Tamar – A esquecida

Você já teve vontade de entrar em uma história e mudar o rumo de um personagem, ao perceber que o final seria ruim? Eu sim, inclusive ao reler a história de Tamar, filha do rei Davi, irmã de Amnom e Absalão, narrada em 2 Samuel, capítulo 13, fiz como que uma viagem imaginária e me atentei para detalhes que, antes, passavam despercebidos.

Há quem olhe para a Bíblia e sinta algo parecido com revolta, ao perceber que há tantas injustiças e crimes graves. Mas, há algo de bom que possa vir da humanidade caída e imersa em pecado? É ilusão esperar o bem de quem não há nada de bom para oferecer por si próprio. Por isso, a Bíblia é uma longa e maravilhosa história de redenção sobre um Deus bondoso que se compadece de suas criaturas perdidas no pecado e envia um Salvador perfeito para as amar, curar e restaurar.

Quando a vida deixa marcas

Era um dia como outro qualquer para Tamar, a filha do rei, que vivia de forma honesta, obediente e temente ao Deus de seu pai. Em algum lugar da cidade, o dia era angustiante para Amnom, seu meio-irmão mais velho, o primogênito do rei Davi. Tomado por lascívia desenfreada, ele desejou sexualmente sua própria meia-irmã e, aconselhado por um amigo nada confiável, traçou um plano para saciar seu desejo. Passou-se por doente e pediu ao pai que enviasse sua irmã para cozinhar alguns bolos. Quando estavam prontos, pediu que todos os servos da casa se retirassem, a fim de que pudesse ficar a sós com Tamar. Quando ela foi a seu quarto entregar o alimento, a Bíblia diz que Amnom a forçou de tal modo que ela precisou implorar para que ele não fizesse uma “loucura”, pois não se fazia esse tipo de coisa em Israel. 

Precisamos fazer uma pausa para frisar que, embora a Bíblia apresente uma narrativa como esta, não há permissão ou endosso a relações entre irmão e irmã, mesmo meio-irmão e meia-irmã, muito menos ao crime do estupro. Em Levítico 18, versículo 9, há uma recomendação específica sobre esta proibição.

Infelizmente, Amnom não quis dar ouvidos a Tamar e, sendo mais forte do que ela, a forçou de forma que tiveram relações. Que cena lamentável! E não acaba aqui. A Bíblia diz que, após consumar o ato, maior foi a aversão de Amnom por Tamar, do que o “amor” que sentia antes. Expulsou-a de sua casa e se negou a assumir o erro publicamente.

Neste tipo de caso, o contexto cultural do antigo Israel exigia o casamento, conforme diretrizes encontradas em Êxodo 22:16 e Deuteronômio 22, principalmente pela necessidade de dar à mulher a provisão financeira e um lar para viver, já que ela não estava mais sob os cuidados do pai. Tendo arruinado a vida de Tamar, Amnom tinha uma responsabilidade para com ela que não foi cumprida, pois era irresponsável, omisso e governado por seu egoísmo frio e inconsequente.

Não sei você, minha amiga, mas esse tipo de relato gera um nó em minha garganta. O mundo sem Cristo é cruel, frio e perigoso. Quantas mulheres ao nosso redor estão em busca de um abrigo seguro, um lar acolhedor, um abraço sem segundas intenções, um amor sem interesses egoístas, um relacionamento genuíno e puro? Quantas estão buscando aceitação nos lugares e nas pessoas erradas? E quantas de nós as estão acolhendo, amando e apontando Cristo?

Um rastro de coragem

Ao invés de fugir ou se esconder, Tamar teve uma atitude admirável. Rasgou sua linda túnica colorida, digna das filhas do rei, colocou cinza sobre sua cabeça, e saiu andando e clamando com as mãos sobre a cabeça. Naquele contexto, este ato representava humilhação e tristeza (veja referências em 1 Samuel 15:30, Ester 6:12 e Jeremias 2:37).

É muito comum que vítimas de abuso sexual sintam vergonha e culpa, como se tivessem “feito por merecer”. Mas, ao contrário do que muitas mulheres fazem, Tamar não silenciou sua dor. Tornou-a pública, muito provavelmente por desejar justiça. Que coragem e que exemplo! 

Como já dito em outros textos, o Ministério Graça em Flor encoraja veementemente que qualquer vítima de abuso procure ajuda em sua igreja, converse com pessoas de confiança e procure as autoridades necessárias para que providências sejam tomadas. O silêncio sufoca, mas Cristo nos chama à liberdade pela verdade (João 8:32).

Crime, culpa e redenção

Tamar foi acolhida por seu irmão Absalão e, quando o rei Davi soube de tudo, ficou furioso, mas não tomou nenhuma ação direta em nome de sua filha. Ele deixou por isso mesmo, fazendo com que o crime contra sua filha ficasse “esquecido” na memória do povo. Aqui está mais um exemplo de que mesmo os personagens mais brilhantes da Bíblia eram falhos. Davi foi chamado de “homem segundo o coração de Deus”, mas os salmos escritos por ele revelam um coração constantemente contrito por pecados cometidos (quem sabe ele não pensava também em Tamar). Como chefe da família, seu papel era lidar de forma justa com seus filhos, mas não é isso que vemos aqui. Alguns teólogos supõem que, por causa do pecado com Bate-Seba, Davi havia perdido sua coragem moral e clareza de julgamento.

O desenrolar dessa história inclui ódio não tratado, manipulação, mentira, assassinato e uma série de marcas. Vidas marcadas por crimes, castigo e… redenção!

Bem como a outra personagem chamada Tamar, da narrativa de Gênesis 38, presente na genealogia de Jesus, essa é uma história que representa muitas outras. Mulheres deixadas à mercê da vida, maltratadas pela família, usadas, abusadas e desprezadas, esperando por algum fiasco de piedade, mas esquecidas pela sociedade. A você que pode se encaixar em algum trecho dessa história, quero dizer que Cristo está perto.

Note os contrastes entre a história de Tamar, filha de Davi, e as mulheres que foram encontradas por Jesus. Ele as notou, as preservou, as orientou, as protegeu, as perdoou, as curou, as redimiu. 

Ao invés de egoísmo, Cristo doa sua própria vida. 

No lugar do desprezo, ele te vê como Imago Dei.

Se seu coração foi marcado por abuso, ele estende as mãos marcadas pelos cravos e se apresenta como o Amor que renova, redime e recupera.

Cada mulher que se encontra com Cristo conhece um padrão inatingível de amor e se satisfaz com a nova identidade que ele oferece. Não há crime ou culpa que subsista perante a redenção conquistada na cruz. Ele fará a justiça necessária, creia!

Que alívio, que privilégio!


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Março com o tema “Mulheres Desconhecidas da Bíblia”. Para ler todos os posts clique AQUI.