Você é um cristão cliente ou cristão servo? (Sobre arrogância espiritual)

Eu não sei você, minha irmã, mas este é um assunto que eu procuro evitar. Sim, estou derramando perante você a minha vulnerabilidade, por crer que é por este caminho que alcançamos libertação de comportamentos e vícios.

Sabemos que o cristão piedoso deve servir aos outros, temos consciência de que este é um parâmetro importante que classifica o povo de Deus, mas, mesmo assim, temos o terrível hábito de julgar palavras, atitudes, livros, eventos e cultos com a simples e destrutiva expressão: “eu não gostei”.

Há que se deixar claro que sim, devemos estabelecer um filtro para o que é desenvolvido, criado ou apresentado no meio cristão. A Palavra não nos dá permissão para aceitar heresias, falsos líderes, egocentrismo, falta de comprometimento ou piadinhas maldosas (Gálatas 1:8,9 e 6:7; 2 João 1:9 e 10 e 2 Pedro 2:1). Quando estamos diante de Deus, representando Sua igreja ou falando a ela, todo o cuidado é necessário.

Na verdade, o que eu gostaria de compartilhar é um dos ensinamentos duros que tenho recebido da Palavra a respeito de uma grave falha em meu comportamento: preciso constantemente pedir ao Senhor que sonde meu coração e examine minhas intenções, pois não posso continuar nesta posição de “cristã cliente”. Não combina falar sobre o viver com Cristo, enquanto critico meus irmãos e julgo suas intenções. Se a sua luta é parecida com a minha, lhe convido a desbravar as Escrituras, a fim de chegarmos juntas à casa do Oleiro.

Diagnosticando nosso pecado

É sempre difícil confessar nossos pecados, pois nossa carne é teimosa e orgulhosa. Não queremos admitir que somos como os fariseus. Por isso, criei algumas perguntas que me ajudam a enxergar com mais clareza aquilo que o Senhor não aprova em minha vida, dentro deste tema:

  • Ao participar de um culto, quantas vezes analiso os números especiais e, silenciosamente, critico os irmãos que se apresentaram, os instrumentistas ou a letra dos hinos? Ao fazer isso, costumo perder a concentração do restante do culto?
  • Ao sair de um culto, meu primeiro pensamento é de gratidão a Deus, ou de análise sobre a qualidade do que foi apresentado?
  • Ao participar de uma roda de conversa, espero que os outros abram o coração, confessando pecados, para que eu decida se posso me abrir ou me proteger de julgamentos?
  • Quando um irmão me magoa ou ofende, meu primeiro pensamento é de vingança?
  • Quando um irmão recebe a resposta de oração pela qual tem orado há muito tempo, consigo me alegrar, ou penso que o Senhor ignorou meus pedidos novamente?
  • Ao ir à igreja, preciso me esforçar para lembrar que irei prestar um culto, ao invés de assisti-lo?

Se você se identificou, provavelmente já caiu no pecado do orgulho. Sim, minha irmã, este é o nome do nosso pecado. É por sermos orgulhosas que temos dificuldades em enxergar a trave no nosso olho, enquanto visualizamos claramente e de forma detalhista o cisco no olho de nossos irmãos. É o nosso orgulho que maximiza a falha dos outros e minimiza as nossas, como se estivéssemos em um nível superior e privilegiado no corpo de Cristo. É também o orgulho que não nos deixa conhecer o outro lado da história, ou que nos proporciona sentimentos de horrenda ofensa quando recebemos críticas, sejam elas destrutivas ou com o objetivo de disciplina.

Este pecado devastador é o que nos faz chegar no templo já com sentimento crítico e atitude condenatória, que promove desmoralização de irmãos, ou tratamento desprezível em relação aos sentimentos e ações dos outros.

Olhando por essa perspectiva, consigo sentir o peso do meu pecado. E você, minha irmã?

A síndrome de Saul

Enquanto estudava sobre este assunto, reli o livro “O imensurável amor de Deus”, de Floyd McClung Jr., que trata, entre outras coisas, do problema do orgulho, usando a história do Rei Saul. Homem alto, de porte extraordinário, imponente e estratégico. Ele tinha a capacidade de guiar pessoas em torno de uma causa. A grandeza era seu manto. Era um líder de líderes, alguém que hoje, facilmente, teria milhões de seguidores nas redes sociais, diversos livros inspiradores e inúmeros convites para Talk-shows.

