Servindo Como o Mestre (A Mulher e a Liderança na Igreja)

Na escola, eu era a criança que as boas professoras chamavam de “líder” para não chamar de “mandona”. Minhas primas sabiam que, quando brincávamos, eu provavelmente escolheria o jogo. Como diz a expressão em inglês, eu dizia “pulem” e elas perguntavam “o quão alto?” Acho que foi só na vida adulta que eu realmente compreendi essa parte da minha personalidade, e soube separar as ervas daninhas do meu orgulho dos brotos saudáveis de um espírito de liderança dado por Deus. 

Ser uma mulher líder no mundo secular ainda é algo difícil, mesmo em 2022. Mas ser uma mulher líder dentro das igrejas cristãs traz um nível de dificuldade ainda maior. Não podemos simplesmente dizer que temos habilidade e propensão para liderança sem termos que, primeiramente, defender porque cremos que a Bíblia não nos condena nisso. Recentemente escrevi um livro inteiro expondo minha visão sobre o papel da mulher, tanto na sociedade, quanto na igreja, portanto não pretendo fazer todas as minhas defesas neste artigo. Entretanto, deixe-me tentar, de maneira resumida e recortada, explanar brevemente minha visão. 

Permissão divina para liderar

A maior parte dos argumentos que encontro, contrários à liderança das mulheres na igreja, busca expor versos como Efésios 5, 1 Coríntios 11 e 1 Timóteo 2. Nessas passagens, o apóstolo Paulo diz, “a mulher deve aprender em silêncio”, e “não permito à mulher ensinar o homem”. Isso deixa claro, alguns concluem, que é proibido à mulher qualquer tipo de liderança sobre o homem dentro da igreja. Outros vão expandir esse argumento para dizer que à mulher não cabe nenhum tipo de liderança na sociedade como um todo, mas meu desejo aqui é focar apenas na mulher dentro da igreja. O que podemos dizer, então? Paulo realmente disse que as mulheres devem ficar absolutamente em posições de submissão e nunca de liderança?

Cabe primeiramente, creio eu, definirmos liderança. O dicionário Michaelis de Língua Portuguesa traz a seguinte definição: “Função de líder; que revela autoridade; pessoa com espírito de (…) líder.” Assim sendo, aqueles de nós que consideram bíblico que a função do pastorado, ou da autoridade eclesiástica, seja dada apenas a homens específicos, concluem não caber às mulheres nenhuma liderança eclesiástica. Mas eu creio que exista uma distinção importante entre autoridade eclesiástica e liderança de ministérios

A Bíblia estabelece, desde o Éden, uma hierarquia de liderança entre os sexos — o homem é criado primeiro, a mulher depois. E Paulo usa justamente esse argumento de primogenitura (ter “nascido” primeiro), um argumento comum na cultura da época, para defender a autoridade eclesiástica masculina. Entretanto, desde os sacerdotes do Antigo Testamento até os apóstolos e presbíteros do Novo Testamento, a autoridade masculina é instituída aos cabeças das famílias (no lar e na igreja), e não a toda e qualquer função dentro das igrejas. A mulher não se torna a cabeça da igreja quando serve como líder de áreas/ministérios específicos dentro da instituição, assim como qualquer homem que cumpra a mesma função tampouco vira pastor.

Assim sendo, creio ser possível defender biblicamente o pastorado exclusivamente masculino, e ao mesmo tempo defender que a mulher possa liderar ministérios que não sejam o pastorado.

Liderando como Cristo

Uma vez que defendi que a mulher pode liderar na igreja, quero agora definir como penso que ela o deva fazer. E sabe o que é interessante? O que eu defenderei nessa parte, penso ser válido tanto para as líderes quanto para os líderes — não há distinção  entre a liderança masculina ou feminina.

O Cristianismo é a religião da imitação — o apóstolo João disse, “aquele que afirma que permanece [em Cristo] deve andar como ele andou”, ou seja, ser como ele foi. Em relação ao tema de nosso estudo, que tipo de líder Cristo foi?

Em primeiro lugar, Cristo foi um líder servo. Os dois termos parecem opostos, mas no caso de Jesus, eles não o são. Pelo contrário, são duas faces da mesma moeda. Quando Cristo aceitou fazer o trabalho mais desprezado de sua sociedade (o de um escravo) ao lavar os pés de seus discípulos, ele mesmo disse, “sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei os seus pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz” (cf. Jo. 13:14-15). 

