Querida Flavinha, carta 4 – Amando um pecador

Essa série, “Querida Flavinha”, é uma compilação de cartas sobre casamento que estou escrevendo e enviando à minha prima, Flávia. Ela me permitiu postar o conteúdo no Graça com o objetivo de ajudar quem estiver, assim como ela, se preparando para o matrimônio. Essa é a Carta 4, sobre amar um pecador.

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Querida Flavinha,

Você já se deparou com uma ocasião em que seu próprio pecado te deixou desesperada? Algo aconteceu e você notou como é falha e miserável e percebeu que Paulo tinha razão quando disse que preferia deixar esse corpo de morte (cf. Rm. 7:24)?

Eu confesso que, no começo do meu casamento, Beau e eu tivemos brigas que me levaram a um profundo abismo de desespero. Era como se alguém tivesse colocado um espelho diante de mim pela primeira vez e eu estivesse vendo um monstro refletido no lugar da mulher que eu pensava ser. Claro, toda briga e discussão tem falha dos dois lados. Mas houveram algumas que eu creio terem sido começadas e intensificadas por causa da minha própria carnalidade e pecado. 

Eu me lembro de uma ocasião em que, ao final de uma discussão acirrada (pela graça de Deus elas são quase inexistentes hoje em dia — tenha esperança, nós crescemos e eles também!) eu me aninhei nos braços do Beau e, chorando, disse: “Estou cansada de mim mesma… Como eu queria poder estar com Cristo!”. O que eu realmente quis dizer foi: “Sinceramente, nesse momento eu preferia estar morta e no Céu, onde serei perfeita. Cansei do meu pecado, cansei de cair nas mesmas coisas sempre, cansei. Quero ir.” Hoje, olhando para esse evento do passado, eu consigo enxergar meu egoísmo. Eu não estava, como o apóstolo Paulo, dizendo que preferia estar com Cristo por causa de Cristo. Na verdade eu só queria mesmo é ser perfeita. Finalmente não ter mais que lidar com as consequências dos meus pecados — especialmente quando essas consequências são a dor causada em quem amo.

Flavinha, eis uma realidade que pouca gente encara antes do casamento: nós somos pecadoras. E adivinha só? Nossos noivos também são. 

Quando nós estávamos namorando Beau me disse algo que eu nunca mais esqueci: “Quando dois pecadores se juntam em um relacionamento, eles ficam bem próximos. Isso significa que será inevitável que a lama de um respingue no outro”. Uau, e como isso é verdade! Você provavelmente já notou essa verdade parcialmente na época de namoro e agora do noivado, mas acredite em mim — ela será muito mais intensa dentro do casamento. Quando você convive com uma pessoa 24 horas por dia, a realidade de quem ela é te encontra de frente, como um caminhão direto no teu nariz. Não tem pra onde correr. 

E sabe, ainda que seja semelhante, o casamento é diferente do viver com seus pais e irmãos. Quando somos família desde o nascimento nós conhecemos aquelas pessoas como a palma de nossas mãos, e pouco nos surpreendemos com suas atitudes e reações. Nós aprendemos a nos adaptar a elas. Mas o casamento é uma união com alguém com quem você apenas dividiu alguns anos da sua vida até aqui. Há muito sobre o Guilherme que você ainda não conhece. Não que eu ache que as pessoas devam esconder partes de si antes do casamento. Mas há coisas que só se vê com a convivência diária. E para além disso, seu noivo também vai mudar com o tempo, e novas coisas surgirão sobre ele que talvez nem sequer existam agora. 

Então, a realidade é essa, minha querida — você se casará com um pecador porque essa é a única opção que existe. 

Como podemos, baseado nisso, aprender a amar um pecador, quando há tanto potencial para a dor e para o desapontamento? 

Em primeiro lugar eu te encorajaria a se abrir e ser vulnerável com ele, e ele com você, antes mesmo dos votos. Eu não sabia que precisaria disso até uma noite em que Beau e eu nos sentávamos na frente da casa onde eu me hospedava e eu perguntei, do nada, “Qual seu maior segredo, que você nunca contou para ninguém?”. Eu sabia que, até que eu soubesse tudo sobre ele que era possível ser contado com palavras, eu não me sentiria segura para prometê-lo meu “para sempre”. Aquela foi uma noite difícil e cheia de lágrimas. Nós dois abrimos nossos corações da forma mais crua e vulnerável possível e deixamos o outro ver a pior parte de nós. Depois de ver o “lado negro” dele, e ele o meu, nós pudemos entender que nosso amor e votos seriam uma decisão feita com consciência. 

Mas entenda, eu jamais aconselharia um casal de namorados recentes a fazer isso. Há muita vulnerabilidade e dor nesse momento de se abrir completamente, deixando-se figurativamente nua na frente de alguém, e eu não o faria com alguém que não tenha já convicção de amar. Mas eu creio que antes de entrarmos na maior aliança que podemos fazer desse lado da eternidade precisamos saber com quem estamos casando. Como eu disse anteriormente, não conseguiremos saber absolutamente tudo sobre alguém antes do casamento. Mas há muita coisa que pode ser compartilhada, e creio que deve. Creio ser justo que nós saibamos as partes mais obscuras de alguém antes de assinarmos um papel que promete a essa pessoa nosso futuro todo. E se alguém disser que não quer compartilhar essas partes mais difíceis creio que podemos ter paciência e graça, sim, afinal de contas é difícil abrir feridas passadas. Mas ao mesmo tempo, se a pessoa se recusar completamente, eu acenderia uma luz vermelha de “perigo” e ficaria atenta. Afinal de contas, por que esconder coisas da pessoa que você diz amar como a própria vida?

