Uma conversa sobre namoro a distância

Parando agora para escrever esse artigo eu me surpreendo que essa seja a primeira vez que eu fale sobre esse tema. Digo isso porque todos os meus relacionamentos foram a distância, sem nenhuma exceção. A mais curta distância foi de 66 km e a mais longa, 8765 km. A diferença é gritante, claro, mas a realidade era a mesma para todos os relacionamentos — eu não podia abraçar meu namorado quando bem quisesse, nem vê-lo só para tomar um sorvete juntos. E essa realidade, independente da distância que realmente se coloca entre os amantes, sempre dói.

Meu objetivo com esse artigo não será apontar prós e contras, creio que há muitos artigos assim por aí. Prós e contras existem em qualquer tipo de relacionamento, seja ele “presencial” ou não. Digo isso com a autoridade de quem teve três namoros a distância que terminaram sendo que em nenhum deles a distância foi o motivo, tampouco as dificuldades causadas por ela. Os motivos pelos quais esses três relacionamentos terminaram teriam sido reais mesmo se eu morasse na casa ao lado à desses rapazes.

Então, creio eu, a realidade é que a distância traz especificidades ao relacionamento sim, como veremos a seguir, mas no final das contas não é ela que termina relacionamentos. Somos nós.

Então desde já quero te trazer essa realidade: namoros sempre envolverão pecadores, uma vez que essa é a única espécie de candidatos disponível, e dessa maneira sempre exigirão muito trabalho e dedicação, independente do endereço dos envolvidos.

Namoros sempre envolverão pecadores, uma vez que essa é a única espécie de candidatos disponível, e sempre exigirão muito trabalho, independente do endereço dos envolvidos. Click To Tweet

Eu gostaria também de começar esse artigo já tirando da mesa um grande equívoco que esse tema tem, que é a mentira de que relacionamentos a distância não dão certo. Creio que eu seja uma prova viva de que dão, uma vez que meu namoro intercontinental não só sobreviveu por dois anos como também culminou em casamento. Então se você veio a esse texto buscando somente essa resposta te digo desde já que sim, pela graça e com a ajuda de Deus relacionamentos a distância funcionam.

O bom uso de tecnologias

Agora, por que temos tantos namoros a distância em meio à comunidade de crentes? Eu me perguntava isso quando era mais nova, uma vez que quase todos os meus amigos pareciam namorar a distância. Eu creio que a grande causa seja justamente as possibilidades novas que a tecnologia nos trouxe. Viajamos para conferências ou encontros em outras cidades, com irmãos de outras igrejas, e conhecemos pessoas novas. Isso sempre aconteceu. Mas com as novas tecnologias de comunicação, esse contato não precisa cessar (ou limitar-se a cartas recebidas a cada dois meses). O contato continua, e por vezes gera um interesse crescente que culmina no compromisso do namoro.

Algo que precisamos entender e considerar seriamente é que nós somos a primeira geração a ter que lidar com esse tipo de tecnologia. Nossos pais não tinham ICQ, MSN, Orkut, Skype, Facebook, WhatsApp ou sites e aplicativos de namoro. Nós é que “desbravamos” tudo isso, e por sermos a primeira geração, somos os responsáveis por entender essa nova realidade e moldá-la aos padrões do Criador, para o benefício das próximas gerações. Não há nada intrinsicamente errado nessas tecnologias. Mas usá-las sem ponderá-las à luz da Bíblia é tolice. E como não temos a sabedoria de pessoas mais velhas quanto a isso (não há livros sobre redes sociais escritos por teólogos antigos), precisamos de diligência extra para navegar essas águas sem nos afogarmos.

Por isso, caso você esteja em um relacionamento a distância, seja sábio quanto ao uso de tecnologias. Não apenas siga com a maré, mas seja intencional em ponderar, com oração e leitura da Palavra, quais as melhores possibilidades de uso. Algo que eu percebi enquanto vivia um amor a distância é a facilidade de viver em dois mundos, sem viver em nenhum. Enquanto eventos acontecem você deseja contar àquela pessoa todos os detalhes, o que te impede de viver completamente no momento. Encontrem, então, equilíbrio nas mensagens enviadas. Não se distancie das pessoas “reais” para se aproximar, de forma superficial, de alguém que não está contigo fisicamente. Talvez apenas uma ligação ao final do dia, onde tudo é compartilhado, seja mais sensato do que um constante enviar de mensagens te distraindo da sua realidade. Atente também para horários: seria sábio ponderarem até que horas as conversas devem ir. Não é saudável nem piedoso ir ao trabalho cansado e desatento por ter ficado conversando até altas horas da madrugada. Lembre-se de viver bem sua realidade, enquanto cuida também de seu relacionamento. Um não precisa atrapalhar o outro, se houverem limites bem estabelecidos.

