Vivendo as Disciplinas (Sobre a Prática)
Depois de passarmos um mês estudando e refletindo de forma tão rica, detalhada e edificante acerca de algumas disciplinas espirituais (sobre a quantidade exata delas não há um consenso, há autores que pontuam doze, ou até mais), o que fazer com todo o conhecimento adquirido? A resposta parece óbvia: por em prática. Mas a execução não é tão simples por não envolver somente o ato em si, mas sua motivação.
Quem sou e qual meu propósito?
Para falarmos sobre o que nos motiva, precisamos entender quem somos e qual nosso propósito. Somos pecadores transformados em filhos de Deus por meio da obra sacrificial de Jesus e à Sua imagem somos moldados dia a dia (Rm 8.29). Somos imitadores de Cristo (1Co 11.1; Ef 5.1) e, portanto, devemos andar como Ele andou. Fomos criados para glorificar a Deus e nos alegrar nEle para sempre (conforme pergunta 1 do Catecismo de Westminster). É impossível abandonar o pecado e alcançar uma vida piedosa por nós mesmos.
Fomos salvos pela graça, disso não há dúvidas. Porém, a vida cristã requer esforço já que, como disse Jesus, o caminho para o Céu é estreito e nossa natureza pecaminosa sempre tenta atrapalhar. O conhecimento de Deus e a semelhança de Cristo não são miraculosamente soprados em nós no momento da conversão, precisamos nos aplicar a obtê-los. As disciplinas espirituais são os meios que nos ajudam nessa caminhada.
Porque praticar as disciplinas espirituais
As disciplinas espirituais são os meios utilizados para alcançar maior conhecimento de Deus, obedecer aos Seus preceitos e desenvolver nossos dons. Em outras palavras, são instrumentos necessários para nossa santificação e crescimento espiritual. O autor Richard Foster, em seu livro “Celebração da Disciplina”, diz que:
“Deus concedeu-nos as disciplinas da vida espiritual como um meio de recebermos sua graça. As disciplinas permitem que nos apresentemos diante de Deus, a fim de que ele possa nos transformar […] Por si mesmas, as disciplinas espirituais nada podem fazer, exceto levar-nos ao ponto em que algo pode ser feito. São meios divinos de graça”.
Nada de relevante pode ser alcançado sem disciplina. Um estudante que almeja ingressar numa faculdade ou passar em concurso público precisa de muito tempo dedicado ao estudo constante de várias matérias. Um músico precisa de muita dedicação e perseverança se quiser fazer parte de uma orquestra. Os homens de Deus do passado que contribuíram com grandes obras para o Reino dedicaram horas e horas de suas vidas à oração, estudo da Palavra e jejum.
A prática das disciplinas espirituais requer esforço. Um atleta treina por anos, a ponto de testar os limites de seu corpo, para atingir a melhor forma e as melhores posições. O resultado que ele apresenta em uma competição é fruto de sua preparação, daqueles momentos que somente ele e seu treinador vivenciaram. Da mesma forma, se quisermos demonstrar gratidão pela salvação que recebemos de graça, buscando uma vida de santificação, precisamos de disciplina. Muitas vezes não é fácil ler e estudar a Bíblia, meditar e ser confrontado por ela, orar, jejuar e até adorar a Deus. Nosso velho homem constantemente nos puxa no sentido oposto, colocando diante de nós muitos atrativos temporários, visando nos desviar do que tem valor eterno. Ser cristão não é fácil, pois passa pela cruz.
Viver como Jesus e ser um cristão de fato, no sentido exato da palavra, vai muito além de práticas isoladas, como amar o inimigo ou perdoar setenta vezes sete. Envolve considerar a vida de Jesus como um todo, seu caráter e relacionamento constante com Deus. Sabemos que Sua trajetória nesse mundo não foi fácil, mesmo que percorresse grandes distâncias a pé, não tivesse um lugar fixo e confortável para dormir e um dia exaustivo, acordava de madrugada para ter seu momento a sós com o Pai. E o resultado? Uma vida cheia de poder, que atraía as pessoas e evidenciava comunhão e alinhamento à vontade de Deus. Se nos atentarmos para o modo como ele se disciplinou, essas coisas fluirão naturalmente em nós, pois ele próprio resplandecerá.
Como praticar as disciplinas espirituais
A prática das disciplinas espirituais deve envolver toda a nossa vida, o tempo todo. Por que participamos dos cultos de domingo com certa reverência e não a conservamos durante a semana? Por acaso o Senhor está somente no templo e não anda conosco todos os dias? Não devo me preparar também para viver uma segunda-feira comum, com seus afazeres comuns e pessoas comuns? Ele é mais glorificado através de mim no meio da congregação do que em casa ou no meu ambiente de trabalho? Devo orar somente para entrar na igreja e não no supermercado? Devo adorá-Lo somente com o grupo de louvor e não quando ouço Sua voz na leitura bíblica diária? Veja bem que não há aqui uma crítica à tão relevante prática das disciplinas em público, mas um convite a enxergar a importância de torná-las um hábito em todo lugar, bem como ver Deus nas coisas comuns e ordinárias da vida. Afinal, a não ser que seu trabalho esteja diretamente envolvido com a igreja, você passa mais tempo fora do que dentro dela.
