Somos Frutos do Amor e Feitas Para Amar (Sobre Amizades Femininas)

Comumente qualquer pessoa é mais disposta a ser servida do que a servir. Esse pensamento pode não ser dito por nossos lábios, mas de alguma forma nossa vida representa isso, inclusive ao cultivar relacionamentos. Com certeza gostamos de ouvidos atentos ao nosso falar, de mãos ligeiras a nos abraçar e socorrer, de casas abertas para nos receber. Mas o ponto é: qual foi a última vez que essas atitudes partiram de você?

Por volta de 2017 eu estava regressando à cidade dos meus pais após quase 6 anos morando na cidade em que me graduei. O tempo de faculdade foi maravilhoso, e vivi momentos que levo por toda a vida, principalmente as pessoas que ali estiveram. Desenvolvi uma amizade real e forte com duas amigas e foi duro me despedir delas. O velho lugar ao qual eu retornava estava diferente — o que é naturalmente esperado—  e tudo aquilo no fundo me deixava com um sentimento de solidão e falta de pertencimento. Eu tinha contato com algumas pessoas da igreja, saíamos após o culto, mas faltava algo: intencionalidade.

Relacionamentos necessitam de intencionalidade e pela misericórdia e graça de Deus eu percebi isso. Depois de profunda intimidade com o Senhor, muita oração sobre todos aqueles sentimentos, Deus me ensinou que essa intencionalidade deveria partir de mim, mas não com a intenção de receber alguma gratificação ou ter minhas necessidades saciadas, pelo contrário, a alegria e o contentamento da amizade estariam justamente no ato da doação, no amor a ser cultivado.

Decidi, então, me aproximar de algumas moças da igreja com quem eu não tinha contato, eram jovens que sempre estiveram ali, mas nunca tive a iniciativa de saber mais da vida delas, de seus problemas, suas necessidades. Iniciamos reuniões semanais preenchidas com discipulado, conversas, comidinhas e visitas. Doei-me em completo amor àquelas moças com aquilo que estava ao meu alcance, a fim de conhecê-las cada vez mais. E nisso tudo afirmo para você, foi um período da minha vida onde floresci sem medidas, em todos os sentidos. Minha intimidade ancorada no Senhor, a riqueza da comunhão e da vulnerabilidade com pessoas humanas, caídas e incompletas como eu, me fez mais forte na causa de Cristo. E isso é obra do Espírito Santo.

Meu relato pessoal tem o intuito de contradizer o que o mundo diz a respeito da amizade, cuja essência está no pecado do egoísmo. Hoje em dia a ideia é que nossas necessidades devem ditar a nossa busca por relacionamentos, ou seja, tudo deve estar baseado nas minhas necessidades, nos meus desejos. O problema é que buscando isso, estamos indo na direção oposta do que Deus deseja. A visão cristã seria não olharmos para nós mesmos nem querer amizades baseadas em nós, mas sim cultivar um relacionamento de amizade quando não recebemos nada em troca, isto é, amar de forma sacrificial. Precisamos impedir que essa visão mundana entre em nosso coração, e no seio da igreja, e precisamos antes de tudo encontrar na pessoa de Jesus Cristo a fonte de saciedade das nossas reais e mais profundas necessidades, para só então desenvolver e desempenhar um papel de amigo. Somente com Deus e na força dele é que relacionamentos intencionais são possíveis.

Uma segunda lição que aprendi naquele tempo, e que carrego por todos esses anos, é lembrar constantemente que faço parte de um corpo,a Igreja de Cristo, lugar que nos torna dependente uns dos outros, e isso nunca será sinal de fraqueza, mas sim sinônimo de força e união. O mundo nos diz que não precisamos de ninguém, que somos completas em nós mesmas. Quanto engano e sofrimento essa mentira pode trazer! Carecemos de mutualidade, fomos criados para viver em comunhão e trilhar esse caminho sendo suporte uns dos outros. Amar o outro é vital para a nossa existência, pois esta é a prova de que realmente estamos vivos para Deus –  “nisto todos conhecerão que vocês são meus discípulos: se tiverem amor uns aos outros” (Jo 13:35), e: “Quem não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4:8). Um amor recíproco é uma necessidade vital de todos nós; e é também um desafio constante, mas, acima de tudo, é uma benção inestimável da qual nenhum de nós pode abrir mão.

