Nem Feminismo nem Feminilidade Açucarada — Deixe-me ser verdadeiramente mulher

Eu tive o privilégio de crescer indo à igreja, cercada por cristãos. Talvez por causa disso eu nunca tenha tido acesso ao movimento feminista de uma perspectiva de aprovação e aceitação, como muitas de minhas irmãs em Cristo que se converteram na juventude, mas sempre ouvi o lado negativo e os perigos das ideias desse movimento. Para mim Feminismo sempre foi errado, não havia dúvidas, e eu estava sempre pronta a argumentar contrariamente (ainda que, honestamente, eu nem o entendesse totalmente).

Por outro lado eu também cresci, como praticamente todas as outras mulheres da minha geração, cercada de filmes de princesas. Seja as características princesas Disney, seja as comédias românticas, a ideia de donzela indefesa sempre esteve ao meu redor — até mesmo dentro da igreja. Quando eu me tornei adolescente, comecei a receber uma ideia de feminilidade bíblica bastante próxima a esse ideal da princesa Disney: nós precisávamos ser femininas, recatadas, delicadas, prontas para sentarmo-nos em nossas altas torres, esperando o príncipe que nos resgataria. Quando ele viesse, nos levaria para sermos sua esposa e mãe de seus filhos. Abdicaríamos de qualquer ambição profissional em favor de estar em casa com nossos filhos, ainda que tivéssemos terminado a faculdade. Esse era o ideal de mulher cristã, o objetivo de nossas vidas, e eu me preparei durante toda a minha juventude para cumpri-lo.

Mas hoje, pela graça, eu vejo que nem o Feminismo nem o ideal da donzela indefesa expressam verdadeiramente o que eu fui chamada para ser como cristã.

Feminilidade bíblica?

Nesse artigo eu não vou me ater a explicar porque creio que o Feminismo, em seu formato atual, não está correto. Caso você queira saber o que pensamos nesse sentido, por favor assista a esse vídeo.

O que eu quero realmente falar nesse texto é acerca da outra voz errada em nossas cabeças — a voz que nos diz que devemos ser como a Branca de Neve ou a mocinha das centenas de comédias românticas que “ingerimos” durante a vida. Já conversamos inicialmente sobre contos-de-fadas e o quanto eles distorcem nossas visões de relacionamentos (nesse artigo). Mas hoje quero falar sobre como eles distorcem nossa visão de feminilidade.

Há tanto sendo falado sobre feminilidade bíblica hoje em dia, não é mesmo? Artigos, vídeos e postagens gerais aparecem diariamente em nossas redes sociais e as consumimos e compartilhamos, muitas vezes, sem um olhar crítico. Ingerimos a ideia de que a mulher bíblica é aquela cuja aparência física parece ter saído diretamente dos romances de Jane Austen e cuja vida é focada em seu marido e filhos, ou em ser solteira se preparando para a chegada dos tão sonhados marido e filhos. Nossas postagens, conversas da vida “real” e grupos de discipulado não vão para muito além desse centro gravitacional, se formos sinceras. Ainda que falemos de outro assunto, ele sempre volta, de uma forma ou outra, a esses temas, à essa bolha.

E qual o resultado? Centenas de mulheres cristãs que, na busca sincera por agradar a Deus, acabam se reduzindo a esse padrão e se sentindo frustradas ou culpadas caso não caibam nessa “caixa”. Mulheres que não conseguem enxergar para além desse óculos-cor-de-rosa da “feminilidade bíblica” e só leem sobre isso, só conversam sobre isso. Qualquer tipo de serviço, debate, conversa ou estudo para além dessas paredes não são sequer considerados. E isso, irmãs queridas, é triste.

E eu preciso dizer aqui que por muito, muito tempo eu também vivia assim, e consequentemente o Graça em Flor expressou isso. Mas essa questão é algo que, pela graça divina, nós queremos mudar.

Feminilidade bíblica

Se nós vamos falar de feminilidade bíblica, precisamos olhar mais para a própria Bíblia e menos para livros sobre a Bíblia. Não há nada de errado com esse tipo de literatura em si mesmo, mas quando ele se torna nossa fonte primária de conhecimento, muitos erros são acumulados sem que haja reconhecimento. A Bíblia, e nada mais, deve ser nosso norte em qualquer tema, sempre.

E o que a Bíblia tem a dizer sobre a feminilidade? Poderíamos escrever livros e livros sobre isso, claro, mas no recorte desse artigo e do que ele busca trazer, quero focar apenas em certos aspectos, olhando especificamente para mulheres cujas histórias a Bíblia narra. Por favor não compreenda isso como uma afirmativa minha de que isso seja tudo o que as Escrituras têm a dizer sobre o tema.

Olhemos primeiramente para algumas das mulheres do Antigo Testamento. A primeira mulher, Eva, foi criada de propósito e com propósito, para ser a “ezer” do homem, a auxiliadora, companheira, aliada na missão (Gn. 2). Abigail foi corajosa ao confrontar, ainda que humildemente, o rei Davi em seu erro e mostrá-lo o certo a fazer, livrando vidas (1. Sm. 25). Rute se submeteu à sabedoria de sua sogra ao mesmo tempo em que teve coragem e força de abandonar tudo o que conhecia para seguir ao Deus verdadeiro. Ester se submeteu, como Rute, à sabedoria de seu tio ao mesmo tempo em que teve tremenda coragem ao colocar o bem do seu povo acima de seu bem próprio, disposta a morrer pelo salvamento do povo de Deus.

