As Mães de Jesus: Tamar

Com o Sol do meio-dia na cabeça, Tamar olhava para o horizonte ponderando seu futuro. Como lidar com toda a dor que apertava seu peito? O que ela poderia fazer? Sua única opção era sentar-se e esperar a morte, que ainda demoraria tanto a vir, visto que ela era tão jovem. Não havia escapatória, Tamar estava fadada a uma vida inteira nas sombras, de luto, sozinha. A não ser…

Você já ouviu alguma pregação sobre Tamar, a nora de Judá? Eu não consigo me lembrar de nenhuma. Na verdade, quando algum pastor faz uma série de pregações no livro de Gênesis eu me pergunto se ele pula o capítulo 38 como um todo, ou se apenas pincela por cima da bizarra história da nora que virou prostituta por um dia. De certa forma não os culpo — como conciliar um relato tão estranho ao todo do livro de Gênesis? 

Na verdade, eu acho que a história de Tamar e Judá seja uma das mais claras demonstrações da ideia geral do primeiro livro da Bíblia. Gênesis é um livro narrativo-histórico, ou seja, seu objetivo é contar fatos, ainda que seja pincelado com poesias e cânticos aqui e ali. E o fato mais importante que o livro traz é: Há um Deus que criou tudo o que existe e Ele escolheu ter um relacionamento com humanos indignos. E ora, tem humanos mais indignos em Gênesis do que Judá e Tamar? (Até tem, esse livro é lotado de gente quebrada…)

Confesso que por anos ao pensar na história de Tamar ela sempre se resumia mais ou menos assim em minha cabeça: Judá, um dos filhos de José teve filhos e eles eram ruins, então Deus os matou. Judá teve medo de dar seu único filho que sobrou à mesma esposa, mesmo que fosse a lei, e Tamar, a esposa, ficou com raiva e acabou se vestindo de prostituta e seduzindo seu próprio sogro, engravidando dele.

Céus, que história absurda! Chegamos a nos contorcer e pensar, “Sério mesmo que isso está na Bíblia?”. Mas está e precisamos falar sobre, e ponderá-la à luz da Bíblia e não das ideias distorcidas que criamos sobre o relato.

Judá

Primeiro, precisamos entender o contexto da situação como um todo, começando com Judá, o quarto filho de Jacó com sua esposa desprezada, Lia. Lia teve três filhos antes de Judá, e a cada novo nascimento ela dizia, “Agora sim meu marido me amará”. Sua identidade estava toda em tentar ganhar o favor de Jacó, mas isso nunca vinha. Entretanto, quando Judá nasceu Lia parece ter entendido que nós servimos a uma audiência de Um só, e finalmente confessa, “Esta vez louvarei ao Senhor”. Por isso ela chamou o menino de Judá, que significa “adoração”, “louvor”(Gênesis 29:35). 

Judá foi quem instigou seus irmãos a venderem José ao invés de matá-lo (Gênesis 37:26). À primeira vista podemos pensar que tal atitude tenha sido piedosa da parte de Judá, mas a verdade é que a expectativa de vida de escravos sempre foi baixa, especialmente com uma jornada dura pelo deserto até o Egito. Judá talvez tivesse mais seu próprio interesse em mente, de não ter sangue nas mãos, do que o de José, que certamente morreria de qualquer forma.

Posteriormente, talvez levado pela culpa de ter colaborado na morte do irmão, Judá abandona a casa de seu pai Jacó e ao peregrinar pela terra casa-se com uma mulher cananeia, ao invés de buscar esposa para si na parentela de seu pai, como era o costume dos patriarcas. 

Podemos ver, então, que Judá nunca foi a vítima dessa história, mas parte do problema desde o início. Creio que por sabermos que Jesus veio da tribo de Judá (e por Ele carregar o título de Leão de Judá), nós temos a concepção errada de que Judá sempre fora piedoso e correto em suas atitudes e escolhas.

Os filhos de Judá — Er e Onã

A Bíblia não nos diz muito sobre os filhos de Judá, Er e Onã, para além do fato de que eles foram tão perversos que Deus os matou. Apenas para nos dar perspectiva, podemos pensar que um outro exemplo bíblico onde Deus tira a vida de alguém no ato, dessa forma, seria Ananias e Safira que mentiram e esconderam dinheiro, fingindo piedade com suas doações (Atos 5). 

Er não tem seus pecados expostos de forma clara, mas a Bíblia diz que ele “era mau aos olhos do Senhor, por isso o Senhor o matou” (Gênesis 38:7). Comecemos desde já a nos colocar na pele de Tamar. Imagine ser casada com alguém cujo pecado era tão absurdo que o próprio Deus de misericórdia disse “basta!” e o matou. Os sofrimentos dessa mulher devem ter sido incontáveis pelo período em que ficou casada com Er (a Bíblia não nos diz quanto tempo foi). 

