Terapia, Por Que Não? Uma Resposta Cristã

Começo esse texto dizendo: terapia não é pecado. Quero ser clara e amável com essa afirmação, uma vez que muitos cristãos carregam sobre si uma culpa que deveria ser inexistente no que diz respeito ao uso de terapias para sua saúde mental. Argumentos como “você precisa orar mais”, “deve ser algum pecado oculto”, “isso é falta de fé” generalizam um assunto que envolve não apenas comportamento, mas a vida. Não podemos menosprezar a dor e sentimento de quem quer que seja. O sofrimento psicológico é real para quem o sente e não podemos nomeá-lo como inválido ou “frescura”.

“Criou Deus, pois, o homem a sua imagem, a imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:27).

Como coroa da criação possuímos a imagem de Deus, ou seja, somos dotados das faculdades de raciocínio, de expressar emoções e agir voluntariamente. Evidente que o pecado distorce nossos sentimentos, mas apesar disso, em nenhum momento eles deixaram de existir, ou se tornam blindados aos transtornos que afetam a saúde mental de uma pessoa. Assim como nós temos doenças físicas por causa da queda, afetando nosso aspecto físico, também temos problemas que afetam nossa mente. As consequências da queda atingem a totalidade do ser humano. Adoecemos física, emocional, psicológica e espiritualmente! Somos seres complexos, e por isso precisamos compreender nossos problemas levando em consideração tal complexidade.

Diante disso, qual seria o objetivo da Psicologia? Em uma definição bem simplista, ela objetiva compreender o comportamento humano, na medida em que desenvolve teorias e técnicas para transformá-lo. A Psicologia é uma ciência — até o momento — que tem como objeto de estudo a mente ou a alma, e ao saber disso, logo se presume uma área perigosa ou inapta para um cristão. A verdade é que de fato ela pode ser. Fechar os olhos para os problemas que encontramos nela pode ter sérias consequências, por isso a ressalva a seguir.

A psicoterapia é uma conversação intencional que acontece sob a orientação do terapeuta, não sendo neutra em seus valores. Ela é estruturada pelo olhar atento e interpretativo e pelas intenções das partes envolvidas. Todos os profissionais ministram uma cosmovisão e um conjunto de crenças fundamentais sobre a natureza humana. As suas teorias estão repletas de pressuposições sobre quem somos, por que fazemos o que fazemos e para onde estamos indo.

Tais pressuposições vieram por influência de uma fé e aqui está o alerta: a fé de um profissional nessa área é um aspecto determinante e indispensável ao buscar fazer terapia. Isso é de extrema importância para nós, crentes em Jesus, visto que um psicólogo cristão parte de uma concepção do homem baseada na revelação de Deus, fazendo com que o tratamento pela saúde mental do paciente ande em conjunto com a vida espiritual, mostrando até mesmo que algumas vezes pode não se tratar de estar doente ou perdido, mas sim de um traço do caráter maligno da própria natureza humana.

Afirmo isso, pois as observações do profissional cristão fornece exemplos e detalhes que ilustram o modelo bíblico e completam nosso conhecimento. Elas podem também ter um papel provocativo, desafiando-nos a desenvolver nosso modelo em áreas sobre as quais não temos pensado ou que estamos negligenciando. O que quero dizer é: a saúde mental de um cristão pode ser tratada com um profissional da psicologia que esteja em consonância com o Cristianismo e isso trará um espaço maior para desenvolver empatia e compreensão. Tendo uma cosmovisão cristã, o psicólogo pode reter o que há de bom na ciência psicológica e aplicar na prática o que não vá contra os princípios bíblicos.

Outro ponto importante diz respeito à troca dos aconselhamentos pastorais ou com irmãos em Cristo pela terapia. Olhando para trás, é possível perceber que a busca pela resolução de problemas relacionados às emoções ou à mente era a própria igreja ou pastor. Diante disso, será que de fato a Psicologia veio tirar a função pastoral no meio cristão? A Bíblia não é suficiente?

Conversando com a psicóloga Larissa Lima, pude compreender que uma das funções de um psicólogo é ajudar o paciente a desenvolver habilidades de enfrentamento e de regulação emocional. É ajudar a lidar, conhecer e enfrentar as situações que o envolvem para que assim ele possa vir a “andar com suas próprias pernas”, reconhecendo, por exemplo, quando está chegando uma crise ou uma recaída, de modo que o paciente fique independente do terapeuta em determinado ponto para seguir sua vida.