Já no Novo Testamento nós vemos primeiramente Maria, mãe de Jesus, uma jovem corajosa, disposta a sofrer grande e profunda rejeição da sociedade para o bem de toda humanidade (Lc. 1). Maria e Marta, as irmãs que aprenderam aos pés de Jesus, e tiveram conversas teológicas profundas com o Mestre (Lc. 10; Jo.11). A mulher samaritana, escolhida apesar de todas as improbabilidades, para ser a primeira pessoa a quem Jesus abertamente declarou ser o Messias (Jo. 4). As mulheres que seguiam Jesus e permaneceram aos pés da cruz, encarando toda a brutalidade daquela tortura, e sendo quem relatou aos apóstolos os detalhes que depois compuseram os Evangelhos. Priscila que, juntamente a seu marido, avançou o Evangelho na igreja primitiva, sendo tão versada na Verdade que até mesmo corrigiu o proeminente pregador Apolo (Atos 18). Lídia que financiou com seu próprio dinheiro muito do ministério do apóstolo Paulo (At. 16). Febe, a quem o apóstolo Paulo confiou a carta aos Romanos (Rm. 16).

Eu poderia continuar, mas creio que a ideia geral pode ser dada por esses exemplos. Você consegue enxergar, então, como nem o Feminismo nem a Feminilidade Açucarada compreendem o que essas mulheres realmente foram?

Os exemplos de feminilidade honrados e louvados pela Bíblia não comportam as ideias feministas de abolição das diferenças entre os sexos. As mulheres da narrativa bíblica não se colocavam acima dos homens, nem tentavam ser exatamente como eles. Havia submissão aos maridos, naquelas que eram casadas, e havia humildade e docilidade de caráter em todas. As mulheres que Deus escolheu manter em seu relato eterno sabiam que eram diferentes. Elas compreendiam que foram criadas mulheres, e não homens, e que isso era bom.

Mas, em contrapartida, as mulheres dos relatos bíblicos também sabiam que eram mais do que donzelas em apuros. Elas não sentaram e esperaram um homem lutar suas batalhas ou vencer as dificuldades que o próprio Deus permitiu que elas sofressem. Elas “arregaçaram as mangas” e viveram corajosamente elas mesmas. Essas mulheres não foram mais fortes que os homens. Elas simplesmente foram mulheres fortes. Entende a diferença? Uma coisa não anula a outra. O exemplo máximo de feminilidade bíblica, a figura da mulher de Provérbios 31, é qualquer coisa menos uma Bela Adormecida indefesa. Ela trabalha, dentro e fora de casa, e mostra sua força e beleza em seu caráter. Por que, então, estamos pregando às nossas irmãs que feminilidade bíblica é sentar bonita, esperando um marido que as resgate?

A figura de Cristo e a Igreja

O argumento que os defensores da Feminilidade Açucarada usam é que essas figuras de donzelas em apuros nos remetem a Cristo resgatando Sua noiva. Eu tenho que ser sincera em dizer que todo o meu interior se contorce quando escuto essa defesa.

Amadas, o casamento é algo lindo e instituído por Deus para, sim, nos ensinar sobre Jesus e Sua Noiva. Mas isso não significa que um marido humano recebe direção para salvar sua esposa. Podemos apertar e esticar a Bíblia o quanto quisermos, esse conceito simplesmente não está lá. O homem cristão que adentra o casamento é chamado a amar sua esposa sacrificialmente, como Cristo amou a Igreja, e entregar sua vida por ela se preciso for. Mas o único, o único, salvador de almas humanas — sejam elas de corpos masculinos ou femininos — é Jesus Cristo, o Filho de Deus. Como eu disse anteriormente, em uma postagem do Instagram, o único homem que eu preciso para viver é Jesus. Já para romance, me dê um homem humano imperfeito com quem eu possa crescer.

Por mais que eu ame meu marido, o respeite e me submeta à autoridade instituída a ele por Deus dentro de nossa família, eu não preciso dele. Entende? Eu preciso de Jesus. Essa ideia é feminista? Ouso dizer que não. Essa ideia é central ao Evangelho da glória de Cristo (e não de homens).

Existe uma frase de Elisabeth Elliot que ficou muito famosa que diz, “O fato de eu ser mulher não me faz um tipo diferente de cristã, mas o fato de ser cristã me faz um tipo diferente de mulher”. Sempre que citamos essa frase, focamos na segunda parte. E de fato, por sermos cristãs nós nos tornamos mulheres diferentes — dispostas a serem corajosas, fortes e humildes, como nosso Mestre foi. Mas acho que está na hora de começarmos a focar também na primeira parte da frase.

Nós não somos mais ou menos cristãs, mais ou menos teólogas, mais ou menos necessitadas de Cristo por sermos mulheres. Jesus tratou seus discípulos homens e mulheres da mesma forma, dando a ambos valor, conversando com ambos sobre assuntos espirituais profundos, ensinando a ambos. A ordem bíblica da autoridade masculina na igreja e nos lares não dá aos homens autoridade geral sobre todas as mulheres em todas as áreas. Mas, infelizmente, por causa dessa ideia de Feminilidade Açucarada nós estamos pregando justamente isso.

É hora de pararmos de ensinar nossas irmãs em Cristo que elas, de alguma forma, são menos cristãs por serem mulheres.

É hora de pararmos de ensinar nossas irmãs em Cristo que elas, de alguma forma, são menos cristãs por serem mulheres. Click To Tweet

É hora de pararmos de dizer que ser mulher bíblica é ser dependente de homem. Céus, como isso é contrário ao Evangelho! Que ensinemos nossas irmãs a serem fortes e corajosas, a compartilharem o Evangelho, a servirem, a enfrentarem dificuldades e perseguições, a lutarem a guerra espiritual, a batalharem por Cristo e, ao final das contas, a estarem prontas para morrer por Ele. Porque se formos de volta à Bíblia nós veremos que nenhum desses mandamentos foi dado baseado em gênero.

Que Deus nos ajude.