Abaixo seguem algumas sugestões de como implementá-las (somem-se a elas as dicas específicas já deixadas nos textos anteriores):
– Esteja com o coração no lugar certo: tenha em mente quem você é, o que Deus fez por você e o que Ele requer a partir de então. Lembre-se que, como o apóstolo Paulo disse, não é você quem vive, mas Cristo vive em ti (cf. Gl 2.20). Logo, Ele precisa ser cada vez mais visto em sua vida, afinal, ela Lhe pertence.
– Seja intencional: no início as coisas parecerão mais difíceis, uma vez que disciplina não é algo fácil. Se aplique, mesmo que não tenha vontade. Com o passar do tempo irá perceber como é prazeroso e faz bem.
– Não espere por lugares especiais: as disciplinas devem ser aplicadas em sua vida diária, a qualquer momento. Seja tomando suco de laranja, como diz John Piper, seja tomando uma decisão importante, Deus deve ser glorificado.
– Reserve um período diário para estar a sós com Deus: por mais que a vida seja corrida, lembre-se de Jesus que, sempre cercado por multidões, não deixava de se retirar para momentos particulares com o Pai. Se Ele precisava disso, imagine nós! Carecemos da graça todos os dias. Não se restrinja a dias tranquilos ou ocasiões específicas.
– Tenha tempo de qualidade: não dê o resto do seu tempo e evite os momentos em que estiver cansada. Planeje uma divisão de tarefas com quem mora com você e depois retribua o favor. Caso more sozinha, divida as atividades ao longo dos dias da semana. Deixe o celular de lado, se ele for utilizado para ler a Bíblia, desligue a internet.
– Não tenha pressa: quanto mais coisas tiver que fazer, mais você deve buscá-Lo, não o contrário. Aquiete-se e saiba que Ele é Deus (cf. Sl 46.10).
– Tenha reverência: trata-se do momento em que você ouvirá a voz ou falará com Aquele que governa todas as coisas, inclusive sua vida. Ele é seu Pai, mas também é seu Senhor.
– Não se limite a momentos específicos: pode parecer contraditório, mas explico: não espere somente aquele momento particular para se relacionar com Deus. Você pode orar, meditar, adorar enquanto espera o semáforo abrir, anda pelas ruas, aguarda o elevador, a fila do banco, antes de conversar com alguém. Pense em Jesus a todo momento.
– Persevere: as chances de você falhar em algum desses itens é grande, mas não desista. Continue sabendo que o caráter de Cristo está sendo moldado em você, mesmo que não perceba. Quando Ele entregou a vida em seu favor, conhecia melhor que você as suas limitações, e mesmo assim foi até o fim. Siga em frente.
Como não praticar as disciplinas espirituais
Ao colocar em prática o que aprendemos nessa série ao longo do mês é preciso estar atento para que de fato cumpramos nosso papel de nos aproximar de Deus e não tenhamos motivação pecaminosa. Veja o exemplo dos fariseus: executavam os ensinamentos de forma impecável, porém não eram sinceros em seu interior, estavam com o coração corrompido e foram severamente reprovados por Jesus. Temos a seguir algumas formas de não praticar as disciplinas espirituais:
– Por barganha: visando somente obter as bênçãos de Deus. Tudo o que Ele te dá é pela graça.
– Por legalismo/farisaísmo: ser movido pelo desejo ególatra de ser visto e admirado.
– Para se tornar fiscal da espiritualidade alheia: você passa a dizer e ditar como as pessoas devem fazer; cobrar certas atitudes tendo sua vida como parâmetro.
– Por religiosidade: fazer simplesmente por fazer, porque aprendeu que deve ser assim, todos estão fazendo e não quer que chamem sua atenção.
– Como forma de penitência: pensar que Deus precisa do seu sacrifício ou só te aceitará se fizer uma quantidade “x” de orações ou um tipo específico de jejum. A obra de Cristo é suficiente.
O resultado
Se antes era difícil reservar alguns minutos para estar em comunhão com o Senhor, com o passar do tempo você não consegue sequer imaginar como seria sua vida sem essas práticas e passa a ansiar para que os momentos à sós finalmente cheguem. Da mesma forma, torna-se natural você falar com o Pai enquanto caminha, louvá-Lo quando vê crianças a brincar, orar enquanto aguarda uma consulta médica e reservar um dia para o jejum. Enquanto isso, Deus usa esses meios para derramar a graça dEle sobre sua vida, te leva para mais perto dEle, tira as impurezas que o pecado deixa e vai, aos poucos, forjando a imagem de Cristo em sua vida.
As disciplinas te aperfeiçoam e ajudam a viver conforme a Palavra. Quando você enfrentar determinadas situações em que precise de direção ou aconselhar alguém e não tiver uma Bíblia por perto, o Espírito soprará à sua mente aquele texto sobre o qual você passou o dia todo meditando ou aquele versículo que memorizou. A proximidade com Deus te fará entender melhor a vontade dEle e como Ele quer que empregue seus dons e talentos.
No caminho que percorremos da salvação até o fim nos importa conhecer cada dia mais de perto nosso Salvador, afinal, passaremos a eternidade em Sua Presença. Precisamos suportar as dores do processo com vistas a um futuro proveitoso. Que Ele nos ajude a sermos disciplinadas espiritualmente, crescermos na graça e no conhecimento, até o dia na glória em que Jesus será perfeitamente visto em nós.
Esse post faz parte da nossa série de postagens de Fevereiro com o tema “Disciplinas Espirituais”. Para ler todos os posts clique AQUI.
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