Somos fruto do amor e feitos para amar. Egoísmo e solidão não devem fazer parte da “nova natureza” que recebemos do Pai, pois “nenhum de vós vive para si mesmo, nem morre para si” (Rm 14:7). Se recebemos a capacidade de amar, foi para que “nos amemos uns aos outros”. Esse é o nosso desafio, a nossa vocação. Eu então lhe pergunto: como você pode estar bem consigo mesmo e com Deus se fecha os olhos para seu irmão, cujo sofrimento você bem conhece? O amor que se manifesta em nosso coração, esse amor puro e verdadeiro derramado do céu sobre nossa vida, deve eliminar todo o individualismo e egoísmo a fim de que nosso testemunho glorifique o Santo nome de Deus. 

De forma bem prática, podemos cultivar um  relacionamento intencional e demonstrar esse amor agindo com generosidade (2Co 9:11); socorrendo e servindo ao próximo ao se dispor, por exemplo, a ajudar uma mãe com os seus filhos em alguma parte do dia que ela mais necessite; fazer comida fresca para uma mulher no seu puerpério ou doente e sem condição física para os afazeres domésticos; passar um tempo precioso na casa de alguma irmã idosa ou viúva que mora sozinha; podemos trazer encorajamento, dar bons conselhos ao organizar encontros para discipulado com moças mais jovens, e por fim demonstrar sensibilidade ao mandar mensagens para alguém perguntando sobre seu dia, se há algum pedido de oração a fim de orarem juntas.

Os exemplos não são exaustivos, mas por meio deles meu desejo é que você se sinta encorajada e desafiada a compartilhar o que é e o que tem com o seu próximo.  A pessoa que participa do culto com você, seja ela membro da igreja ou visitante, é o desafio que Deus traz para sua vida. Suas atitudes se transformarão em “pedra viva” ou “pedra de tropeço”? Trarão edificação ou ruína? Servirão como inspiração ou desestímulo?

Caso isso seja algo difícil demais a ponto de você não se ver sendo intencional dessa forma, você precisa examinar a si mesma para verificar se está ou não em comunhão com o Senhor Jesus. Ele é nossa fonte de água viva e é através dele que podemos cultivar relacionamentos sem nenhuma sede, uma vez que ela já foi saciada por Cristo. Essa verdade é libertadora pois ao invés de buscar que minhas necessidades sejam satisfeitas eu tenho algo para dar e isso pra qualquer pessoa, sem preconceito, sem critérios de avaliação e sem rótulos. Isso nos deixa mais perto de Deus e das pessoas. O Senhor quer ver manifestação de amor, de comunhão e de interesse mútuo. Afinal, uma das coisas que torna a amizade importante é que ela nos ajuda a aprofundar o nosso contentamento no Senhor e nas coisas que Ele nos dá.

Um relacionamento cheio de intencionalidade reflete alegria e companheirismo. Juntas nos alegramos, mas também lutamos contra nossos pecados, contra o fardo do mundo e do Inimigo. Comece sendo essa amiga para alguém na sua igreja local. Cultive esse amor que aponta para Cristo. Se você encontra dificuldade para isso, converse com seu pastor, ele tem esse papel de ajudá-la a frutificar esse tipo de relacionamento. Mas antes de tudo, fortaleça sua amizade com Jesus Cristo. A solidão nunca é aplacada por conta da amizade com outras pessoas, mas sim pela nossa aproximação real a Cristo. Primeiro ame a Deus acima de todas as coisas e depois ame o próximo.

Precisamos resgatar o que fez tanto sucesso no passado, na igreja primitiva – a mutualidade cristã – não porque tenha sido um modismo que deu certo, mas por ter sido a estratégia que Deus criou para eles e para nós. Somos família de Deus, corpo de Cristo, irmãs umas das outras, por isso é imprescindível que haja entre nós acolhimento amoroso. Deus nos amou e, apesar de nossas fraquezas, nos aceitou como filhas. Por isso, seguindo esse exemplo, o que se espera de nós é que saibamos dar de graça aquilo que recebemos de graça: amor, perdão, carinho e amizade.


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Agosto com o tema “A Mulher na Igreja”. Para ler todos os posts clique AQUI.