A Igreja dos Pecadores Bem-Vindos (Sobre Como Acolher Pessoas com Desejos Homossexuais)

Antes de começarmos a conversar sobre homossexualidade e a igreja de Cristo, creio ser importante frisar que nosso ponto de partida foi dado no artigo anterior, quando expusemos nosso posicionamento a respeito deste assunto. O convite à reflexão de nosso papel enquanto “pequenos Cristos” na vida de pessoas que praticam a homossexualidade não é negação deste pecado, tampouco achar uma justificativa para aceitação dele em nosso meio. Qualquer tipo de pecado é inimizade contra Deus e qualquer pecador é amado por Ele. Estes dois pilares darão sustentação ao que falarei aqui, com muito amor e desejo de que haja um despertar na igreja de Cristo.

Entendo que há um chamado especial que o próprio Mestre deixou com Seu exemplo: a igreja precisa estar de portas abertas. Quando Ele esteve entre nós, não foi em templos fechados para um público seleto e religioso que proferiu Seus maiores ensinos a respeito do amor do Pai. Foi em meio à multidão faminta, a doentes intocáveis, a pais e mães desesperados pela condição de seus filhos, a endemoniados, a pobres e rejeitados pela sociedade, que Jesus deixou fluir cura, tratamento de pecados e consolo. 

Foi com a parábola do bom samaritano (Lucas 10:25 a 37) que Jesus ensinou sobre amor ao próximo. Sim, numa história que une uma crítica aos líderes religiosos “incontestáveis” e aos grandes estudiosos da Lei há uma menção honrosa ao samaritano “inimigo” e pecador, que foi o único que demonstrou misericórdia ao homem ferido. O Deus de amor, mas também de justiça. Deus que perdoa, e que também santifica. O que falta para nossas igrejas viverem dessa forma?

Um hospital com ambiente hostil

Quando penso na igreja vivendo de portas abertas, penso em um hospital. Há uma ala de recepção, uma de consultas de rotina e uma destinada à Unidade de Tratamento Intensivo. Pensando dessa forma, faço um paralelo com os cultos e reuniões, salas de estudos bíblicos, discipulados e treinamentos, e com o aconselhamento. Agora, imagine comigo como seria chegar em um hospital com dor, necessitado de atendimento urgente, e receber um tratamento hostil, ser deixado de lado pelos enfermeiros, ouvir uma recusa no atendimento ou receber tratamento para ferimentos com um remédio que causa ardência e sem a empatia de aplicar uma anestesia ou um bálsamo de alívio. É assim que muitos estão se sentindo em relação à igreja. Chegam com esperança de serem amados, receber ajuda e a cura para uma difícil luta interior, mas são deixados de lado como intocáveis, ou medidos dos pés à cabeça em uma recepção hostil, cheia de preconceitos e recomendações do que pode e não pode fazer.

Na verdade, muitos nem chegam à porta de nossas igrejas porque já imaginam que não haverá espaço para eles, ou que o espaço será de julgamento e condenação. Há outros que tentam entrar, mas não são abraçados pelo corpo de Cristo. Ficam como que às margens da igreja, sofrendo sozinhos com suas feridas intocáveis e uma luta interna cada vez maior. Não são vistos por quem são, mas sim pelos pecados que cometem. Mesmo quando há provas vivas de que o coração foi transformado, há sempre uma sombra do passado a persegui-los. Querem e precisam ser amados, precisam receber os cuidados necessários do santo “hospital”, mas não é o que tem ocorrido em muitos  casos.

É sempre uma grande alegria ouvir um cristão dizendo que sua igreja não se encaixa nesses padrões. Que há portas abertas, há acolhimento, há aconselhamento bíblico amoroso, há um caminhar junto, há espaço para ser vulnerável e encontrar misericórdia. Sim, é para isso que fomos chamados e é assim que propagamos o bom perfume de Cristo neste mundo caído e doente. A igreja precisa estar cheia de “corações samaritanos” para acolher quem o pecado atingiu com golpes fortes e fatais. Quando agimos como um hospital, o Médico dos Médicos faz grandes coisas por meio de nós.

O que estou tentando dizer é que não fazemos vista grossa ao pecado, mas que nossos olhos precisam estar atentos às pessoas, ao invés de seus pecados. Foi assim que uma igreja impactou a vida de Jackie Hill Perry, autora do livro “Garota Gay, Bom Deus – A história de quem eu era e de quem Deus sempre foi”. Ela conta da importância que uma mulher da igreja teve em sua conversão ao simplesmente perguntar seu nome, com real interesse e intencionalidade.