Todo esse estudo e conhecimento por vezes não é buscado por líderes espirituais, que falham em atualizações nessa área, tornando a igreja inerte à realidade atual. Infelizmente muitos pastores nem cogitam a existência de transtornos mentais, e logo alegam pecado ou falta de fé. Diante disso, uma pessoa busca refúgio somente na terapia e não na igreja, o que potencializa esse efeito de buscar mais a terapia no lugar de aconselhamentos. O ideal seria atrelar terapia e aconselhamento, cabendo ao terapeuta apontar o problema, trazer à superfície a causa-efeito daquilo tudo, e ao conselheiro orientar de forma bíblica, trazendo a Palavra de Deus a fim de evidenciar, pelos valores da fé cristã, as atitudes erradas, para que a pessoa não se torne vítima do seu próprio comportamento a ponto de se isentar de assumir suas responsabilidades.

A Psicologia, assim como qualquer ciência, se diferencia do Cristianismo porque o objetivo dela não é e nem deve ser a redenção do homem. As duas se encontram em campos distintos. O objeto de pesquisa é diferente. Porém isso não significa que não possam se comunicar. Pelo contrário, entender os limites dos dois campos é necessário para que haja um diálogo honesto e saudável.

A verdade de Deus é a única verdade absoluta, e tudo está sob o governo de Cristo. Portanto, como cristãos devemos saber que não é a Psicologia que nos ensina a ler a Bíblia, mas a Bíblia que deve nos ensinar a ler a Psicologia e qualquer outra ciência. Isso quer dizer que Deus atua por meio de sua graça comum na Psicologia, e existe beleza e verdade nessa ciência que glorifica a Deus.

Isto posto eu pergunto, por que não terapia?

Se eu conheço uma irmã que sofre de depressão severa ou algum tipo de transtorno de ansiedade, devo pedir simplesmente que ela encontre a solução do seu problema na Bíblia? Se um irmão estiver com alguma doença, a exemplo da  diabetes, da hipertensão ou do câncer, devo pedir simplesmente que ele leia a Bíblia? A resposta é NÃO. Embora a Bíblia seja suficiente, ela não se propõe a ser manual de Psiquiatria ou de qualquer outra área do gênero, ela é suficiente dentro do propósito dela: a salvação das pessoas por meio de Cristo e o amadurecimento na fé.

O que mais uma vez sugiro para o bem da pessoa adoecida é que o seu problema seja analisado levando em consideração suas várias facetas: ela pode muito bem ir para a terapia e ao mesmo tempo receber aconselhamento pastoral. Por que não?

Por fim eu me direciono amavelmente às pessoas que têm algum transtorno mental: não permita que tudo na sua vida se resuma a isso. Você não é seu transtorno mental. Você pode estar afetada, sim, por tais circunstâncias, mas nunca será resumida a elas. Isso é terreno e um dia vai passar. Aquele que lhe confere a sua identidade e a define como filha de Deus é maior do que todas essas coisas. O próprio Universo se libertará do cativeiro da mortalidade e será trazido à liberdade e ao esplendor dos filhos de Deus. Que sua realidade possa te constranger e te impelir para Deus, nossa esperança e único refúgio. Ele é aquele que te amou e entregou a si mesmo por você. 

Jason M. Garwood em sua obra Reconstruindo o CoraçãoRumo a uma teologia das emoções diz: “Em tudo que sentimos – toda consternação e alegria, mágoa e felicidade – devemos entregar-nos ao pensamento e ao sentimento bíblicos. Nenhum ambiente é tão mau que Deus não possa sobrepujar. Nenhuma educação é tão má que você não possa trabalhar em Cristo para seguir uma rota diferente. Nenhuma mágoa é tão profunda que impeça seu Salvador de compadecer-se por você. Nenhuma cicatriz emocional é tão ruim que o bálsamo de nossa união com Cristo não possa curar. Você não é o produto do seu ambiente: é um ser humano feito à imagem de Deus, e Cristo veio para garantir que essa imagem seja plenamente restaurada.”

Não ignore suas emoções ou resista  tratá-las. Elas fazem parte da sua vida, e ela é valiosa para Deus.


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