Quem é Esse no Espelho? (Sobre Autoimagem)

– Espelho, espelho meu! Quem de fato sou eu?

Nunca imaginamos que a famosa frase ouvida nos contos de fadas teria tamanha relevância na atualidade. Vivemos em uma geração marcada pela necessidade de apreciação da autoimagem e de figuras que criamos para imprimir uma imagem irreal sobre nós mesmos nos ambientes em que estamos inseridos, como trabalho, igreja, círculos de amizade, redes sociais, dentre outros. No entanto, esse personagem nem sempre se sustenta.

Como você se vê? O que te define? Você se conhece? Quem é você?

Atualmente muitas pessoas têm uma visão equivocada de si mesmas, algumas se supervalorizam, outras se depreciam. Nesse texto iremos tratar sobre como a autoimagem, a maneira como o indivíduo se vê e se define, tem sido abordada em nossos dias e o que a Bíblia tem a dizer sobre isso.

Uma imagem construída: o que as pessoas dizem

Nos últimos tempos, a autoimagem tem sido afetada por conceitos e ideais humanistas, isto é, que exaltam o ser humano, fazendo dele o centro ao redor do qual todas as demais coisas devem girar. Tem ganhado cada vez mais espaço afirmações sobre como cada indivíduo é forte, incrível, vencedor, devendo buscar sempre o que lhe faz feliz, afinal, cada pessoa é única e muito importante. A mensagem transmitida é que se pode alcançar quase tudo, desde que haja esforço. Dessa forma, a pessoa mensura seu valor, seja positiva ou negativamente, por meio da satisfação de suas necessidades e da autorrealização.

Há também os que se definem baseando-se em fatores como aparência física, status, idade, profissão, saldo bancário, bens materiais, posicionamento político, força de vontade, ou falta dela. O indivíduo é definido pelo que ele tem, ou pelo que é capaz de oferecer ou conquistar.

Muitos se baseiam em modelos e exemplos e pautam a visão que têm de si mesmos em pessoas famosas, personagens, filósofos, influencers, etc. Imitam suas atitudes e formas de vestir, querem desempenhar as mesmas atividades e frequentar os mesmos lugares que suas “fontes de inspiração”. Alguns se sentem inferiores por não poderem atingir tal patamar.

Todos esses fatores listados acima podem fazer parte de quem somos, mas não podem nos definir. Primeiro porque nos limitam e nos isolam de quem é diferente de nós. Segundo, porque se perdermos algum deles, perdemos um pedaço de nós. O autor Dick Keyes, no livro Além da Identidade, diz que:

“A maioria desses fatores sociais são aspectos legítimos da identidade de uma pessoa, mas nenhum deles é o suficiente para carregar o peso de um ser humano inteiro. Eles confinam as pessoas a uma forma menor do que aquela para a qual as pessoas foram feitas” (p.101).

Essas são respostas rasas demais para um assunto que envolve indivíduos tão complexos e profundos. O que pode resultar dessa visão limitada é frustração, insatisfação e a busca insaciável por propósito e felicidade. Pessoas criadas para a eternidade não podem ser definidas por critérios passageiros.

Sobre imagem e semelhança: o que Deus diz

Voltemos ao princípio. Quando Deus trouxe tudo à existência a partir do poder de Sua palavra poderosa, ao tecer o homem e a mulher, disse acerca deles algo especial comparado aos demais seres criados.

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gênesis 1.26,27)

A imago Dei, ou imagem de Deus, foi impressa em Adão e Eva e transmitida a todos os seres humanos. Você e eu carregamos a imagem do nosso Criador, do Perfeito Deus Todo-Poderoso porque Ele assim o quis! Possuímos características morais e espirituais que refletem o caráter e o Ser de Deus, as quais não se aplicam a nenhuma outra criatura.