“Nunca antes eu conhecera uma estranha que quisesse saber meu nome como se isso tivesse importância. Minha sexualidade havia sido minha identidade por tanto tempo que ter alguém que não me tratasse de acordo com meus pecados assumidos, mas de acordo com a identidade que minha mãe me deu, parecia algo muito bom.”

Não sei você, mas eu sinto vergonha em pensar na quantidade de homossexuais que passaram por minha vida sem que eu lhes perguntasse o nome e qual era sua história de vida. Passaram por mim, uma pessoa transformada pelo amor de Cristo, e não levaram nada do que o Mestre me ensinou. Parece-me que o pecado do outro nos deixa em posição elevada, a ponto de achar que a única ajuda que podemos dar é apresentar-lhe um espelho para que contemple o terrível abismo em que se encontra. Como temos acolhido essas almas desesperançosas? Sabemos pelo menos quem elas são, de onde vêm e para onde pretendem ir? Que tipos de marcas estamos deixando em suas vidas? Que tipo de Cristo estamos apresentando ao mundo?

O convite dEle sempre foi aberto a todos: “Vinde a mim”. Não era restrito a crentes mais maduros na fé, aos estudiosos de teologia e doutrinas ou às mulheres e homens de viver exemplar. “Todos os que estão cansados e sobrecarregados”. Todos são todos. Homossexuais e heterossexuais. Os que cresceram dentro da igreja e os que a evitaram por anos. Os que amam a Cristo e os amantes de si mesmo. Todos são bem-vindos à mesa de Cristo. Todos. E ai de quem coloca empecilhos!

“E ele lhe disse: Ai de vós também, doutores da lei, que carregais os homens com cargas difíceis de transportar, e vós mesmos nem ainda com um dos vossos dedos tocais essas cargas.” (Lucas 11:46)

O problema da trave

Aos 17 anos, descobri que um de meus melhores amigos era gay. Chorei de raiva e não contive minhas palavras. “Você sabe que isso é errado, né? Sabe que é pecado e Deus odeia o pecado? Sabe que esse tipo de vida não vai te levar a lugar nenhum? Você não tem a minha aprovação”. Chego a sentir calafrios ao lembrar de como fui cruel com ele. “É isso que você aprende em sua igreja? A julgar as pessoas que discordam de você?” A réplica veio com o peso de um soterramento. Não, eu não aprendia isso na igreja. Não era esse Deus que eu cultuava e de quem recebi perdão. Não era a Cristo que eu desejava agradar com aquelas palavras. 

Ocorre que a trave em meu olho estava disfarçada de espiritualidade. Hipócrita era a definição perfeita para minha fala. O próprio Jesus repreendeu esse tipo de atitude:

“Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.” (Mateus 7:3-5)

Meu erro não foi identificar a homossexualidade de meu amigo como pecado (como já falamos, isso é indiscutível). Foi mostrar a ele o quanto eu era (supostamente) superior e que minha vida era digna de ser imitada. Meu erro foi classificar o pecado dele como maior do que o meu. Foi perder a oportunidade de demonstrar graça e misericórdia, para agir como juíza. Pela bondade e misericórdia de Deus, tive a oportunidade de me retratar, pedir perdão e restaurar a amizade, dizendo a verdade em amor e apresentando Cristo a ele. Conto essa história para dizer que, desde então, meu coração começou a arder por um despertar da igreja de Cristo. Ao invés de cumprirmos o “chamados para fora”, estamos fechando as portas e criando barreiras. 

Ao nos depararmos com nossa condição de total perdição, vemos nossos pecados nivelados a todos os outros. Não há um que possa ser perdoado e outro que seja inacessível para a Graça. Se assim fosse, o sangue de Cristo deixaria de ser suficiente e nossa fé seria em vão. Fujamos disso, irmãs! “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus.” (Romanos 3:23,24)

Por vezes, somos tentados a sucumbir à raiva e revolta ao nos depararmos com a militância que entra em desacordo com a Palavra de Deus e classifica-nos como retrógrados é preconceituoso. Não é fácil, mas precisamos lembrar que “nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.” (Efésios‬ ‭6:12‬) Não devemos lutar com pessoas, mas contra a mentalidade anticristo que está por trás de nossa sociedade. 

Enquanto estivermos errando o alvo de nossa ira e indignação, continuaremos agindo como um tribunal, ao invés de um hospital.

