Abusadamente salva

**ALERTA DE GATILHO: esse texto contém descrições de abuso sexual.**

Lá está ela, cinco ou seis anos. Linda, saudável e cabelos longos e pretos.

Um pouco gordinha e coxas grossas herdadas da família de seu pai.

É domingo à noite e toda sua família estava na igreja. Ela amava ir à igreja. A igreja onde seus pais se casaram.

Depois do momento de louvor, o pastor sobe ao púlpito para pregar a palavra de Deus.

Até aí, parece uma história normal. Mas o horror dela começa agora.

Tudo o que a menina lembra é que ela é levada até a cozinha no fundo da igreja, colocada em cima de uma mesa e ali suas partes íntimas são tocadas.

Isso era só o que a menina lembrava.

Anos mais tarde a menina começa a entender seu corpo. Começa a receber orientações que não lhe foram dadas antes. Aulas na escola, revistas para adolescentes, programas de TV a fazem compreender tudo o que tinha lhe acontecido no passado.

O abuso fica claro. Ela entendeu o que lhe aconteceu.

Contar para alguém está fora de cogitação. Ninguém acreditaria. Nem ela mesma acreditava ser real.

Ela prefere guardar todo o sofrimento dentro de si. Em um lugar que ninguém encontraria. Afinal, teria sido mesmo verdade? Ela lembra somente daquela vez.

A convivência forçada com o abusador faz com que tudo se torne cada vez mais estranho. Seria aquela lembrança realmente verdade?

A certeza de que não era uma invenção de sua mente vem em outra tentativa frustrada.

Mais velha do que da outra vez, a menina percebe e se esquiva.

Aquela certeza não podia vir em um pior momento. Início de adolescência, os hormônios começam a aparecer e aí a sensação de sujeira e imundície surgem.

É exatamente assim que a menina abusada se sente: suja e imunda.

Ninguém nunca mais poderá tocar ali.

Seu mais precioso tesouro, que lhe fora ensinado que seria encontrado somente pelo seu homem amado, já havia sido violentamente descoberto.

Havia somente uma coisa a fazer: guardar o segredo.

Essa solução parecia a mais correta a se fazer. Não tinham sido encontradas outras formas de esconder a sujeira na qual ela achava se encontrar.

Sua personalidade retraída e dependente não a permitia contar aos seus pais ou a mais ninguém. Existia ainda o medo da repreensão que ela poderia receber.

Era a palavra de uma menina tímida, quietona, que nem amigas tinha direito, contra a de um adulto, pai de família.

Ela cresce um pouco mais e cada lembrança daquele momento a faz chorar.

Chega o tempo da sua vida onde o Senhor tira a venda dos seus olhos e ela O vê como seu Salvador.

Com essa certeza chega também uma  dúvida: onde estava Deus naquela hora?

Por que aquilo aconteceu? Que mal havia ela feito para que Deus a punisse daquele jeito?

Sem nenhum conhecimento da graça imerecida de Deus e de sua soberana vontade, ela somente enxerga seus erros e falhas perante o Senhor, encontrando uma falsa explicação para tudo aquilo: Deus estava irado com ela e tudo aquilo aconteceu porque Ele sabia que a vida em pecado era mais atraente do que a verdade do Evangelho.

Com essa enganosa conclusão, ela estava pronta para realmente seguir sua vida e nunca mais tentar resolver de outra forma aquela tristeza.

Assim como uma grave ferida, a lembrança sangrou, fez uma casca e agora restava somente a cicatriz.

Quase despercebida. Era como se a cicatriz já fizesse parte do seu corpo, sempre esteve ali. Já até não doía mais.

Até que ela viu tudo acontecer novamente. Apesar de ter somente sido informada sobre o fato, ela se sente ferida. Não com a mesma intensidade, apesar de doer igualmente (talvez mais), como doeu na sua vez.

O sentimento agora, porém era diferente. Não existia mais o sentimento de culpa, mas sim, o de indignação unido ao de raiva e uma forte vontade de vingança.

Então Deus, em Sua perfeita ciência, sabia que aquela era a hora de agir.

Ele consegue transformar a vida daquela menina e lhe abre os olhos para sua graça.

Tudo faz sentido agora! A menina, através da salvífica graça de Deus, agora consegue se enxergar como a miserável pecadora que era.

Ela entende que se não fosse através do ousado amor de Deus e da maravilhosa e perfeita substituição que Seu filho Jesus Cristo cumpriu pelos Seus, ela nunca poderia ter sido justificada e agora todos os seus pecados estavam perdoados.

Ela percebeu que a cruz de Cristo a limpou de toda aquela imundície que a atormentava desde sempre. Ela pôde enxergar o sangue do Perfeito Cordeiro cobrindo a sua cicatriz.

Mas, ela ainda é uma pecadora e sua carne a fazia vez ou outra se perguntar: por que eu? Por que daquele jeito? Por que naquele lugar? Por que comigo? Onde estava Deus naquela hora?

E foi nesse momento que ela ouviu uma voz forte e firme lhe contar: naquela hora Deus estava no mesmo lugar que esteve quando Seu próprio Filho Amado foi humilhado, machucado por cravos e espinhos, surrado sem piedade até não lhe sobrar mais forças, cuspido e crucificado.

Deus estava lá.

Não há onde Deus não esteja.

E Ele permanece lá.

Soberano, reinando sobre todas as coisas que Ele mesmo criou para sua própria glória.

Ele está lá. Onde merece ser honrado e digno de todo o louvor.

Ele sempre esteve lá. Ele nunca se ausentou, nem por um segundo, do Seu infinito e soberano lugar.

Querida irmã, se você está lendo essas palavras e se perguntou alguma vez onde Deus estava em um momento de horror da sua vida entenda que você é uma criatura imperfeita e jamais poderá sequer ousar entender quais são os planos e a vontade do Perfeito Deus, o Criador de todas as coisas.

Entenda que de nada adiantou para aquela menina ficar anos tentando entender o porquê daquele momento indizível de sua vida. Ela é apenas a criatura, a obra imperfeita e caída feita pelas perfeitas mãos do Deus Perfeito.

Jamais o imperfeito entenderá a soberana vontade do Perfeito.

Mas o alívio e a paz que você procura só virá através do amor do Filho.

Foi através do amor de Filho que aquela menina começou a enxergar sua cicatriz como obra perfeita do Pai em sua vida. Ela compreendeu que o próprio Jesus tem cicatrizes para que as dela não sejam em vão. Somente pelo amor de Cristo ela agora entende como é imerecidamente amada e que foi abusadamente salva e perdoada.