Trabalho e Descanso: Relacionamento com Dinheiro

Quando pensamos em trabalho à luz das Escrituras é preciso ter em mente que trabalhar vai muito além de ter uma ocupação. O trabalho é uma verdadeira vocação, e devemos entender o termo vocação como o chamado divino para colocarmos em prática os talentos que nos foram dados com o fim de promover o bem. Como disse Timothy Keller em seu livro “Como integrar fé e trabalho”: “o trabalho não é, primordialmente, algo que fazemos para viver, mas algo que vivemos para fazer. Ele é, ou deveria ser, a expressão plena das habilidades do trabalhador (…) o meio pelo qual ele se oferece a Deus”.

Enxergar o ato de trabalhar como um chamado que exercemos para a glória de Deus é ampliar nossa perspectiva acerca de temas que circundam esse assunto, por exemplo: a carreira que devo seguir é mais importante que a motivação para segui-la? Uma função não remunerada ainda é um trabalho? Como devo lidar com as consequências do trabalho, dentre elas o dinheiro advindo dele?

Se tivermos em mente que trabalhamos por Deus e para Deus, essas nuances sobre o trabalho serão postas na perspectiva correta. Por isso, nesse texto iremos caminhar juntas por algumas diretrizes bíblicas acerca dos frutos financeiros do trabalho. 

A motivação bíblica para o trabalho

O trabalho foi instituído por Deus desde o Jardim do Éden, não como fruto do pecado, mas antes da queda no pecado (cf. Gn 2:15), portanto, trabalhar é um ato de obediência ao Criador. 

Mas você e eu sabemos que, em muitas áreas da vida, podemos obedecer em atitudes e ter um coração desajustado quanto às motivações, e com o trabalho não é diferente. Citando novamente o que Keller disse em seu livro, “apenas se tivermos algum entendimento sobre como o pecado distorceu o trabalho é que teremos esperança de combater seus efeitos e recuperar um pouco da satisfação que Deus planejou para ele”.

Precisamos, sim, almejar o trabalho como fonte de renda e sustento, podemos enxergá-lo como realização pessoal ou mesmo como forma de expressão de quem somos. Nada disso é errado em si. No entanto, se essas forem nossas motivações principais, facilmente seremos enganados pelas armadilhas do pecado. Nosso impulso primordial para o trabalho deve ser honrar e glorificar a Deus enquanto exercemos o que ele pôs em nossas mãos para ser feito. Como Keller propõe no livro já citado, se nossa motivação para o trabalho for servir a nós mesmos acabaremos transformando o esforço em estresse e a autossuficiência em autodepreciação. Por outro lado, quando o propósito do trabalho for servir algo além de nós mesmos, acabaremos tendo a motivação correta para exercer nossos talentos. 

Se qualquer coisa que não Deus for nossa motivação principal para o trabalho, estaremos frequentemente flutuando no mar agitado de nossa inconstância. Fomos feitos para o que é eterno e seremos sempre vacilantes se abraçarmos o que é terreno como nosso guia para viver. Isso inclui o dinheiro que recebemos como recompensa pelo trabalho exercido. Claro que devemos almejar uma boa renda como fruto proporcional aos nossos esforços; o problema não está no dinheiro, como veremos à frente. Os questionamentos que deveriam surgir quando pensamos em nossa relação com as rendas são: por que devo almejar bons salários? Como devo lidar com as finanças? A cosmovisão bíblica norteia a forma como faço uso do dinheiro?

O dinheiro como servo e não senhor 

Ter muito ou pouco dinheiro ou mesmo buscar ganhar dinheiro não é pecado. O pecado está em amar o dinheiro, está no fato de que temos uma tendência de idolatrar o dinheiro e o poder (econômico e moral) advindo dele (cf. Ec 4:4).