Para a mulher que lidera qualquer tipo de serviço na igreja local — seja o departamento infantil, o ministério de mulheres, a tesouraria, o louvor, ou qualquer outro — saiba que não há espaço para holofotes entre os servos de Cristo, nem mesmo entre aqueles que têm papel de liderança e proeminência. Se nosso Senhor e Mestre lavou pés, como ousaríamos querer que outros lavem os nossos? Tiremos nossas túnicas, amarremos toalhas sobre nossa cintura, e lavemos os pés sujos de nossos irmãos e irmãs. 

Nossa missão, ao contrário daquilo que é esperado de líderes fora da igreja, não é sentarmo-nos no lugar mais alto, gritando ordens aos que estão abaixo de nós. O Reino de Deus é um reino do avesso onde os líderes servem, e os últimos serão os primeiros. Nunca se esqueça disso enquanto lidera. 

Em segundo lugar, Cristo foi um líder gracioso. A palavra “graça” significa que nós recebemos algo que não merecemos (enquanto “misericórdia” significa que não recebemos o que de fato merecíamos — a ira de Deus). Cristo foi o tipo de líder que demonstrou àqueles que estavam sob sua liderança paciência, cuidado e amizade imerecidos. Pense, por exemplo, em Pedro. Quantas vezes o discípulo precisou ser repreendido por Cristo, e quantas vezes o Mestre o trouxe de volta, demonstrando paciência em não só exortar, mas ensinar? Algo que sempre me deixa emocionada é pensar que, depois de Pedro ter negado a Cristo três vezes, o Mestre o permitiu declarar também três vezes, “sabes que te amo, Senhor” (cf. Jo. 21:15-18). Era como se Jesus estivesse dando a Pedro a oportunidade de redimir suas três negações com três declarações de amor. Quanta graça!

Cristo também não tomou as ofensas de seus discípulos – quer suas negações ou suas dúvidas acerca de seu senhorio – de maneira pessoal. Ele não se assentou no canto de seu “escritório” ponderando o quão ingratos seus servos eram por não reconhecer tudo o que ele fez por eles. A autocomiseração nada mais é que uma forma de orgulho. Quando aqueles que você serve não mostrarem gratidão ou reconhecimento pelo seu trabalho em liderá-los, lembre-se que Deus vê e Deus recompensa, e isso basta.

Em terceiro lugar, Cristo foi um líder multiplicador. Em seus anos de ministério terreno, Cristo garantiu que seus discípulos fossem treinados e capacitados para o serviço que ele os confiaria. Ao contrário da prática de muitos de nós, a liderança de Jesus não era egoísta, buscando holofote para si, impedindo que outros crescessem em capacitação. Quando Cristo ascendeu aos céus, ele deixou a Grande Comissão na confiança de que seus discípulos poderiam continuar a obra. E o mais importante — Cristo deixou o Ajudador, seu próprio Espírito, na missão de garantir que seu Reino continuasse através de seus discípulos e da multiplicação que eles continuariam a fazer em seu nome. E, pela graça divina, esse mesmo Espírito habita em cada um de nós, e em cada um daqueles que lideramos, capacitando-nos todos a servir por amor a Cristo.

Finalmente, acho importante lembrarmos que Cristo foi um líder perfeito, e nós não somos. Nosso objetivo é receber a grande responsabilidade de liderar com humildade sabendo que, ainda que busquemos excelência em tudo que fazemos, jamais seremos perfeitas. Nós cairemos, erraremos e machucaremos aqueles que estão sob nossa direção. E por isso, precisamos estar sempre humildemente preparadas para pedir perdão e restaurar relacionamentos. Mas seja encorajada pela verdade de que o Espírito de Cristo em você te capacita para aquilo que ele te chamou a fazer. Quando cair, receba ajuda, receba exortação. Mas não fique caída, levante-se! Há muito trabalho a ser feito pelo Rei e pelo Reino!

Um dos meus versos preferidos da Bíblia está em Provérbios: “Esforce-se para saber bem como suas ovelhas estão, dê cuidadosa atenção aos seus rebanhos” (27:23). Esse é nosso chamado enquanto líderes — servir bem nossos rebanhos, conhecer suas necessidades e, ao final do dia, confiá-los ao Santo e Perfeito Pastor, o verdadeiro Líder de todos nós.


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Abril com o tema “Serviço”. Para ler todos os posts clique AQUI.