A Noite Escura da Alma: Nas Sombras do Luto

O último inimigo a ser destruído é a morte. (Cf. 1 Coríntios 15:26)

Tragará a morte para sempre, e, assim, o Senhor Deus enxugará as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda a terra o vexame do seu povo, porque o Senhor falou. (Cf Isaías 25:8)

Já escrevemos dois artigos* aqui no Graça em Flor sobre a morte, mas creio que ainda há algum espaço para falarmos sobre essa dor latente que fere a beleza da criação de Deus.

A morte não é um assunto confortável, e por isso eu peço uma chance a você de seguirmos juntas por mais alguns minutos por esse vale escuro, onde a luz parece distante e cada passo se torna pesado.

É difícil recordarmos algumas verdades fundamentais quando estamos em sofrimento, mas quero te lembrar que a Bíblia não ignora esse caminho de sombras em que o luto nos coloca. Pelo contrário, a Palavra do Eterno oferece consolo e esperança, pois “perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido” (cf Salmo 34:18). Ele está conosco nas sombras, no processo de cura e nos relacionamentos que nutrimos.

Cristo nas nossas sombras

Hagar havia acabado de ser expulsa do lugar que havia sido seu lar por tantos anos. Escrava de uma família privilegiada, mãe de um filho fora do relacionamento conjugal e, agora, destituída de um lar, no meio do deserto. É ali, debaixo de um sol escaldante, mas na sombra de um luto humilhante que ela é encontrada pelo Senhor. Pense comigo sobre estes dois versículos de Gênesis 16:

“Quando o Anjo do Senhor a encontrou junto a uma fonte de água no deserto, junto à fonte no caminho de Sur, perguntou-lhe: ‘Hagar, serva de Sarai, de onde você vem e para onde vai?’ Ela respondeu: ‘Fujo da presença de Sarai, minha senhora.’” v.7


“Então Hagar deu ao Senhor, que havia falado com ela, o nome de ‘Tu és o Deus que vê’. Porque ela dizia: ‘Neste lugar eu olhei para Aquele que me vê!’” v.3

À semelhança do encontro de Cristo com a mulher samaritana (cf João 4:1-42), essa cena se dá à beira de uma fonte de água, coincidindo sugestivamente com o encontro de duas almas sedentas pela fonte de vida. Para ambas, o Senhor faz perguntas diretas sobre suas histórias. Não porque ele não as conhecia, mas creio que Ele tinha o objetivo de proporcionar a elas um momento de confissão, de se ouvirem em voz alta, como se estivessem encarando uma imagem no espelho. A partir desse momento, Cristo adentra em suas sombras, faz jorrar palavras de vida e ilumina a alma de ambas. Sabemos disso pela reação que elas têm: uma sai correndo para dizer a todos que encontrou o Cristo, e a outra declara que foi vista pelo Eterno.

Querida, nosso Cristo não tem medo do escuro. Sejam dores na alma ou pecados ocultos, não importa o tipo de sombra em que você se encontra, Ele te vê, Ele te ama e Ele te resgata. Sua missão foi justamente adentrar no reino das trevas para pagar a sentença e nos capacitar para participar da herança dos santos na luz. “Ele nos libertou do poder das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (cf Colossenses 1:11-13).

Cristo no processo de cura

Os estudiosos do comportamento humano identificaram cinco estágios no processo do luto: negação, raiva, negociação, depressão e, por fim, a aceitação. Fazendo um paralelo com a Bíblia (ainda que não haja essa descrição clínica), identificamos sinais desses estágios nas seguintes passagens:

  • Negação – “Então Jacó rasgou as suas roupas, vestiu-se de pano de saco e lamentou o filho durante muitos dias. Todos os seus filhos e todas as suas filhas vieram, para o consolar; ele, porém, recusou ser consolado e disse: ‘Chorando, descerei à sepultura para junto do meu filho.’E continuou a chorar pelo filho.” (Cf Gênesis 37: 34 e 35)
  • Raiva – “Depois disso, Jó passou a falar e amaldiçoou o dia do seu nascimento” (cf Jó 3:1)
  • Negociação – “Então Marta disse a Jesus: ‘Se o Senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido’” (cf João 11:21)
  • Depressão – “Ele mesmo, porém, foi para o deserto, caminhando um dia inteiro. Por fim, sentou-se debaixo de um zimbro. Sentiu vontade de morrer e orou: ‘Basta, Senhor! Tira a minha vida, porque eu não sou melhor do que os meus pais’” (1 Reis 19:4)
  • Aceitação – “Davi respondeu: ‘Enquanto a criança ainda estava viva, jejuei e chorei, porque dizia: ‘Talvez o Senhor se compadeça de mim, e a criança continuará viva. Mas agora que ela morreu, por que jejuar? Poderei eu trazê-la de volta? Eu irei até ela, mas ela não voltará para mim.’” (cf 2 Samuel 12: 22 e 23)

Além destas passagens, há outros exemplos que a Bíblia nos dá para afirmar que Deus não condena nossas emoções em momentos difíceis, como em Eclesiastes 3:1 e 4, que diz “Tudo tem o seu tempo determinado (…) há tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria”. Em cada etapa Ele nos conduz com paciência e amor, pois está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito contrito (cf. Salmo 34:18). 

Além da esperança da vida eterna com Cristo, nós temos a esperança de um sumo sacerdote que se compadece de nossas fraquezas ainda deste lado da eternidade. Ele chorou com seus amigos que sofriam e certamente está disponível para nos acompanhar nos processos de cura que vivemos.

Cristo nos relacionamentos

Ninguém deve enfrentar o luto sozinho, especialmente no corpo de Cristo. Em seu profundo livro “Aflição”, a autora Edith Schaeffer traz uma aplicação interessante do texto de Romanos 12:25: “Chorar não é algo que os cristãos devem evitar fazer ou sentir. Não é errado sentir lágrimas quentes escorregando pelo rosto, salgadas nos cantos dos lábios, como parte de nossa experiência de vida. Somente quando o inimigo final for destruído e a última vitória for alcançada, é que todas as lágrimas serão enxugadas. Até lá, somos feitos para chorarmos com os que choram e nos alegrarmos com os que se alegram.”

A igreja é chamada a ser presença de consolo, abraço que transmite o amor de Deus, boca que proclama a esperança e a fé. Muitas vezes, sem dizer palavras, apenas estando presente. Outras vezes, amando com atos de serviço. O corpo de Cristo é chamado a proclamar a esperança ao mundo, mas também aos corações uns dos outros em momentos de dor e lamento. Essa verdade deve despertar a igreja em direção aos que sofrem, e vice versa.

Esteja você caminhando nas sombras do luto ou lidando com alguém que está nessa jornada, tenha certeza de que o Senhor continua sendo um bom pastor que caminha lado a lado de suas ovelhas no vale da sombra da morte. Olhe para o pastor, aponte o pastor para quem sofre e tenha plena certeza de que, na noite mais escura, a promessa da manhã gloriosa permanece: Cristo triunfa sobre a morte.


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