagimos ao meio. O espírito é uma parte imaterial que toca a Deus. Ele é eterno e tem a função de consciência, intuição e comunhão, pois é por meio dele que recebemos a informação do Espírito de Deus. 1 Coríntios 2 afirma que as coisas espirituais se discernem espiritualmente. O nosso espírito se liga ao Espírito de Deus, para entendermos a Ele.

A alma é composta por três elementos que determinam o nosso comportamento. São eles o pensamento, a emoção e a vontade. “Psico” significa alma, o nosso “eu”, quem nós somos. E é por isso que chamamos de psicologia a corrente científica que estuda a alma: aquilo que está presente em nossa pessoalidade.

A alma tem um funcionamento singular que é: Eu penso – eu sinto – eu faço. Nenhuma emoção vem sem antes passar pelo nosso pensamento. E nenhuma atitude é tomada ou nenhuma vontade é manifestada sem levar em conta a emoção. É por isso que para mudar a maneira com que reagimos, precisamos mudar nossas emoções, mudando primeiro o nosso pensamento, de forma a fazê-lo arraigado a Cristo.

Romanos 12.2 talvez seja a passagem mais clássica para falar sobre transformação de mente.

“E não vos conformeis com este século [eu faço], mas transformai-vos pela renovação da vossa mente [eu penso], para que experimenteis qual seja a boa, perfeita e agradável [eu sinto] vontade de Deus”.

As referências “boa” e “agradável” habitam nas emoções. E só é possível experimentar essas boas emoções porque a mente foi renovada em um pensamento bom. Então, o que podemos inferir é que muitas vezes sofremos com alguns afetos ou emoções, porque ainda não renovamos nossa mente em relação àquele afeto. Não significa que ainda não houve transformação substancial de mente e vida em Cristo, mas significa que naquele assunto que tira nossa paz, nos causando ansiedade ou depressão, a mente ainda não chegou no resultado que precisa chegar.

Quando nossos pensamentos, emoções e vontades não estão regulados em Cristo, apesar de sermos nascidas de novo, há desequilibrio em nossa totalidade. E uma coisa é certa: todas temos extensões da nossa vida (personalidade e/ou caráter) que precisam ser levados cativos a Cristo. Então, o Senhor nos visita em nossa alma, tocando nossa mente, emoção ou vontade para regular aquilo que não está de acordo com a vontade dEle. Esse tocar do Senhor pode ser com situações ou pessoas que precisamos aprender a lidar, através da sua Palavra, conselhos pessoais… Enfim, Deus tem inúmeras maneiras de nos tocar. 

Mas também há casos em que o pensamento já está no caminho, ele já entendeu a situação aos pés de Cristo, mas a emoção insiste em não acompanhar. Tenho certeza que você já ouviu ou disse algo como: “Eu sei das promessas de Deus para mim, confio no Senhor, mas não consigo deixar de sentir tal coisa nessa situação”. É como se o entendimento estivesse apenas na esfera intelectual, pois seu sentimento revela que não está completamente convencida espiritualmente. Voltemos ao princípio da alma: eu sinto porque penso. A respeito disso, uma passagem bem interessante é Salmo 42.11:

“Porque estás abatida, óh minha alma? Porque te perturbas dentro em mim? Espera em Deus e ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o meu Deus”.

Aqui, é como se fosse um diálogo entre a mente e a emoção. A mente diz para a emoção: “Ô emoção, se acalma e louva a Deus. Não precisa ficar abatida”. A mente já entendeu o recado, as promessas de Deus, a confiança nele etc; mas a emoção ainda não. A conclusão que podemos chegar é que a emoção parece ser mais lenta que a mente. E nós precisamos amadurecer a emoção em Deus para que ela acompanhe a nossa mente já transformada.

A boa notícia é que Deus dá essa condição de a emoção acompanhar a mente. Observe 1 Coríntios 6.11-13:

“Para vós outros, ó coríntios, abrem-se os nossos lábios, e alarga-se o nosso coração. Não tendes limites em nós; mas estais limitados em vossos próprios afetos. Ora, como justa retribuição (falo-vos como a filhos), dilatai-vos também vós”.

Ou seja, é possível alargar o afeto, dilatar a emoção em uma direção que culmine em Cristo e não em nós mesmas. Que esperança, minha irmã! Não é a toa que a Bíblia afirma que onde está o nosso tesouro é lá que está o nosso coração (Mateus 6.21). Se o nosso tesouro somos nós mesmas, nosso coração (metáfora para emoções) não está em Cristo, por mais que a gente ache que esteja. É justamente por isso que você, minha querida irmã, eu e muitas mulheres temos nossa vida espiritual abalada quando enfrentamos transtornos mentais. É uma reação de causa e efeito que também pode ser entendida como “vice-versa”: minha vida espiritual abalada tira meu foco de Deus e enfraquece minhas emoções, e minhas emoções quando não estão reguladas em Deus afetam minha vida com Cristo. 

Para ajustar essa nossa vida emocional e tratar os transtornos mentais à luz da Bíblia, precisamos trabalhar dois conceitos básicos sobre Deus: a sua soberania e a sua paternidade.

A soberania fala a respeito da certeza de que é Deus quem controla todas as situações. Talvez a consciênica de que Ele é Deus e absolutamente nada está fora do seu domínio seja o principal atributo de Deus para os salvos. Além disso, a soberania aponta para a glória de Deus. Romanos 11:36 diz, “Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas”. Tudo o que acontece em nossa vida, necessariamente, deve dar glória a Deus.