Todavia, a barba bem aparada, o cabelo bem penteado, o porte físico e a habilidade com as palavras escondiam um coração repleto de inseguranças. Uma verdadeira bomba que não levou muito tempo para explodir. Prova disso foi sua reação totalmente infantil e precipitada perante Davi, o pequeno homem que ameaçava seu poderio e lhe causava inveja (1 Samuel 18). Tamanho era este problema, que o próprio Deus tomou providências, arrancando sua autoridade (I Samuel 15:23 e 16:1).

Há quem pense que o sentimento de insegurança é algo pequeno demais com o que se preocupar. Mas, não se engane, querida irmã. A insegurança é uma das facetas do orgulho; silenciosa e feroz, pode destruir relacionamentos e nações. À primeira vista, nos faz olhar para o próximo com sentimento de inferioridade; em seguida, olhamos para nós mesmas com excesso de segurança; por fim, voltamos novamente os olhos para o próximo, mas já com orgulho e prepotência. Ai de nós!

O autor McClung Jr. chama este ciclo de “Síndrome de Saul”, e nos proporciona uma boa análise sobre o assunto, considerando o poder da inferioridade e das emoções feridas. “Lemos em 1 Samuel 15:17 que Saul era ‘pequeno aos seus próprios olhos’. Não devemos confundir essa expressão com a verdadeira humildade, uma vez que, se tais palavras de Samuel tivessem esse significado, não haveria a necessidade de afastar Saul do trono. O que o profeta estava dizendo é que, embora Saul se considerasse inferior e menosprezasse a si próprio, ainda assim continuava responsável por suas más ações diante de Deus. Os sentimentos de inferioridade não são desculpa para a desobediência.” Que alerta precioso, não é? Nossos sentimentos, por mais genuínos que sejam, precisam passar pelo filtro da Palavra, para que não se transformem em pecados.

O que isso tem a ver com a atitude de “cristã cliente”? Tudo! Afinal, só criticamos aquilo que temos (ou achamos ter) conhecimento ou a completa razão. E o que seria isso, senão orgulho?

Criticamos porque já traçamos um termômetro da perfeição e ele provavelmente aponta baixa qualidade. A Palavra, no entanto, ensina que, quando estamos prestando um culto a Deus, não é a nossa consciência que precisa ser elogiada, não são nossos ouvidos que precisam gostar da música ou do sermão. Passando ou não por nossa aprovação, é o Senhor quem os recebe e julga as intenções do coração.

Por isso, lhe convido a se juntar a mim no desafio de abrir mão do gosto pessoal, do termômetro carnal e da opinião sempre perfeita, para viver em busca de uma vida de humildade e servidão. Não será confortável, mas é o único caminho para a cura da “Síndrome de Saul”.

“A Bíblia promete que, quando nos humilharmos, Deus nos concederá graça (Tiago 4:6 e 7). Temos medo de ‘humilhação’, contudo não é isso o que as Escrituras querem dizer quando falam da necessidade de nos humilharmos? A verdadeira humildade está ligada à prontidão de sermos conhecidos pelo que somos realmente e de ficarmos ao lado de Deus na luta contra nosso próprio pecado. A maioria das pessoas nos respeita mais, não menos, quando nos humilhamos e confessamos nossos pecados e necessidades. Acredito que Deus sempre o faz”, completou McClung Jr.

A cruz como padrão

Quase que diariamente me deparo com convites para palestras, cursos ou retiros sobre liderança, sem contar a lista infinita de livros sobre o assunto. Todo mundo quer ser líder, não importa o preço a se pagar, ainda mais se o palestrante for famoso. Um pastor já experimentado na obra me disse, certa vez, que muitos usam dons e talentos como trampolim para exaltação do ego. Me peguei pensando em quantas vezes deixei que isso acontecesse em minha vida.

Muitos usam dons e talentos como trampolim para exaltação do ego. Click To Tweet

Paralelo a isso, você já encontrou algum curso ou palestra sobre ser servo? É bem capaz de ninguém aparecer ou sequer se interessar pelo conteúdo. Essa, querida, é a mentalidade da velha natureza, de agradar a carne e sempre se sobrepor aos demais. Foi isso que Saul fez. Foi isso que João também relatou a respeito de Diótrefes, o “Sr. Dono da Igreja”, na 3 epístola de João (v. 9 a 10). Pelo texto, percebemos que este homem não era apenas um cristão orgulhoso. Ele tomou a igreja para si (ou pensava que tinha tomado), e não queria abrir as portas para receber o apóstolo e outros irmãos. Além disso, expulsava da igreja  quem tentasse receber os irmãos de fora.

