Testemunho #3 – Meu defensor vive: minha história de abuso e redenção

ATENÇÃO (TW – Trigger Warning): Esse texto contém relatos de abuso sexual (não explícitos) – conteúdo difícil de ser lido. É possível que gere reações em pessoas que já tenham passado por algo parecido.
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Na primeira vez em que falei sobre isso abertamente você estava lá; aliás, você e uma porção de gente que estava vendo pela primeira vez. Meu primeiro testemunho. Sinto que preciso falar aqui no seu blog,  já faz um tempo que pretendia fazer isso, mas seu último post foi o que me impulsionou de uma vez para cá.

Fazia um mês que eu tinha completado 11 anos e uns 3 meses que havia mudado de estado, para uma cidade no interior do nordeste, a terra natal do ex marido da minha mãe, com eles e meu irmão caçula – onde, sem saber, eu viveria os 4 piores anos da minha vida.

Três dias antes de tudo acontecer minha mãe tinha tentado o suicídio pela segunda vez, sendo internada em uma clínica psiquiátrica em uma cidade vizinha e ficando lá por 3 meses. Me disseram que eu não podia visita-lá, pois não era lugar para crianças, então eu ficaria todo aquele tempo sem vê-la. Tempo demais. Tempo suficiente para tudo ruir. O meu irmão foi levado para a casa de uma tia dele e eu, nas primeiras noites, dormi na casa de uma vizinha que eu nem conhecia e que logo deixou claro que eu a estava incomodando, por isso resolvi ir pra casa. Eu estava tão sozinha, sem a minha mãe, sem meus amigos, minha família. Eu não tinha nada ali, nem ninguém.

Ele disse que eu podia dormir na parte debaixo da cama, pra eu não ficar com medo do escuro, que tudo ia ficar bem. Foi quando aconteceu. No momento em que eu deveria ser protegida e amada, ele me violentou. O que seria de mim se eu já não conhecesse a Deus? No começo eu não sabia o que estava acontecendo. Demorei pra perceber que era uma violência, que aquilo era a beira de um precipício.

Pra que serve servem os pais se não para amar seus filhos e ensinar-lhes a Verdade? Eu pensei em contar na escola, pra algum vizinho, mas o que eles poderiam fazer? Pra onde eu iria? Não podia deixar o meu irmão e a minha mãe naquele lugar, eu tinha que protegê-los. Bastava que minha mãe fosse liberada da clínica que pediríamos ajuda e voltaríamos para o Sudeste.

Quanto engano! No meio da minha vergonha, do nojo que sentia de mim; no medo, na angústia eu falava com Deus e pedia pra que Ele cuidasse de mim e Ele nunca me deixou. Quando a minha mãe saiu da clínica para uma visita eu contei a ela, mas como em muitos casos, ela não acreditou e me acusou de tentar roubar o marido dela. As coisas só pioraram. Depois que minha mãe soube, comecei a apanhar quase que diariamente dele, e era pior a cada dia.

Conforme o tempo foi passando, minha mãe voltou para casa, os abusos diários cessaram, até que surgisse uma oportunidade de estarmos sós. Foram terríveis 4 anos. Eu perdi a minha vaidade, o meu amor próprio, a minha auto estima era -1.

Todos pareciam estar de olhos vendados, como podiam não perceber? Eu via as pessoas fechando os olhos para aquilo, as pessoas da minha igreja, até mesmo o meu pastor.

De algumas forma, eu sabia que eles sabiam! Mas, se calaram! Então, eu decidi fazer com o meu corpo o que eu bem entendesse, afinal, ninguém se importava com o que estavam fazendo com ele. Então, eu me prostitui. Não, eu não cobrava nada, eu não ficava em uma esquina ou rodovia. Mas, eu saia com muitos homens, não meninos ou garotos da minha idade, homens mesmo.

Todos sabiam e todos fechavam os olhos. Não sei quantas vezes tentei me matar, parei de contar na nona vez.

Eu estava mergulhada em uma depressão,  embora por fora a minha arrogância e o meu falso sorriso dissessem o oposto.

O único motivo de eu nunca ter consumado o suicídio foi porque me ensinaram a Verdade – isso foi fundamental. Eu sabia o tempo todo de um Pai que me amava e que havia sacrificado muito por mim. Deus, minha fonte de amor. A minha ponte pra atravessar aquele abismo.

Um dia eu percebi que não aguentaria mais e pedi a Deus que me resgatasse, pedi que me perdoasse. Eu sabia que estava prestes a morrer se Ele não me tirasse dali.

