Uma Rocha Mais Alta do que Nós (Lidando com a Culpa)

Há um lugar muito frio, solitário e sombrio onde todas nós nos encontramos em algum momento da vida. A culpa é como um poço em que caímos sem querer e só podemos de lá sair com ajuda. Mais do que um sentimento, a culpa é um lugar onde nos encontramos após situações traumáticas, perdas e todo tipo de dor que pode ser sentida em um mundo caído.

Mas esse não é o nosso lugar. Há para nós um outro lugar – alto, fresco, seguro – onde Cristo nos colocou após levar sobre seu corpo todas as nossas dores.

Querida amiga, minha oração é que o Senhor traga luz, consolo e alívio aos corações por meio deste artigo, Jesus já venceu este lugar por nós.

O que é culpa?

Se buscarmos no dicionário o significado da palavra culpa, nós encontraremos a seguinte definição: “responsabilidade por dano, mal, desastre causado a outrem”, mas em termos psicológicos, podemos lidar com dois aspectos ao tratar da culpa.

Primeiro, a culpa pode ser uma transição de um processo terapêutico, ou seja, não sendo uma culpa adoecedora, mas um caminho-meio para a aceitação e recuperação de algum trauma, como o luto, por exemplo. É uma fase transitória no processo terapêutico de recuperação, um lugar seguro para se passar na estrada da restauração.

Mas um outro aspecto da culpa – sobre o qual quero lidar aqui – é a culpa como um adoecimento emocional diante de grandes frustrações, dores e traumas. Enquanto o primeiro aspecto transita de forma temporária, sadia e segura para a recuperação, o segundo aspecto ao invés de transitar momentaneamente pela culpa como um caminho-meio para a aceitação, trava por ali e faz da culpa que era para ser um caminho-meio de tratamento, um caminho-fim de adoecimento.

Desse modo, a culpa que deveria ser um meio para um processo de superação de traumas que resulta na aceitação, para muitas pessoas, sofre uma paralisação, impedindo a aceitação e o que era um meio terapêutico se torna agora um aspecto adoecedor.

Há algo fundamental em qualquer processo de restauração: reconhecer a raiz do problema, e nesse caso a raiz é a insegurança.

É normal que a culpa, enquanto aspecto adoecedor, se instale principalmente nos corações inseguros. Grande parte das pessoas inseguras, no fundo são pessoas que se culpam de forma excessiva diante das frustrações desta vida. Podemos afirmar que a insegurança e a culpa são duas faces da mesma moeda.

Até aqui, lidamos com a culpa de uma forma mais teórica. Agora, vamos ao cerne da questão – se a culpa é uma face da insegurança, precisamos entender o que nos dá segurança neste mundo caído.

Uma rocha alta

“Leva-me para a rocha que é alta demais para mim; pois tu me tens sido refúgio e torre forte contra o inimigo.” (Salmos 61:2,3 – ARA)

Quero deixar claro, querida amiga, que este assunto não está sendo lidado de forma rasa e simplória, como se houvesse uma receita pronta e eficaz ou como a obviedade de dois mais dois resultar em quatro.

Muitos conselhos de como lidar com esse tipo de dor tem surgido, e alguns deles aparentam ser legítimos, como: “descanse em Jesus! Ore mais! Leia sua Bíblia!”

Esses conselhos não são de forma alguma inverídicos. São preciosos e fundamentais no processo de cura. Mas, orar, crer em Jesus e amar o Senhor nos isenta de todo tipo de aflição? Claro que não! As pessoas mais fiéis e firmes na fé que eu já conheci lidavam com aflições, mesmo cultivando uma vida de oração, devoção e adoração.

O salmo 61 não foi escrito por um descrente. O salmista claramente conhecia e confiava no Senhor Deus e isso não lhe garantiu um coração seguro de dores. Em sua angústia ele chega ao reconhecimento crítico de que não tem força para resgatar a si mesmo; ele só pode voltar-se para Deus em confiança.

Se a insegurança está intimamente relacionada com a culpa, podemos colocar a segurança como um caminho legítimo na estrada da restauração. Mas o que podemos ter como algo sólido, realmente seguro, num mundo de dores, e vaporoso como este?

“Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades.” (Salmos 57:1 – ARA)

Ainda que passemos a vida a procurar, jamais acharemos lugar mais seguro para nos abrigarmos do que o lugar à sombra das asas do Senhor. Só há um lugar seguro para nós – Deus é um lugar seguro, tão seguro que muitas vezes é comparado nas Escrituras com uma rocha. Uma rocha mais alta do que nós e infinitamente mais segura do que conseguimos imaginar.

Em Cristo podemos nos lançar com nossa culpa e insegurança e entregá-las nas mãos feridas de nosso Salvador. As mesmas mãos que foram feridas por nossas transgressões, são firmes o suficiente para levar nossa culpa e nos dar a segurança que somente os que Nele confiam podem ter.

Talvez passemos a vida toda deste lado do céu lutando com os sentimentos de culpa e insegurança, em oração, terapia e aconselhamento, mas precisamos ter no coração a certeza de que Jesus já venceu por nós cada uma dessas batalhas e estamos cada dia mais perto de morar naquele lugar onde a culpa foi eternamente impedida de entrar.