Com a queda, o pecado entrou no mundo e causou muitos males, entre eles, a distorção da imagem de Deus no ser humano. A Imago Dei não foi perdida, nem apagada, porque é enraizada, mas ficou manchada. O pecado afasta, causa rebelião, descrença e separação entre o homem e Aquele que sustenta sua existência.

Ainda bem que Deus não é apenas Criador, mas também o Redentor de Seu povo.  Por meio de sua vida, morte e ressurreição, Cristo nos proporcionou a salvação. Fomos regenerados, despidos do pecado, recebendo nova natureza. Por meio dEle, Deus nos aceita na nossa vergonha, pecado e humilhação. Ele virou o rosto para o Filho na cruz, para que pudesse olhar para nós direta e eternamente. Jesus não se envergonha de chamar-nos de irmãos (Hebreus 2.11).

O Messias veio ao mundo como um ser humano sem defeitos. Ele é a expressão exata do Ser de Deus (Hebreus 1.3), o segundo Adão que mostra o cumprimento perfeito do que é ser criado para refletir a imagem de Deus. Ao assumir nosso lugar e nos tornar justos diante do Pai, Jesus restaura nossa imagem aos padrões do Éden e nos mostra que devemos ter uma visão equilibrada a respeito de nós mesmos, tendo Ele como parâmetro. É isso que o apóstolo Paulo diz em Romanos 12.3:

Com base na graça que recebi, dou a cada um de vocês a seguinte advertência: não se considerem melhores do que realmente são. Antes, sejam honestos em sua autoavaliação, medindo-se de acordo com a fé que Deus nos deu.”

Graças a Cristo a nossa identidade e, consequentemente, nossa autoimagem, baseia-se no fato de que Deus tem nos aceitado e perdoado, apesar de todo o mal que somos capazes de cometer. A cruz do nosso Salvador nos redime e Seu caráter está estampado em nós. Se dizemos crer em Deus, precisamos crer também no que Ele diz a nosso respeito.

O desafio do espelho: como me verei?

A partir da salvação demos início a uma caminhada para alcançarmos nosso maior potencial enquanto seres humanos — o chamado processo de santificação — que consiste em retirar as impurezas do pecado enquanto a imagem de Cristo é lapidada em nossas vidas, e só terá fim quando a obra estiver completa em nós e o Senhor nos chamar para Si (cf. Rm. 8.28,29).

Para que a imagem de Deus tenha espaço em nosso ser é preciso retirar o que ocupa seu lugar. Não basta dar um jeitinho e tentar fazer com que as duas visões – das pessoas e de Deus – coexistam em nós. Não é uma tarefa fácil, pois temos dificuldade em pôr os princípios do Evangelho em prática, ainda estamos sob influência do pecado.

É possível dizer que cremos no que Deus diz, mas acabar negando isso com nossa conduta. Uma forma que o fazemos é através do orgulho. Não gostamos de depender da misericórdia, encontramos dificuldade em aceitar a graça, a consideramos humilhante porque mostra que não somos capazes de nos salvar e purificar por nós mesmos. Dick Keyes diz o seguinte:

“Jesus desprezou a vergonha da cruz porque nela ele viu não vergonha, mas glória. Aos olhos de Deus, a cruz era a maior manifestação da sua glória e o ponto focal de toda história humana […] A fonte da glória de Deus pode ser a vergonha da humanidade” (p.112).

Outro fator que nos atrapalha de viver à imagem de Deus é a comparação com os outros. Quando olhamos para o lado e julgamos os outros mais espirituais, nos achamos insuficientes e incapazes de atingir o que o Senhor requer de nós. O fato é que não existem pecadores melhores diante dEle, todos pecaram. O que existe são pessoas que lutam contra seus pecados e que são aceitas por Jesus, quer elas se aceitem, quer não.

