Trabalho e Descanso: Explicação Bíblica do Shabbat

O domingo é tradicionalmente tido como o dia do descanso dos afazeres da semana. Dia em que os cristãos vão à igreja, se reúnem em fartos e animados almoços de família, assistem TV, tiram um cochilo, enfim, desfrutam de um dia de lazer ao lado dos amigos e familiares. De onde veio essa “tradição”? Por que a observamos? Será que o fazemos da forma como foi proposta originalmente?

O Shabbat, também chamado de Dia do Descanso ou Dia do Senhor, não é um assunto simples de ser abordado, uma vez que é tema de muitos debates. O intuito desse texto não é atacar ideias contrárias, mas fazer uma análise à luz da Palavra de Deus.

No princípio

A palavra hebraica Shabbat aparece pela primeira vez nas Escrituras no livro de Gênesis e é traduzida por descanso:

“E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.” (Gn 2.2, grifo meu)

Após seis dias trazendo à existência todas as coisas a partir do nada, pelo poder de sua Palavra, no sétimo dia o Senhor declarou que sua obra da criação estava completa e, então, descansou. Ele o fez não porque estava cansado ou entediado, mas no sentido de se deleitar, de contemplar tudo o que havia feito. 

Ao descansar, o Senhor mostrou o que iria providenciar para o homem, a saber, o descanso eterno. Por isso, diferente dos outros seis dias, ele não declara o sétimo dia como encerrado. 

O texto bíblico segue afirmando que, 

“E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera.” (Gn 2.3)

Joseph Pipa, em seu livro O Dia do Senhor¹, diz o seguinte:

Ao abençoar o dia, Deus lhe deu um propósito especial. No relato da criação, quando Deus abençoava algo, ele estabelecia um propósito e dotava a coisa criada com a capacidade de cumprir esse propósito […] O Senhor designou o sétimo dia, o dia em que ele entrou no seu descanso, para ser um modelo semanal para a observância do seu próprio descanso”.

(p.13)

O ato de santificar o sétimo dia, não faz com que os outros seis devam ser vividos de qualquer jeito. A vida cristã deve ser vivida integralmente coram Deo – perante a face de Deus. Todavia, o sétimo dia tem um propósito especial e suas instruções devem ser observadas.

Portanto, no princípio de todas as coisas, vemos o Shabbat como um período de descanso, contemplação e esperança, o qual nos aponta para o Deus Criador e Todo-Poderoso, que ensina seus filhos a separarem um dia para: observar as coisas criadas com deleite e alegria; meditar em sua grandeza e magnificência; e aguardar com expectativa o tempo em que estarão eterna e ininterruptamente com ele.

No período da Lei

Após a queda da raça humana em Adão, o Dia do Descanso continuou sendo observado pelo povo de Deus, antes mesmo de a lei ser oficialmente estabelecida. Às vésperas de sair do Egito, foram dadas ao povo de Deus instruções quanto à celebração da Páscoa e da Festa dos Pães Asmos, entre elas que no sétimo dia nenhum trabalho deveria ser feito (Êxodo 12.16). Já no deserto, ao explicar sobre o envio do maná, Moisés instruiu que fosse colhido diariamente, apenas o necessário para aquele dia. Todavia, no sexto dia, deveriam recolher porção dobrada, pois no sábado não seria enviado, haveria repouso, pois era o dia santo do Senhor (Êxodo 16.22-30).

Quando entregou os Dez Mandamentos ao povo, o Senhor regulamentou a observância do sábado no quarto mandamento, sendo sua infração passível de castigo: 

“Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.”

Êxodo 20:8-11

O sábado era o dia em que o povo de Deus deveria refletir sobre seu propósito na criação. Era o tempo do repouso solene. Era quando a esperança aquecia o coração daqueles peregrinos com a lembrança de que o Deus Todo-Poderoso os guiava com mão forte pelo deserto e continuava fazendo maravilhas. No Dia do Senhor as forças eram renovadas. 

No decorrer do Antigo Testamento, as ordenanças sobre a guarda do sábado são repetidas várias vezes. Os dois principais motivos para que repetições apareçam na Bíblia são: a importância que aquele assunto carrega e a propensão humana a esquecer das coisas com facilidade. Logo, o Dia do Senhor merece nossa atenção e deve estar como um memorial diante de nós.

Há, ainda, algumas informações bíblicas que valem a pena ser destacadas, pois enriquecem ainda mais nossa compreensão sobre o Shabbat:

  • É uma “santa convocação” feita pelo Senhor, um dia sagrado (Levítico 23.3).
  • Atividades laborais não eram permitidas, apenas em casos de emergência ou em se tratando de atos de misericórdia. O descumprimento levaria à morte (Números 15.30-36).
  • Não se deveria cuidar dos próprios interesses, nem falar palavras vãs. Era um dia de ações de graças (Isaías 58.13-14; Jeremias 17.19-27).

No tempo da graça

Quando Cristo encarnado veio ao mundo, ele foi confrontado pelos religiosos em algumas circunstâncias envolvendo o sábado e nos forneceu preciosas lições sobre o assunto. 

Certa feita, o Mestre e seus discípulos passavam por uma plantação e estes colhiam espigas para comer. Os fariseus alegaram que aquilo não era lícito no sábado, pois se configurava em trabalho. Jesus alegou que aquele era um caso de fome e se alimentar era necessário. O homem foi criado primeiro e depois se instituiu o sábado para descanso santo. Esse dia não deve ser um fardo, mas uma oportunidade para o deleite espiritual em Deus (Marcos 2.23-28).