Então, Ele me resgatou.

Quando voltamos para a minha família, no Sudeste, contei para algumas pessoas, mas aquilo ainda era muito doloroso para detalhes. Mesmo que eu eu contasse para quem pudesse ajudar, minha mãe deixou bem claro que não me ajudaria. Então, me calei. Voltei para a minha igreja e, apesar de me acolherem, havia algo dentro de mim que estava inacabado. Uma ferida que sangrava.

Achei que tivesse encontrado a cura quando conheci um rapaz. Engravidei, descobri que ele era casado e tinha outra família. Eu tinha um filho pra criar e de novo estava sozinha. Estava tudo indo de mau a pior. E eu os culpava por todos os meus problemas,  por todos os meus erros. Eu não tinha escolhido perder a virgindade aos 11 anos! E lá estava eu, grávida de um homem casado aos 15!

Esse podia ser o fim de mais uma história de tantas de abusos e gravidez precoce que ouvimos. Só não é uma história qualquer porque Cristo veio para mudá-la.

Eu encontrei pessoas da minha igreja que mostraram como se ama o próximo, o que é ser um verdadeiro cristão. Meu pastor me deu sábios conselhos, disse coisas que só pude entender hoje. Eu não tinha amigos, eu tinha irmãos.

Eu conheci realmente Jesus através do amor que essas pessoas demonstraram. Eu aprendi que as feridas do meu coração sarariam com o tempo: Jesus é o bálsamo que cura.

Eu aprendi que as feridas do meu coração sarariam com o tempo: Jesus é o bálsamo que cura. Click To Tweet

Eu aprendi a reconhecer os meus erros, mesmo tendo experiências ruins, eu sou culpada pelo que eu fiz de errado, não posso culpar o outro por erros que eu cometi. Deus, o justo juiz, nos julgará individualmente. Todos pecamos e fomos separados do amor de Deus e precisamos de mudança de vida.

Não importa o quão escuro seja o seu passado, o Senhor oferece remissão de pecados, basta buscá-lo como suficiente Salvador e Senhor e arrepender-se genuinamente de seu pecado, [e confiar a Ele sua vida].

Aprendi de verdade a amar e orar pelos meus inimigos, pois o Senhor se sacrificou por mim e também por eles. O amor dEle, Sua graça e misericórdia, são para todos!

O Senhor cuidou de mim e Ele tem cuidado todos os dias.

Hoje, a minha mãe é divorciada e eu a amo, ela me ama e ama a neta que dei a ela. Não há ferida ou decepção que me faça duvidar do quão grande é o amor de Deus por mim, que me salvou, me redimiu, me curou e me transformou.

Não se trata de uma história triste, e sim de uma história de amor. O verdadeiro Pai que está no céu protege, cuida e ama. E por ser tão amada eu não posso deixar de amar a todos – recebi a graça de um amor perfeito que não cabe em mim, preciso distribuí-lo, principalmente para aqueles que ainda sofrem e choram.

Hoje escrevo isso sem nenhum resquício de dor.

Com todo o carinho e amor que carrego comigo, às meninas do Graça em Flor.

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Esse testemunho é para mim muito especial pois vem não de um e-mail anônimo, mas de uma amiga que tenho o privilégio de abraçar na vida real. E se você a conhecesse, não imaginaria que ela passou por tudo isso. Ela é toda sorrisos e abraços. É a prova viva de que existe um Deus que resgata pessoas do vale profundo da morte e da dor – e as leva para um lugar de descanso e amor. Sua filha é um presente para ela e para nós, que temos a alegria de conviver com elas!

Eu tenho aprendido aos poucos que quanto mais escuro o céu, mais forte brilham as estrelas. Assim também, quanto mais sombria a vida, mais forte brilha Cristo.

Compartilho esse testemunho na esperança de encorajar meninas que passaram/estão passando por isso a saberem que existe cura, existe redenção – em Cristo somente.

Compartilho também na esperança de acordar a igreja: quantas vezes nossas meninas têm passado por isso e nós fechamos o olho? Minha amiga faz essa denúncia nesse texto ao dizer, “Todos pareciam estar de olhos vendados, como podiam não perceber?  Eu via as pessoas fechando os olhos para aquilo, as pessoas da minha igreja, até mesmo o meu pastor.” Isso é forte! Vamos pedir ao Senhor que abra nossos olhos e fortaleça nossos ombros para protegermos umas às outras.

Em Cristo,
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