Um terceiro empecilho é nossa dificuldade em confrontar pecados. É desconfortável olhar para nós mesmos e ver que falhamos e entristecemos a Deus e aos outros. É muito difícil reconhecer que uma prática enraizada em nós é prejudicial, precisa ser retirada, e precisamos mudar de direção. O  processo não é indolor. O que nos dá esperança é que a confrontação foi uma prática comum no ministério terreno de Jesus e a Bíblia está cheia de outros exemplos. O fato de alguém ser cristão já mostra que reconheceu ser pecador, e esse já é um bom começo.

O sentimento de inferioridade também se torna uma fonte de objeção a nos vermos como Deus nos vê. Muitas pessoas, embora resgatadas por Cristo, ainda não conseguem se enxergar como redimidas, cujo passado foi apagado e a vergonha deixada para trás. Acreditam que a graça é para o outro, não para si. É preciso trazer à memória que o sacrifício de Jesus foi para todos. Não há pecado que o sangue não possa apagar, não há pessoa que seja blindada ao agir purificador do Salvador. Como nos lembra Tim Keller no livro Ego Transformado:

“Temos de reviver o evangelho a todo instante e perguntar a nós mesmos por que estamos no tribunal. Ali não é mais o nosso lugar. O julgamento terminou […] ‘Portanto, agora já não há condenação alguma para os que estão em Cristo Jesus’ (Romanos 8.1). Viva com base nessa verdade” (p. 45).

Diante disso, nossa obediência precisa ser ativa. Todos os dias requerem esforço para praticar os preceitos de Deus, há uma batalha diária travada em nosso íntimo. Temos de reconhecer o pecado e odiá-lo. As disciplinas espirituais, estudadas por nós no mês de fevereiro, podem te ajudar (você pode clicar aqui para relembrá-las).

À medida que nos apegamos à Palavra e a obedecemos, e abandonamos velhos conceitos, nos aproximamos mais de Cristo e do que fomos criados para ser. Ele passa a direcionar nossos pensamentos e realinhar a visão que temos de nós mesmos à imagem de Deus. Aquilo que antes nos dominava, e que nós fomos criados para dominar, vai perdendo poder e influência sobre nós.

Jesus é nosso modelo,  a materialização de tudo o que o ser humano foi criado para ser. Ele deve ser imitado. Sua vida deve ser estudada. Jesus é o Irmão mais velho em quem nos espelhamos. Santidade, bondade, graça, amor, misericórdia, justiça, fidelidade, paciência, sabedoria, verdade, humildade, serviço e tantas outras características precisam ser parte ativa de quem somos. Agimos assim em gratidão a tudo o que fez por nós para restaurar nossa imagem maculada no Éden.

Desenvolver uma autoimagem conforme a vontade de Deus demanda tempo, perseverança e esperança. Jesus nos acompanha no caminho e nos ensina pelo exemplo. Só Ele pode nos ajudar a não entrarmos nos moldes de nossos tempos, nos levando à transformação do nosso entendimento para que experimentemos a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (cf. Rm. 12.2), que é ver a imagem de Seu Filho expressa de forma impecável em nós.

A resposta para as perguntas feitas no início do texto não podem ser encontradas em outro lugar a não ser no Manual de Instruções dAquele que te criou – a Bíblia Sagrada. Ninguém melhor que Ele para dizer quem você é e como deve se ver. Quem te define não é o eu interior, mas o “Eu Sou”.

Que seus esforços para caber em certo grupo sejam redirecionados para abençoar a família de Deus, da qual você já faz parte, mesmo com suas imperfeições.

Que os rótulos que te fazem ter um pensamento elevado acerca de si mesmo, ou te colocam para baixo, caiam por terra.

Que ao olhar no espelho, e para dentro de si mesmo, você enxergue o perdão, a graça, e o amor de Jesus.

Que seus objetivos e planos sejam direcionados para se parecer com ninguém menos que Cristo, que é a razão de você ser chamado cristão.


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Abril com o tema “Sexualidade”. Para ler todos os posts clique AQUI.