Lidar com a culpa é, no fim das contas, uma batalha diária diante de Deus, exercendo pela graça do Espírito vez após vez nossa confiança no Deus que tudo executa em nosso favor.

Muitas vezes a insegurança está atrelada ao sentimento de rejeição, de inutilidade, de que não somos amadas e aceitas. Nos sentimos culpadas quando esses sentimentos têm vida em nós e passamos a acreditar que temos responsabilidade sobre todas as coisas.

Reconhecer a humanidade caída nos ajudará a lidar com esse sentimento – diante de Deus, somos todos culpados e fomos separados do amor do Senhor em Adão. Mas essa não é mais a nossa realidade – em Cristo, nosso segundo Adão, fomos perdoadas e livres de toda culpa, e a rejeição não é mais um problema para nós. Jesus Cristo nos ama, nos aceita e está disposto a nos santificar dia após dia até que Ele volte.

Há algo que pode nos trazer alegria mesmo nos momentos mais sombrios: hoje estamos mais perto da cura total de todos esses problemas do que estávamos ontem. Amanhã, estaremos mais perto do que estamos hoje. E assim será dia após dia.

Enfim seguras

Tu não me prometeste uma vida tranquila. Tu escolheste colocar-me em um mundo caído. Estou seguro porque tu me deste aquilo que é a única coisa que sempre me manterá seguro. Tu me deste a ti.

Estou seguro do meu coração mau e deste mundo despedaçado, não porque posso fugir de ambos, mas porque em meio a tentações e sofrimentos, perigos e desapontamentos, doenças e carências, tu me deste tudo de que eu precisava para lutar contra tudo e evitar a derrota, e aponta a outros a segurança que pode ser encontrada somente em ti.

Assim, eu acordarei de manhã e enfrentarei a ansiedade de temer a minha própria fraqueza e a realidade da queda. Viverei com fé, coragem, perseverança e esperança.

E quando o perigo chegar, e ele chegará, sussurrarei ao meu enfraquecido coração:

“Emanuel é o teu abrigo; você está seguro” (Paul David Tripp – Abrigo no Temporal)

Encerro com este encorajamento, querida amiga. Quando a culpa e a insegurança sussurrarem em seus ouvidos, afirmando que estas definem quem você é, brade sobre elas o que Cristo fez por você na cruz. Ao morrer e ressuscitar, nosso querido Salvador venceu todas as nossas dores e temores. Ao se fazer de frágil, Cristo tornou-se o mais forte e seguro abrigo que podemos encontrar na adversidade. Fazendo-se ferido, Jesus se tornou nossa cura.

Lidar com a culpa não é algo que teremos de fazer uma vez e depois nunca mais. É um caminhar diário confiante na graça de Jesus que nos provê exatamente o que precisamos para enfrentar cada situação em nossa vida. Fazer de Jesus o nosso lugar seguro, colocar a confiança Nele e trabalhar com o auxílio do Espírito contra a insegurança não é uma tarefa a ser realizada de um dia para o outro. De certo, passaremos a vida inteira para compreender que nossa identidade não está atrelada ao passado, aos acontecimentos, aos eventos externos ou internos, mas que nossa identidade é inabalável porque se firma na Rocha que é Jesus. Somos o que Ele nos diz, e nada mais e nada menos do que isso.

Conhecer o Deus que nos criou, crer pela fé em seu amor por nós, ser fiel às disciplinas espirituais, buscar ajuda de profissionais, certamente são ferramentas poderosas do Senhor para construirmos nossa segurança nele.

Como lidar com a culpa? Sabendo que Jesus se fez culpado em nosso lugar. Cristo é a nossa Rocha e por isso, nos momentos de angústia da alma podemos pedir com fé: “Leva-me para a rocha que é alta demais para mim”. Não podemos resgatar a nós mesmas, mas podemos nos voltar com confiança ao Deus que o faz. Não conseguimos controlar todas as situações, mas confiamos que Deus, infinitamente poderoso e amoroso, a tudo controla.

A cruz de Cristo é um lugar seguro para depositarmos toda a culpa, confessarmos a insegurança e confiarmos no poder de Deus para nossa restauração – todos os dias. Deus não se cansa dos nossos problemas e não se queixa daquilo que nos causa dor, ao contrário, Ele se compadece e jamais lança fora a alma cansada e contrita que até Ele sem forças se rasteja.

É bem possível que a culpa e a insegurança não nos deixem de vez, mas batalhar contra elas todos os dias é uma batalha ganha em Cristo. O Senhor não quer que vivamos acorrentadas pela culpa e insegurança, Ele mesmo morreu para que Nele fôssemos libertas. E em Cristo já fomos libertas! A culpa, a rejeição, a insegurança e nada na criação, nem mesmo a morte, tem poder algum sobre as vidas que Cristo comprou para Si.

Se no início deste artigo eu afirmei que a culpa era um lugar, encerro com outra afirmação muito mais poderosa: há um outro lugar incomparável e seguro o suficiente para nos sustentar todos os dias enquanto vivermos esta vida: “O Senhor vive! Bendita seja a minha Rocha! Exaltado seja Deus, o meu Salvador!” (Salmos 18.46 – ARA).

(Este artigo foi escrito com o auxílio do Pastor Adriano Chagas, que é Mestre em Teologia e Especialista em Psicologia e Religião pela PUC/SP).


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