Rosaria Butterfield é autora do livro “Pensamentos secretos de uma convertida improvável”, que apresenta de forma bastante aberta o seu processo de conversão. Neste livro, ela conta que passou por uma quebra de paradigmas a respeito da igreja, e que se recusava a colocar os pés num lugar que estava fora de seus padrões. Mas Deus, com Seus meios criativos de alcançar os perdidos que tanto ama, usou um casal de cristãos amorosos e extremamente pacientes para auxiliar Rosaria nessa caminhada.

“Se Ken e Floyd tivessem me convidado para a igreja na primeira refeição, teria resvalado como um skate em um penhasco e nunca teria voltado. […] Assim, Ken estava disposto a levar a igreja até mim. Isso me deu o espaço e a segurança necessários para corresponder à vulnerabilidade e transparência de Ken e Floy.”

Vejo tanta beleza em ocasiões em que a igreja de Cristo chega a lares problemáticos, vidas confusas, despedaçadas e sem perspectivas boas sobre o futuro. Seria maravilhoso poder encontrar nossos vizinhos e amigos de portas abertas para o Evangelho. Mas, isso só acontecerá se agirmos por amor, com respeito e na direção e dependência do Espírito. Só será possível se estivermos dispostos a dar um passo para além dos portões da igreja e a abrir também as nossas portas para receber aqueles a quem Jesus ama e nos chama a amar também.

Se eu tivesse que listar 4 formas de conduta que os cristãos devem ter em relação aos homossexuais, seriam estas:

  1. aos que rejeitam a Cristo, evitam cristãos e criticam a igreja: respeito, oração e amor
  2. aos que se achegam com receios e medos: receptividade, paciência, cuidado, oração e amor
  3. aos que se arrependem e desejam mudança de vida: acolhimento, discipulado, oração e amor
  4. aos que continuam lutando contra o pecado: vulnerabilidade, paciência, perdão, discipulado, oração e amor

Oração e amor são os itens básicos, pois manterão o nosso coração focado no alvo correto. Com isso em mente, creio que o Espírito nos direcionará da forma correta em cada situação. Não esperemos o momento em que estaremos prontos para isso. Com a Palavra no coração, confiança no agir do Espírito e coragem para amar, sigamos. Enquanto estamos indo, Ele está trabalhando em nós também.

Algo em comum

Como já vimos, não há distinção entre o pecado da homossexualidade e aqueles outros que cometemos todos os dias. Deus os odeia por igual, seja uma mentira, uma fofoca, a idolatria, a fornicação no namoro, um relacionamento extraconjugal, uma noite em claro vendo pornografia, ou o assassinato de alguém. As consequências são diferentes, mas a raiz é a mesma e a consequência também – a morte.

É evidente que há algo em comum em todos nós. O pecados nos iguala em condição. Não há um justo, nenhum sequer. Se essa verdade não nos faz correr para a cruz, nenhum livro de teologia, nenhuma pregação, nenhuma palavra dos mais altos líderes religiosos terá esse poder. Para isso, Cristo veio. Ele é a única chave que abre as portas à presença de Deus. Por meio de Seu sangue, e tão somente por causa de Seu sacrifício perfeito, somos salvos, redimidos, perdoados e aceitos pelo Pai. Somos todos pecadores bem-vindos.

Se entendemos esses princípios e dermos lugar ao Espírito Santo, derrubaremos nossos preconceitos com nossos irmãos em Cristo que também pecam (contra nós, contra outros e contra Deus), e também com aqueles que ainda permanecem como inimigos de Deus, sejam eles homossexuais, mentirosos, corruptos, ladrões, abusadores, assassinos e toda sorte de malignidade presente no ser humano. Odiaremos o pecado com todas as nossas forças, mas amaremos o pecador. Teremos nojo do mal que percorre a sociedade, a mentalidade humana e até mesmo nossas conversas, mas olharemos para as pessoas como Cristo as olhou. Ele não via as multidões, mas os indivíduos. Não via a aparência, mas o coração. Não impunha barreiras, Ele as destruía. 

Por causa dEle, somos pecadores bem-vindos à sua mesa, à presença do Pai. Por causa dEle e do que Ele opera em nós, podemos também dar as boas vindas a outros pecadores em nossas igrejas imperfeitas, que pertencem ao Deus perfeito e capaz de transformar-nos. Que tenhamos a ousadia de amá-los como somos amados por Cristo!


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Abril com o tema “Sexualidade”. Para ler todos os posts clique AQUI.