Tarde te Amei (Sobre ídolos)

Agostinho disse,

“Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!”

Você já sentiu isso, não é mesmo? O encantamento da experiência de Agostinho ressoa diretamente do século IV até hoje, seu som é ouvido nas páginas de ‘Confissões’, obra de onde o texto acima foi retirado. Estudos sobre os escritos e contribuições do autor são prioridade nos melhores seminários de teologia e igrejas que admiram a história do cristianismo. Se você nunca o leu, precisa fazer isso urgentemente! Costumo dizer que depois da Bíblia, esse é um autor que todos deveríamos nos atentar a conhecer.

Agostinho é assustador, seus textos costumam nos deixar de olhos arregalados, e nossas respostas mentais geralmente vem em frases como “é isso mesmo! É assim que acontece!”. É comum dizerem que a leitura de Agostinho nos faz ‘intrusos’, as falas do autor direcionadas à Trindade são de extrema intimidade. Em algumas frases parece que ele me conhece mais do que eu mesma; mas o que realmente acontece é que se trata de um homem com autoconhecimento aguçado, ou melhor, um homem que conhecia e era conhecido pela graça de Cristo, que o iluminava por dentro, deixando-o conhecer-se com mais profundidade e exatidão.

Conforme o texto expõe, Agostinho era encantado com a graça de Cristo, e ter contato com esse encanto em seu texto gera um sentimento que nos arrebata por um momento, porque sabemos que algo parecido ocorreu conosco, quer dizer, essa luz já brilhou para nós, essa beleza já foi vista por nós, esse sabor já é conhecido do nosso paladar espiritual, porém, às vezes minha reação a Agostinho é de tristeza, e por muitas vezes pergunto: “Por que esse encantamento não continua? Por que esse entusiasmo amenizou? O que aconteceu comigo?”.

Bem, é fato que com muita gratidão olhamos o alcance da misericórdia de Deus para com nossas vidas, que ótimo que sentimos necessidade de retornar a esse estado, que ótimo anelarmos por isso, que ótimo termos saudade; isso prova a veracidade de um amor forte, verdadeiro e perfeito, prova ainda mais a obra de resgate e filiação de Deus, que somos Dele; penso que só alguém atingido pela graça sente falta da comunhão com Deus e do prazer desse relacionamento.

Agora, vamos pensar no que pode estar acontecendo conosco, há alguns dias conversei com uma amiga e percebi a facilidade de perdermos a direção. Posso afirmar que a distração com outras luzes ocorre bastante comigo, acontece algo parecido com você? As luzes desse mundo podem nos ter feito esquecer da Luz que deve reinar na nossa escuridão; isso é perigosíssimo, porque, consequentemente, se nos afastamos da Luz que rompe nossa escuridão, corremos o sério risco de começar a flertar com a escuridão que nos cativa, levando-nos ao processo oposto da experiência de Agostinho, levando-nos a ocultar-nos de nós mesmas… querem saber, falando bem diretamente, traímos a Deus!

Se nos afastamos da Luz que rompe nossa escuridão, corremos o sério risco de começar a flertar com a escuridão que nos cativa. Click To Tweet

Olhamos para outras luzes, flashes de realizações pessoais, de relacionamentos amorosos, de ansiedade, de alegrias momentâneas e luzes inferiores em beleza e majestade, luzes que nos encantam sem nos revelar quem somos, somos amantes da ignorância. E por que isso? Talvez, por que a realidade fere? Outros problemas, ainda devastadores nos mantém quietas em ‘luz ambiente’. O vazio, frustração, sensação de futilidade em função da perda de identidade; em função de esquecer quem realmente é, são diversas as faces do pecado que nos levam à margem. Que triste realidade, que situação lastimável, o problema somos nós outra vez!

Bem, e o que fazer? Minha sugestão é lembrar dessa graça, simples assim; porque quando o Noivo vem com sua exuberante beleza, todos os amantes são reduzidos a vermes inúteis.

Precisamos da Luz radiante de um Salvador. Pensemos um pouco no nosso Cristo, a fim de que nossos ídolos caiam! Em João 4 Jesus conversou com uma mulher amante dos prazeres do mundo, uma mulher que certamente possuía um semblante abatido de quem sempre se frustra após correr atrás de pequenos prazeres que justifiquem a sua existência. Cinco maridos e um caso, no mínimo, constando em seu histórico, muita sujeira, muito peso, muita insatisfação, muita ignorância…e ainda assim, o Mestre falou com ela, o Mestre foi onde ninguém gostaria de estar!

O Logos, o que sempre existiu, que inclusive criou todas as coisas, cheio de pureza, santidade, poder e glória, quis mostrar-se à uma pecadora como nós; e não somente falou, como claramente e graciosamente se apresentou: “Então Jesus declarou: ‘Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você’” (Jo 4:26). Jesus colocou-se como alguém digno de ser crido, alguém esperado, alguém divino, capaz de abastecer aquela alma seca e escura de real admiração pela Sua beleza e esplendor! A graça foi ativa (como sempre é), e brilhou para aquela mulher.

Queridas, o mesmo Jesus que um dia nos encantou, ainda se apresenta a nós, postulando-se como o desejado das nossas almas, o soberano dos nossos corações. A culpa já foi levada, não precisamos do peso que a nossa autocobrança gera o tempo todo, porque esse peso nem existe mais! Ele carregou, Ele fez por nós, não se baseia em mérito da nossa parte, Ele sofreu por nós! Pensem bem, não só Agostinho que “tarde O amou”, nós também O amamos muito tarde, mas Ele nos amou antes do universo existir; antes disso tudo Ele já havia determinado nos amar até o fim, já havia decretado ser a nossa eterna luz.

Meninas, a Luz brilha eternamente, mas a Luz que brilha quer exclusividade, ela não vai nos encantar enquanto os nossos corações estiverem divididos entre Cristo e encantos desse mundo. Então, se pudermos fazer algo, além de rememorar a beleza de Cristo, que tal questionarmos a qualidade das luzes do mundo? Que tal perguntarmos, “A sua ausência faria diferença na minha vida? O que realmente você me proporciona? O que você fez por mim?”; e assim perceberemos quanto tempo gastamos admirando quadros sem beleza alguma?

Cristo fez a mais bela obra já vista, escreveu a mais bela história para o seu povo. Ele escolheu o seu povo, o curou da surdez e da cegueira, mostrou-se e nos fez sentir de Seu perfume, inconfundível e altamente agradável, um companheiro perfeito que nos deixa apaixonadas por Sua presença, um presente e alimento para alma, uma transformação inteiramente constrangedora e eterna.

Nos voltemos para a Beleza que um dia nos cativou, porque Ele, em sua imutabilidade, não deixou de ser menos belo e atraente; e, mais do que isso, não deixou de particularmente nos amar, com o mais belo amor que se origina de quem Ele é.