Se não confessarmos nossos pecados e buscarmos a cura para o orgulho, não demorará muito até nos tornarmos pequenas Diótrefes, donas da razão e da igreja, líderes egoístas e totalmente contrárias ao perfil do nosso Senhor Jesus. Mas, graças a Deus, também temos outro exemplo neste texto: Gaio, o amado e amável. João diz que a própria igreja reconheceu o amor e o bom procedimento dele com os irmãos e com os de fora. “Tu andas na verdade”, descreveu o apóstolo. Esse era o segredo, e continua sendo nos nossos dias.

Outro exemplo de servo humilde foi João Batista. Ele não era qualquer pessoa. Seus ensinos iam longe, e seus próprios discípulos ficaram confusos com o início do ministério de Cristo e como os holofotes estavam saindo de João. Mas, em atitude de total submissão, ele responde fazendo uma comparação ao casamento e diz ser “amigo do noivo”. Sua alegria era ouvir a voz do “esposo”, o Senhor Jesus, pois sabia que havia cumprido sua missão. Não pensou duas vezes antes de encaminhar seus seguidores ao Verdadeiro Mestre e sair de cena, independente de sua reputação. Meu desejo sincero é repetir suas palavras com sinceridade: “É necessário que ele cresça e eu diminua”. (João 3:30).

Porém, nenhum exemplo é tão poderoso e transformador como o próprio Cordeiro de Deus. Sua vida é totalmente cercada de humildade, desde a encarnação, passando pelo nascimento discreto, 30 anos no anonimato, 3 anos andando com pecadores e culminando numa morte de cruz. O Deus criador do Universo se ajoelhou para lavar os pés empoeirados dos discípulos. O Deus Santo sentou-se à mesa de Zaqueu, o sonegador de impostos. O Príncipe da Paz encontrou-se com Nicodemos para falar sobre o Novo Nascimento, mesmo sabendo que o príncipe dos judeus teve vergonha de buscá-lo durante o dia, aos olhos de todo o povo. O Rei se fez servo, mesmo sabendo que seria rejeitado.

É curioso pensar que, mesmo vivenciando esses exemplos, Tiago e João ainda se portavam como “clientes”, queriam lugar de honra na glória. Percebe como o orgulho nos cega? Existe maior honra do que partilhar de uma vida com Cristo e receber dEle a Graça de nos reconectar-nos com o Pai, tendo a Glória como destino eterno? Como é pequena nossa visão carnal da vida. Como corremos atrás de vento quando tiramos os olhos da cruz!

Minha irmã, o que ganha nossa atenção, ganha nosso coração. E se não é Cristo quem está nos ganhando, todos os prazeres do mundo ganharão e nos farão cristãs  constantemente insatisfeitas, críticas e orgulhosas.

Só conseguiremos nos livrar do posto de “clientes”, quando ajoelharmos perante os pés imundos de nossos irmãos. Eu sei que não é confortável, mas Cristo não disse que seria. Ele aponta o caminho oposto: “Qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; e qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” Marcos 10:43-45

Que, ao confessarmos nossos pecados, tenhamos ousadia e coragem de assumir o posto de servas. Que fujamos dos holofotes, dos likes das redes sociais, do olhar crítico em relação aos irmãos e do primeiro lugar no primeiro banco da igreja, e sigamos o caminho empoeirado da cruz, cheio de pessoas doentes, orgulhosas, machucadas e sedentas que precisam beber da Fonte da Vida.

Que nossos textos, nosso canto e nossas orações apontem para Cristo e nos tirem do foco. Que a palavra “cliente” se restrija apenas ao mundo profissional, nunca à nossa vida cristã. Que, ao cultuarmos a Deus, tiremos os olhos dos homens e mulheres à nossa volta, cheios de pecados, como nós. E que a consciência de nosso pecado alimente em nós o desejo pela Santificação, a fim de vivermos como servos humildes, imitando aquEle que foi à frente, abrindo o caminho para nós.

“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo.” Filipenses 2:3