Aquilo que amamos molda nossas motivações,inclinações e, por fim, ações. Se depositarmos nosso amor e valor no salário em nossas contas bancárias, não demorará para sentirmos a profunda frustração que esse senhor cruel chamado dinheiro trará. 

Citado por John Piper em seu livro “Dinheiro, sexo e poder”, George Macdonald afirmou o seguinte ao falar sobre como é enganoso viver tentando acumular bens e riquezas: “O coração do homem não é capaz de acumular. Seu cérebro ou sua mão podem juntar itens em sua caixa e acumulá-los, mas no momento em que alguma coisa é colocada na caixa, o coração a perde e volta a sentir-se faminto. Se é para o homem ter algo, deve ter o Doador (…) Portanto, todas as coisas que ele faz devem ter liberdade de ir e vir pelo coração de seu filho; ele pode desfrutá-las apenas enquanto passam, pode desfrutar apenas a vida, a alma, a visão, o significado de algo, mas não a coisa em si”. 

Em seus discursos, Jesus não usou o termo ‘senhor’ para nenhum item além do dinheiro. Isso porque o Senhor sabe quão facilmente invertemos a ordem devida e deixamos de fazer do dinheiro nosso servo para que seja um senhor a guiar nossos passos.

Precisamos olhar para o dinheiro pelas lentes das Escrituras: o dinheiro é um meio, não um fim em si mesmo. Se olharmos para as riquezas como um meio de amar a Deus e ao próximo, de servir nossas famílias e nossa comunidade, de promover a expansão do Reino e proporcionar prazeres justos e equilibrados a nós e aos nossos, estaremos fazendo do dinheiro um servo e não um senhor.

Por outro lado, se colocamos nosso valor em quanto ganhamos ou em quais bens podemos adquirir, nossa identidade estará sendo plantada em um terreno muito perigoso. Em Cristo, não somos o que somos pelo dinheiro que possuímos. Não somos o que somos pelos bens ou experiências que podemos adquirir. Se estamos em Cristo, nosso valor vai muito, muito além de bens que um dia serão dissipados como fumaça.

O uso adequado do dinheiro

Em termos práticos, como podemos, então, ter um relacionamento saudável com o dinheiro? Inicialmente, é preciso refletir se Cristo tem sido de fato Senhor sobre todas as áreas de nossas vidas. Não convém sermos servos parciais. Se dizemos que somos de Cristo, nossas carteiras precisam estar rendidas ao seu senhorio como todo o restante de nossas vidas. E é exatamente por isso que a forma como gastamos nossos dinheiro deve seguir as orientações de Cristo e não do mundo ou mesmo do nosso enganoso coração. 

Como ensina Augustus Nicodemus em seu livro “O que a Bíblia fala sobre dinheiro, o cristianismo muda a visão sobre o trabalho ao rejeitar, em primeiro lugar, uma visão egoísta dele (cf. Lc 12:15). É tentador deixar-se influenciar pelos padrões do mundo e acreditar que a felicidade está em adquirir bens ou experiências mediante o dinheiro, mas não é isso que vemos ser ensinado nas Escrituras.

Além disso, o cristianismo eleva o padrão do trabalho ao ensinar que devemos trabalhar com o fim de servir outras pessoas (cf. Pv 19:17; Lc 3:11; 21:1-4; 2Co 8:2,12). Essa perspectiva acerca do trabalho é um poderoso antídoto contra a avareza e o amor ao dinheiro. Em termos práticos, podemos servir com nossas finanças ao sustentar nossa família, dizimar fielmente, financiar missões, ajudar um conhecido que está em necessidade e ofertar com generosidade, dentre outras maneiras.

Estaremos honrando e glorificando o nome do nosso amado Salvador quando vivermos de maneira que reflita a verdade de que nosso dinheiro, bem como os talentos e habilidades de que dispomos para conquistá-lo, não são nossos nem para nós mesmos. 


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Outubro com o tema “Trabalho e Descanso”. Para ler todos os posts clique AQUI.