Querida Flavinha, carta 6 – A intimidade de ser um (O significado do sexo)

Essa série, “Querida Flavinha”, é uma compilação de cartas sobre casamento que estou escrevendo e enviando à minha prima, Flávia. Ela me permitiu postar o conteúdo no Graça com o objetivo de ajudar quem estiver, assim como ela, se preparando para o matrimônio. Essa é a Carta 6, sobre intimidade sexual.

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Querida Flavinha,

Chegamos à carta mais íntima, e talvez por isso mais desafiadora, de nossas correspondências — a carta sobre sexo. Mas não se preocupe, eu não vou te dar detalhes embaraçosos ou fazer com que você se sinta desconfortável. Meu objetivo não é prático mas teórico. Quero que conversemos sobre o que significa a intimidade sexual dentro do casamento, de acordo com a Palavra de Deus. A parte prática, afinal de contas, precisa ser conversada com pessoas frente a frente, e muito dela precisa ser aprendido por nós mesmas. Então fiquemos com a teoria, por ora, e quem sabe em visitas futuras, frente a frente, tenhamos conversas mais abertas, como primas-irmãs que somos.

Comecemos pelo básico, então: o que a Bíblia diz sobre sexo? Claro que a gênese de tudo está na Criação e na ordem que o Senhor deu a Adão e Eva: “E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne” (Gn. 2:22-24, grifo meu). “Tornar-se uma só carne” é uma expressão talvez um pouco confusa (ou talvez bastante explícita) sobre a intimidade sexual. Desde a criação o sexo existe, criado por Deus como algo bom e agradável. As primeiras palavras da Bíblia, “No princípio criou Deus”, nos mostram que tudo foi criado por Ele, e isso inclui o sexo. Não há nada que seja “secular” ou “espiritual” em nossas vidas. Tudo no Universo é sobre Deus.

Entretanto, muitas de nós fomos criadas sob a influência de ensinos que fazem do sexo um tabu. Nos disseram que de sexo não se fala (e muito menos se pensa). Gerações passadas jamais falavam com seus filhos abertamente sobre o tema, e muitas mulheres apenas descobriam de que se tratava em suas noites de núpcias (dá pra imaginar o trauma?). Nós vimos nossa sociedade ir de um extremo, onde o sexo era completamente rejeitado em conversas, a outro onde o sexo é banalizado e tratado abertamente das maneiras mais cruas e inapropriadas possíveis. Nenhum dos dois extremos compreende uma visão saudável e bíblica da intimidade no matrimônio criada por Deus. 

O apóstolo Paulo disse a seu discípulo Timóteo que “tudo que Deus criou é bom” (cf. 1 Tm 4:4), um eco daquilo que o próprio Deus disse repetidas vezes sobre Sua criação. Quando tratamos o sexo como uma prática terrível em si mesma, diminuímos e menosprezamos algo que o próprio Deus chamou de “bom”, que Suas próprias mãos criaram. Acabamos tratando o sexo como uma invenção humana, como se Deus tivesse piscado e os homens tomaram a liberdade de criar algo tão “nojento” e “desprezível”. 

Não somente esse pensamento é ofensivo à Divina Criação, é também perigoso. Muitas pessoas, especialmente mulheres, se veem tão presas nessas mentiras que encontram grande dificuldade em participar da intimidade matrimonial depois de casadas. Eu já cheguei a ouvir uma pessoa dizer, certa vez, que não conseguia ler a Palavra com seu marido à noite e depois ter intimidade sexual. Veja como associamos o sexo ao pecado, como se ele o fosse em si mesmo! Que nós possamos nos livrar de ideias erradas e buscar na Palavra o que o próprio Deus diz, nos libertando assim de traumas que não fomos chamadas a carregar. O sexo é bom e agradável, planejado e criado pelo próprio Deus.

Por outro lado, não podemos tampouco pensar que o sexo seja apenas sobre paixão carnal. Claro, há esse elemento envolvido, mas o sexo foi criado para refletir intimidade, e essa é a palavra-chave nesse tema. A prática sexual no matrimônio reflete a intimidade interminável que Deus escolheu ter conosco através do sacrifício de Jesus Cristo. No sexo nós nos permitimos ser o mais vulneráveis possível e mostramos quem realmente somos na esperança de sermos aceitas e amadas por completo. Da mesma maneira, por causa do sangue de Jesus que nos cobre nós podemos nos achegar a Deus completamente “despidas”, sabendo que Ele nos recebe, aceita e ama por completo. Que bela verdade do Evangelho! 

Justamente por causa desse significado tão intenso e profundo é que o sexo é guardado para o matrimônio, desde sua gênese. Compreendemos que tudo o que Deus faz é para nosso bem e que todas as Suas leis são para nossa proteção e bem-estar (veja Deuteronômio 6:24). E não só isso, mas como todo o resto que Deus criou o sexo não é sobre nós, mas sobre Ele. Portanto, querida, precisamos pensar — estamos usando o sexo para nossa própria glória e prazer ou para a glória de Deus? 