Particularidades

Eu disse no começo do artigo que não há muita diferença entre namoros a distância e presenciais, porque ao final das contas o mesmo é necessário: obediência aos preceitos bíblicos e sabedoria para lidar com os pecados uns dos outros. Mas existem, sim, algumas particularidades do namoro a distância que podemos ponderar aqui. Já vimos a questão das tecnologias, mas há outros pontos a se considerar.

A questão da luxúria é o primeiro tópico que eu gostaria de tratar. Existe uma mentira de namoros a distância que é “eles nos ajudam a termos mais pureza, uma vez que não estamos juntos fisicamente”. Eu acho importantíssimo quebrarmos essa armadilha, para que não nos coloquemos como cegos em meio à uma zona de guerra. A luxúria é um problema do coração e, como tal, só pode ser evitada se tratada desde a raiz. Um coração não tratado vai encontrar maneiras de satisfazer seus desejos pecaminosos, independente da situação. O envio de fotos insinuantes ou até mesmo conversas de vídeo impróprias são possibilidades muito reais no namoro a distância. Além disso, geralmente é ainda mais tentador pecar sexualmente depois de tanto tempo separados fisicamente. Portanto, não caia nessa mentira. Luxúria precisa ser tratada com oração, intimidade com Deus na Palavra, confissão e relacionamentos intencionais com pessoas da sua comunidade local. E isso independe da “modalidade” do namoro.

Outra questão é a possibilidade de se criar um “personagem” falso, que não representa quem você é de verdade. Eu sei como é fácil fingir santidade e beleza via Skype. Afinal de contas aquela pessoa só vê os pedaços de você que você mesmo quer mostrar. Assim como nas redes sociais nós recortamos somente as boas partes e são elas que postamos. Mas seres humanos são uma mistura linda e caótica de virtudes dadas pela graça e pecados advindos da nossa natureza caída. Seja sincero e vulnerável com aquele que você ama e com quem escolheu criar um compromisso romântico. Se ele não te amar por quem você realmente é, então você não deveria querer estar nesse namoro. Tim Keller sabiamente disse,

Ser amado mas não conhecido é reconfortante mas superficial. Ser conhecido e não amado é nosso maior medo. Mas ser completamente conhecido e verdadeiramente amado é, bem, muito como ser amado por Deus. É o que queremos mais do que qualquer outra coisa. Isso nos liberta de qualquer pretensão, nos humilha e elimina nossa justiça própria, e fortifica-nos para qualquer dificuldade que a vida nos trouxer.*

Por fim, e de certa forma esse ponto se conecta ao anterior, a melhor maneira de conhecer alguém realmente é vendo-o interagir com outras pessoas. C. S. Lewis disse que somos como prismas, e só nos conheceremos completamente se ouvirmos de outras pessoas o que elas veem em nós, porque cada amigo e familiar vê ângulos diferentes e únicos de nós. Você só conhecerá seu amado completamente se ouvir de outras pessoas o que elas veem dele, e vendo-o interagir com elas. Por isso, busque conhecer bem a comunidade local de seu amado sempre que visitar. Eu sei (sei mesmo!) que a vontade nessas visitas tão raras é passar o tempo todo juntos e sozinhos. Mas, não negligencie a necessidade vital de conhecer a comunidade um do outro. Afinal de contas, a comunidade dos santos é usada por Deus para bons conselhos, não fuja disso.

Enfim, amigos, essa conversa é inicial e não abrange tudo que pode ser discutido sobre namoro a distância. Mas espero que o pouco aqui apresentado possa ajudar quem esteja vivendo esse tão belo e ao mesmo tempo dilacerante tipo de relacionamento. Como uma irmã em Cristo que “sobreviveu”, deixe-me te dizer que vale a pena. No casamento você se pega pensando, às vezes, “como foi possível que a gente tenha sobrevivido a todas aquelas noites solitárias e momentos vazios?”. Mas você sobrevive, porque Deus é bom e gracioso. Então não desista de alguém que você ama porque existe chão entre vocês. Crie pontes, construa estradas e persista com intencionalidade. O amor é raro e vale a pena, sempre. Que Deus os ajude.

 


*Do livro “O Significado do Casamento”, de Timothy Keller (todavia, a tradução da frase nesse artigo é de minha autoria).