Talvez você e Guilherme já tenham tido esse momento. Talvez não. De qualquer maneira, tenha a certeza que Deus os ajudará a serem sinceros. E Ele também os dará graça de serem o suporte que o outro precisa para enfrentar dores passadas e futuras. Banhe esse momento de oração — sem Deus nós nada podemos fazer.

Bom, uma vez que esse compartilhar tenha ocorrido, a segunda coisa que eu te aconselharia a fazer é manter uma atitude equilibrada e sóbria em relação ao seu amado. Eu sei que quando estamos noivas parece que a pessoa com quem nos casaremos é perfeita. É muito fácil colocá-la em um pedestal — “Ah, como ele é lindo! Como é gentil! Olha as flores que me deu!”. E eu não quero que você perca o romantismo delicado do amor inicial — é uma delícia se re-apaixonar pelo seu marido todos os dias. Mas é preciso que mantenhamos os pés no chão durante relacionamentos. Eu repito: Guilherme é pecador (todos nós somos, ele não é a exceção!). Ele vai te machucar com palavras. Ele vai te compreender errado e assumir o pior sobre você. Ele vai ter atitudes que vão doer. Ele vai deixar as meias jogadas no sofá depois do futebol, mesmo que você tenha pedido gentilmente trinta vezes que ele não o fizesse. Ele é falho. E você também é. 

Um dos maiores erros que cometemos é entrar no casamento esperando perfeição. Como eu disse no começo dessa carta, meu próprio pecado foi magnificado diante de meus olhos de forma tremenda no casamento. Mas o pecado do Beau também o foi. Lembre-se, quanto mais perto pecadores estão um do outro mais a lama respingará. 

O que eu quero dizer, então? Você deve aceitar todos os erros do Guilherme com a cabeça baixa? Deve, com submissão, engolir toda palavra dura que ele disser e toda dor que ele causar? Absolutamente não. Há um lindo equilíbrio entre graça e santificação. Você e Guilherme são pecadores, sim, mas também são cristãos regenerados pelo sangue de Jesus Cristo. Isso significa que não precisam mais viver sob o domínio do pecado, ainda que vivam com a presença do pecado. Por causa do sacrifício bendito do Filho de Deus vocês podem agora viver em novidade de vida, ou seja, podem dizer não às tentações e resistir ao diabo. 

A Bíblia nos diz, na carta de Paulo aos Tessalonicenses, que a vontade de Deus para nós é que nós sejamos santificados (cf. 1 Ts. 4:3). Quantas vezes nos perguntamos, “Senhor, qual a Tua vontade para a minha vida?”. Eis a resposta. Ele quer que nos transformemos a cada dia de maneira a parecer mais com Jesus e menos com nós mesmos.  Por isso você e Guilherme, ainda que pecadores, vão crescer em santidade a cada dia do casamento, machucando um ao outro cada vez menos no processo. Você será um instrumento lindo de Deus na santificação do seu marido. Isso não significa que você falará, falará e falará até que exista convicção de pecado no coração dele. O único que pode nos convencer do pecado é o Espírito Santo. Mas você poderá, com graça e amor, lembrar o Guilherme do Evangelho, lembrá-lo que ele não precisa mais viver no pecado, e apontá-lo em direção a Jesus. E então confiar que o Espírito fará a obra.  

Mas, saber da realidade da santificação, ainda que nos dê santa esperança, não muda o fato de que nos casamos com pecadores. Erros ocorrerão. Muitos “me perdoa” precisarão existir nos anos que Deus lhes darão casados. Muitos “eu perdoo”. Muitos abraços regados de lágrimas. Muito recomeçar. Mas, ah Flavinha!, quanta esperança temos que Aquele que criou o casamento não nos deixará sós para passar por ele sozinhas. Não, o Senhor estará ao seu lado a cada nova manhã, a cada novo dia, te dando força e graça para perdoar e ser perdoada. 

Por isso não se assuste quando Guilherme pecar. Não se escandalize quando ele errar. Nós ainda estamos em corpos quebrados. Mas também não seja uma acusadora dele juntamente com o diabo. Não aponte o dedo e o julgue. Não o chute quando ele já estiver caído. Seja a primeira a abraçá-lo, a lembrá-lo de quem ele é em Cristo, e a ajudá-lo a levantar-se. Ame o Guilherme mesmo nas noites mais sombrias. Perdoe mesmo quando doer. Responda com graça mesmo quando ele não o fizer. E ore por ele, constantemente, para que ele cresça na estatura de Cristo. Ame seu marido pecador como Deus amou você, pecadora.

Com um coração cheio de amor por você,

Sua prima,
Fran