Por causa de uma lei chamada “Lei do Levirato” (Deuteronômio 25:5-6), era esperado que quando um irmão falecesse seu irmão se casasse com sua viúva e levantasse a ele descendência. Nós vemos referência a essa lei em outras passagens bíblicas como na situação de Rute e Boaz (Rute 4) e na pergunta que os saduceus fizeram a Jesus em Lucas 20. A Bíblia não é clara, novamente, acerca da motivação de Onã em recusar participar disso (recusando-se a procriar com Tamar), mas é possível que foi a ganância que o impeliu a isso, uma vez que o primeiro filho dele com Tamar seria considerado, na verdade, filho de Er, o primogênito, e portanto herdeiro de Judá. Independente do motivo, a Bíblia diz que, “o que [Onã] fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou” (Gênesis 38:10). 

Imagine agora a situação em que Tamar se encontrava. Viúva por duas vezes, ainda que de maridos terríveis, ela precisaria se casar uma terceira vez com o filho caçula de Judá, Selá. 

E é aqui que vemos mais uma vez o coração corrompido de Judá: ao invés de assumir a responsabilidade da má criação de seus filhos que os levou a serem homens perversos, Judá acusa Tamar de ser o motivo da morte deles e, com medo que Selá talvez morra caso se case com ela, ele condena Tamar a uma vida sem esperança. 

“Então disse Judá a Tamar sua nora: Fica-te viúva na casa de teu pai, até que Selá, meu filho, seja grande. Porquanto disse: Para que porventura não morra também este, como seus irmãos. Assim se foi Tamar e ficou na casa de seu pai.” (Gênesis 38:11)

O plano de Tamar

Ao mandar que Tamar volte à casa de seu pai, sem intenções de recebê-la de volta em sua casa, Judá mata todas as possibilidades de futuro da moça. Ainda “prometida” à família de Judá ela não poderia casar-se novamente, e sem o casamento com Selá ela ficava impedida de seguir com sua vida. Conforme os anos passassem, Tamar não poderia mais gerar e assim ficaria fadada a uma vida sem assistência, uma vez que naquela cultura eram os filhos que garantiam uma velhice de cuidados. 

Percebem que Tamar sempre foi a vítima nessa história? Provavelmente maltratada por seu primeiro marido (se ele era perverso, porque trataria bem à sua esposa?); usada por seu segundo marido; e com seu futuro assassinado por seu sogro. Não é de se admirar então que Tamar recorra à sua última esperança. Sabendo que Judá não daria a ela Selá, ela decide pegar o que era seu por direito direto “da fonte”, do próprio sogro, e dele mesmo suscitar descendência a Judá.

Disfarçando-se de prostituta, Tamar seduz Judá e engravida dele. 

Como interpretar uma história tão difícil?

Precisamos ponderar algumas coisas acerca dessa história. Em primeiro lugar, como eu já disse, precisamos desmistificar a figura de Judá, deixando de acreditar que ele era perfeito e sem erros. Judá errou várias vezes e não foi até o “final” da história que ele reconheceu seu erro e concertou o que estava errado (Judá cria seus filhos gêmeos com Tamar, reconhece que ela foi mais justa que ele, e se recusa a deitar-se com ela novamente por saber que isso seria perverso). 

Precisamos parar que colocar toda a culpa nos ombros de Tamar. Eu não creio que o que ela fez foi correto, é importante ressaltar isso. Entretanto, o próprio Judá chega à conclusão de que ela foi mais justa do que ele (Gênesis 38:26), e Deus a escolheu para fazer parte da descendência do Messias. 

Todas as mulheres israelitas sabiam da promessa feita a Eva de que através da semente dela viria o redentor. Mas elas não sabiam quando essa promessa se cumpriria (tanto que Eva pensou que Caim fosse essa resposta, mas ele veio a se tornar o primeiro assassino). Por isso, cada mulher israelita estéril clama ao Senhor para que abra o seu ventre, justamente porque ela não queria parar a promessa ou impedi-la. Talvez Tamar soubesse disso e talvez também sentiu o peso da responsabilidade de conceber o possível Messias. Talvez não, não sabemos. Mas sabemos que foi através da sua atitude, ainda que errada, que o Messias de fato veio.

Tamar não é tão diferente de nós. Quantas vezes nos sentamos sob o Sol do meio-dia e contemplamos um futuro sem esperança, talvez tirado de nós pela maldade de outros? Quantas de nós foram abusadas, usadas ou desprezadas por seus maridos cruéis? Quantas deixadas à mercê da vida, sem auxílio ou compaixão? Tamar representa a realidade de muitas mulheres ainda hoje e é por isso que sua história precisa ser contada. 

Queridas, Deus é El Roi, Deus que vê. Ele viu Tamar. Ele vê você. Ele escolheu Tamar para ser um recipiente da sua redenção, e Ele faz o mesmo por você. Tamar está no relato de Mateus 1, na genealogia de Jesus Cristo, o Messias. E você, se já confiou nesse mesmo Messias, agora está na família de Deus. 

Glórias, glórias a Deus por sua tão grande misericórdia!