O capítulo 1 de Efésios é muito claro em relação ao motivo de nossas vidas e à nossa escolha como servos e salvos em Cristo.

“[…] havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo”. (vs. 11 e 12) Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação […]”. (vs. 18)

Quando realmente conseguirmos entender a soberania de Deus, a ponto de termos plena convicção de que Ele permite todas as coisas, inclusive o mal, para que a glória dEle seja revelada em nós, descansaremos em qualquer situação, afinal, estava nos planos dEle.

Acontece que descansar é difícil, né? Que atire a primeira pedra quem nunca se preocupa com nada. Eu jamais me atreveria a atirar. Só que a gente precisa exercitar a confiança em Deus. Mas exercitar de verdade, sem se enganar que confia em Deus, quando, na verdade, não confia. Você consegue se examinar para encontrar as áreas que você teima em querer controlar? Aquelas que você sinceramente reconhece que não entregou a Deus de fato e de verdade? Ô irmã… desejo que você exercite sua fé para experimentar a Deus verdadeiramente sendo Senhor na sua vida.

A paternidade de Deus diz respeito ao fato de que o Senhor nunca irá nos desamparar. Paul Washer, em um sermão antigo, disse algo mais ou menos assim: “Fala-se que não existe amor como de mãe, mas a Bíblia nos mostra que não há amor como de um pai”. Já refletiu acerca disso? Eu concordo plenamente. Quando vejo o amor e cuidado que meu esposo tem por mim, não consigo deixar de imaginar como ele será como pai. É alguém em quem confio como provedor, consolador, protetor, sacerdote… Se confio nele que é pó, porque não confiaria no Deus do qual ambos somos filhos? Deus é essa figura para nós.

É o nosso Amado Pai quem provê todas as coisas que temos necessidade. E eu sei que é clichê falar isso, mas se Deus não te deu algo é porque você não precisa disso, pelo menos não agora. É o nosso Pai Celeste quem nos consola em momentos de angústia e foi ele mesmo quem sofreu até a morte para nos nos consolar eterna e preciosamente com a salvação. Ele nos protege por meio da conscientização da sua palavra, nos faz promessas eternas, Ele não mente nem muda. Ele é nosso Pai e, uma vez que o é, por mais que nossos pecados deem motivos para Ele nos deserdar e nos expulsar da família, Ele não faz isso. Podemos confiar quando Cristo diz,

“E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai”. João 10:28,29

Lembra que lá no começo a gente falou do princípio Eu penso – Eu sinto – Eu faço? Então, transtornos mentais afetam a nossa vida espiritual porque mudam a nossa maneira de pensar. Para que o nosso relacionamento com Deus seja restaurado, é necessário que conformemos nosso pensamento à luz da Bíblia. E a plena confiança na soberania e na paternidade de Deus são passos primordiais para passarmos a enxergar as diversas situações da vida com a perspectiva da glória de Deus e não apenas com os nossos olhos e os nossos sentimentos carnais. Para que entrar em depressão e se encontrar ansiosa se o Deus soberano que é meu Pai está no controle de tudo? É essa a pegada.

Irmã, mas tem mais uma coisa que não posso deixar de falar. Em nome de Jesus, rogo a Deus que a depressão e a ansiedade sejam vistas por você como barreiras que precisam ser ultrapassadas. Quando insistimos em usar essa condição para justificar nosso afastamento de Deus e vivemos norteadas por essas emoções, deixa de ser doença para ser pecado, porque tira o foco do Senhor e torna-se um ídolo. É como se estívessemos dizendo que os transtornos mentais são mais fortes que o Deus que criou o cérebro e dotou o homem de emoções. Não estou dizendo que é seu caso, mas essa não é uma cena incomum de se encontrar.

Aqui também saliento que, nesse texto, falamos acerca da depressão e ansiedade de decorrência emocional, mas esses transtornos também podem ter origem química, por exemplo, e ser necessário que a pessoa acometida regule suas funções por meio de medicamento. Em qualquer dos casos, o acompanhamento clínico, seja em terapia ou tratamento, pode ser muito válido ou até mesmo necessário. Não subestime, nem demonize a ajuda profissional. Para muitas pessoas, a terapia e/ou tratamento medicamentoso é fundamental na soma dos fatores que ajudarão a controlar e vencer os transtornos mentais. Hoje em dia, encontramos psicólogos cristãos com certa facilidade. Caso não tenha condições financeiras, informe-se na sua cidade se os postos de saúde oferecem tratamento psicológico pelo SUS ou procure universidades que possuem o curso de Psicologia. A maioria dessas universidades faz acompanhamento gratuito em suas clínicas-escolas.

Como complemento a este tema, indico ler o Graça Responde escrito pela colaboradora Marília e assistir esse vídeo aqui do ministério Dois Dedos de Teologia.

Desejo graça em sua vida e espero ter de alguma forma contribuído para incentivá-la a vencer nessa área. Enquanto escrevia esse texto, eu mesma passava por um momento de ansiedade e dou graças ao Senhor que me fez enxergar a situação difícil pelos Seus olhos. Um grande abraço.

Deborha
Aconselhadora da Equipe Graça em Flor

Você tem uma pergunta e gostaria que nossas Aconselhadoras respondessem? Envie para gracaemflor.com/perguntas