Essa noção nos traz à questão da satisfação. O sexo não foi feito para nossa satisfação pessoal, e se tentarmos encontrar preenchimento nele sairemos insatisfeitas. Pense nas milhares de pessoas viciadas em pornografia, por exemplo, buscando satisfação no prazer sexual sem compromisso relacional. Por que elas voltam, vez após vez, às telas? Por que se encontram tão incrivelmente aprisionadas nesse vício? Justamente porque sexo, por si mesmo, não nos satisfaz. Pelo contrário, ele acaba nos deixando cada vez mais sedentos, e o buscamos com mais ferocidade com o tempo. É como uma miragem — vamos até ela pensando que nos saciará a sede, mas terminamos com a boca cheia de areia. Nossa verdadeira satisfação, a verdadeira fonte cristalina que mata nossa sede (sexual, emocional, espiritual) é Jesus Cristo. O apóstolo Pedro pareceu compreender isso quando confessou a Jesus, “Senhor, para quem iremos? [Somente] Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo. 6:68b, grifo meu). Podemos ir ao sexo para a satisfação, mas jamais a encontraremos porque somente o Senhor satisfaz de verdade.

Entretanto, isso não quer dizer que não há qualquer tipo de satisfação e alegria na intimidade matrimonial. O escritor do Provérbio número 5 entendeu isso. Veja suas palavras sobre a exclusividade sexual no casamento — nelas ele compara a intimidade sexual a fontes de água que devem ser somente do casal e nunca compartilhada com terceiros (e veja como isso está na Bíblia! E nós temos tanto medo de falar de sexo…): “Beba das águas da sua cisterna, das águas que brotam do seu próprio poço. Por que deixar que as suas fontes transbordem pelas ruas, e os seus ribeiros pelas praças? Que elas sejam exclusivamente suas, nunca repartidas com estranhos. Seja bendita a sua fonte! Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela” (v. 15-19). A Palavra de Deus nos mostra, nesses versos, que é preciso uma escolha ativa de manter o leito matrimonial sagrado e exclusivo; enquanto também nos diz que há alegria e prazer quando fazemos isso. Intimidade sexual exclusiva entre marido e mulher é criação de Deus e, como tudo que Ele faz, é algo bom e agradável.

Mas, claro, existem fases e nuances mesmo quando o sexo é exclusivo e sagrado no matrimônio. Todo casal passa por etapas da vida em que a intimidade é mais ou menos frequente, mais ou menos prazerosa. É importantíssimo que exista, como em qualquer outra área no casamento, uma comunicação aberta e honesta entre o casal sobre a intimidade sexual. Sei que quando estamos noivas é estranho pensar no ato em si, quem dirá falar sobre ele. Mas quando casamos, escolhemos nosso melhor amigo. Não tenha medo de expressar tudo o que você sente, inclusive sobre sexo. Lembre-se do que já conversamos — dentro do casamento a intimidade é boa e santa. Não há nada de errado ou sujo em falar sobre vontades, medos e tudo o mais. Sejam honestos e tenham paciência consigo mesmos e um com o outro. Respeite seus limites e estabeleça-os claramente. Respeite os limites estabelecidos por seu marido também. E busquem sempre servir um ao outro, de maneira que ambos se sintam amados e seguros na intimidade matrimonial.

Por fim, querida Flavinha, eu acredito que é importante pensarmos no quanto o sexo é transiente, ou seja, passageiro, não  eterno. Na Eternidade não teremos a intimidade sexual porque ela já não será necessária. No Céu nós teremos completa satisfação na presença eterna de Deus, e isso nos prova o óbvio — Deus é melhor que sexo. Parece estranho dizer isso, mas é a verdade, e por muitas vezes uma verdade na qual não cremos realmente (ainda que provavelmente não façamos essa confissão com nossas bocas). 

Quando estamos prestes a nos casar a realidade do sexo está próxima e nos parece muito atraente, afinal de contas muitas de nós esperaram anos para “adentrar por essas portas”. Mas a verdade sobre o sexo é que ele é apenas uma das boas coisas da Terra que Deus nos deu por Sua bondade, mas não é, nem de longe, aquilo que nos dará satisfação final. Você perceberá que precisará lutar para manter santidade sexual no casamento tanto quanto tinha que fazer enquanto solteira (ou mais!). Ter acesso à intimidade sexual não nos faz automaticamente livres de pensamentos lascivos ou desejos pecaminosos. Continuamos quebradas, pecadoras, necessitadas da graça.

Por isso, querida, prepare-se para a intimidade sexual buscando no Senhor a verdadeira satisfação, de maneira que o sexo possa ser em seu casamento simplesmente o que foi criado para ser — algo bom que Deus nos deu. Não permita que sua mente vá a nenhum dos dois extremos que citamos no começo dessa carta — não encare o sexo como algo sujo nem o idolatre como aquilo que finalmente te fará feliz. Deixe ele ser o que foi criado para ser e encontre a alegria que o Senhor reservou para a intimidade matrimonial. Deus é glorificado quando aceitamos com gratidão esse bom presente que Ele nos deu.

Com amor,

Sua prima,
Fran