O Senhor Jesus também efetuou curas no sábado, o que aumentou o escândalo dos fariseus. Em circunstâncias como essas, ele ensinava sobre a importância de se fazer o bem a todo tempo, uma vez que, se negar a fazer o bem a alguém em necessidade é equivalente a praticar o mal. Os religiosos profanaram os sábados com seu ódio e falta de empatia. O Senhor do sábado opera inclusive no dia que é dedicado a si mesmo e, com isso, nos ensina que no Shabbat devemos realizar atos de misericórdia, tirar os olhos de nós mesmos e nos voltarmos para o nosso próximo.

Após a morte e a ressurreição de Jesus a observância do Dia do Descanso por parte da igreja passou do sábado para o domingo. A seguir, listo os principais fatos que embasam essa mudança:

  • O Senhor Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana (Mt 28.1; Mc 16.2; Lc 24.1; Jo 20.1);
  • Ele apareceu aos discípulos que estavam reunidos em uma casa no domingo seguinte ao da ressurreição (Jo 20.26-31);
  • O Espírito Santo desceu no dia de Pentecostes, que era um domingo (At 2.1-4); 
  • Paulo quando viajou para Trôade, ficou lá por uma semana, mas se reuniu com os irmãos no domingo, para partir o pão (Ceia do Senhor) e pregar a Palavra (At 20.6,7);
  • O apóstolo João teve as visões do Apocalipse no dia do Senhor, enquanto esteve exilado na ilha de Patmos (Ap 1.10).

No Antigo Testamento, a guarda do sábado era um memorial da libertação do Egito (Deuteronômio 5.12-15). Considerando a importância que a ressurreição de Cristo tem para a fé cristã, uma vez que ele ofereceu um livramento muito maior ─ a libertação do domínio do pecado ─, passou-se a observar o domingo como sendo o Dia do Descanso em que o povo de Deus atende à sua santa convocação para se reunir solenemente e prestar-lhe culto.

A Confissão de Fé de Westminster², no Capítulo 21 – Do Culto Religioso e do Domingo, diz que:

“Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão.” 

A Confissão de Fé de Westminster

Na eternidade

Os salvos já desfrutam de um descanso em Cristo. Temos paz com Deus, e sua ira não está mais direcionada a nós. Nossas almas repousam nele, onde está ancorada a nossa fé. Todavia, outro aspecto importante para uma compreensão geral do Shabbat, é o fato de que ele aponta para o descanso eterno que o povo de Deus desfrutará na Nova Jerusalém, quando o Senhor Jesus vier segunda vez para julgar o mundo e buscar sua Noiva (não vou me estender muito acerca desse tópico que será o tema de um outro texto desta série).

“Nós, porém, que cremos, entramos no descanso, conforme Deus tem dito: Assim, jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso. Embora, certamente, as obras estivessem concluídas desde a fundação do mundo. Porque, em certo lugar, assim disse, no tocante ao sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que fizera […] Portanto, resta um repouso para o povo de Deus.”

(Hb 4.3,4,9, grifo meu)

O Shabbat hoje

Após analisarmos o que a Bíblia diz sobre o Dia do Senhor, você pode se perguntar como vivê-lo para a glória de Deus. Como aplicar os princípios bíblicos na atualidade? O Shabbat foi dado como uma bênção e não como um fardo, mas não observá-lo é prejudicial a nós mesmos. É como se disséssemos que somos melhores que o Criador, uma vez que ele próprio descansou. Precisamos do Dia do Descanso, que é quando nossas forças são revigoradas e recebemos um novo ânimo para enfrentarmos a semana que virá pela frente.

É importante que se tenha em mente que não se trata de um dia de descanso ocioso, de dormir a tarde toda, comer bastante e assistir TV. Nossos corpos descansam porque não realizamos as atividades laborais — dentro e fora de casa — como de costume, nossas mentes descansam porque paramos de focar em nós mesmos. No Dia do Senhor nós:

  • Buscamos ao Senhor por intermédio da leitura da Palavra e meditação nela ao longo do dia;
  • Reservamos períodos para a oração de confissão, louvor e adoração;
  • Trazemos à memória quem Deus é e contemplamos as coisas criadas e os seus poderosos feitos;
  • Trazemos à memória o que o Senhor fez por nós no decorrer da semana, com ações de graças pelos inúmeros livramentos que nos concedeu e pelas manifestações da sua graça em nossas vidas comuns;
  • – Nos unimos aos nossos irmãos na igreja para cultuarmos ao Senhor, nos lembrando que séculos atrás, Deus se fez carne e morreu, rasgando o véu do templo e nos concedendo o livre acesso ao Pai, que temos hoje. Ele também ressuscitou, nos libertando de todo o poder do pecado e da morte, e voltará para buscar sua Igreja, que o adorará por toda a eternidade — não despreze o privilégio que você tem de professar publicamente a sua fé, crente! Não deixe de congregar, sua liberdade custou o sofrimento e o sangue de Cristo;
  • Exercemos atos de misericórdia, assistindo aos necessitados;
  • Praticamos a vida em comunidade. É um ótimo dia para visitar os irmãos e estarmos em comunhão.

Que Cristo nos ajude a vivermos o Dia DO Senhor, PARA o Senhor, até que estejamos eternamente COM O Senhor.


1 – O Dia do Senhor – Joseph Pipa. Editora Os Puritanos.

2 – Confissão de Fé de Westminster. Disponível em: 

< https://www.executivaipb.com.br/arquivos/confissao_de_westminster.pdf >


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