Quando Viramos Discípulos de Homens (Sobre Abuso Espiritual)

Alerta de gatilho: esse post contém o assunto de abuso espiritual

Quando o abuso surge como assunto o que vem à sua mente? Abuso sexual, emocional, de autoridade…? É bem verdade que esses são os tipos mais falados sobre o tema, mas para além destes, existem vários tipos de abuso, todos igualmente tristes e pecaminosos. Dentre eles existe o abuso espiritual, e é sobre ele que conversaremos hoje.

De modo simples, podemos conceituar abuso espiritual como o uso indevido da autoridade espiritual concedida a alguém. Acontece quando uma pessoa  em posição de liderança (pode ser o líder da igreja, do pequeno grupo ou mesmo um familiar) usa indevidamente a Bíblia ou as tradições cristãs para induzir pessoas sob sua autoridade a fazerem algo que o Senhor não ordenou e que, muitas vezes, é pecaminoso e/ou doentio (chegando por vezes a ser até mesmo criminoso). O abuso, querido leitor, tem várias faces e nunca  vem sozinho.

Existem casos extremos como, por exemplo, o de um líder religioso brasileiro que está sendo investigado desde o ano passado por usar de sua autoridade para cometer abuso sexual contra fiéis. Ele alegava para algumas irmãs, dentre outras barbaridades, que elas estavam possuídas de demônios e apenas a consumação do ato sexual com o tal líder poderia libertá-las.

Mas existem outras faces do abuso espiritual. Alguns líderes usam de sua autoridade para convencer fiéis a financiarem causas de motivação e origem duvidosas; outros buscam determinar com quem os seus liderados devem casar e até mesmo o momento de ter filhos; outros ainda, por sua vez, se colocam na posição de mediadores entre Deus e suas ovelhas, levando-as a acreditar que se deixarem de frequentar aquela igreja e assim saírem de debaixo de sua liderança estarão rompendo seu relacionamento com o Senhor ou até mesmo perdendo a salvação.

Tomando por base esse conceito e os exemplos acima, podemos citar três formas de identificar o abuso espiritual.

1. Autoritarismo e postura arrogante

As pessoas que cometem abuso espiritual preocupam-se excessivamente em demonstrar sua liderança e o fazem de maneira distorcida e autoritária. Contestações às suas ordens não são admitidas sob nenhum argumento e elas se colocam como a fonte suprema da revelação da vontade do Senhor.

Isto é totalmente contrário ao que um verdadeiro líder deve ser. Veja o que Jesus diz sobre isso em Lucas 22:25-26: “Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve.”

O modelo de liderança cristã é o exemplo e o amor genuíno, não o autoritarismo. É o que nos ensina 1 Pedro 5:3: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho.”

2. Regras não bíblicas

Abusadores espirituais criam regras que o Senhor não ordenou para levar seus liderados a fazerem o que o Senhor não aprova. E o pior, muitas vezes os abusadores usam a própria Bíblia para justificar seus comandos, distorcendo as Escrituras. A pior mentira é aquela que se assemelha à verdade, pois se torna mais poderosa e aparentemente confiável. Já ouvi de líderes “que usaram a Bíblia” para determinar que membros de uma igreja iniciassem  um namoro com alguém específico, para justificar racismo e até mesmo para ensinar que as ordens pastorais não podem ser contestadas sob nenhuma hipótese por virem de alguém usado por Deus.

E isto, meus irmãos, acontece há muito tempo, desde os fariseus. Em umas das vezes em que Jesus condenou a hipocrisia dos fariseus ele disse: “Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los.” (Mateus 24:4). Em Gálatas 6:12-13 Paulo também alerta os irmãos acerca daqueles que querem impor regras próprias como se divinas fossem: “Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constrangem a vos circuncidardes, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo. Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne”. 

3. Falta de equilíbrio

Pessoas espiritualmente abusivas têm pouco ou nenhum equilíbrio espiritual. Ora  exibem muita objetividade, ora  tendem à  subjetividade. Ora  usam a Bíblia para “justificar” seus atos abusivos, ora  dizem que a Bíblia não é suficiente e que eles possuem uma revelação nova a ser seguida para além das Escrituras. Como dito em Ezequiel 22:28, “Os seus profetas lhes encobrem isto com cal por visões falsas, predizendo mentiras e dizendo: Assim diz o Senhor Deus, sem que o Senhor tenha falado.” Com isso podemos ver o traço comum do abuso: a distorção da verdade e a manipulação dos liderados.

Não é incomum vermos vítimas de abuso espiritual considerando como perturbadoras e destrutivas práticas como a frequência à igreja e o estudo bíblico, por terem sido  usadas no  cenário de abuso. 

O abuso espiritual é tão danoso às nossas almas que pode até levar pessoas a verem Jesus como opressor quando, na verdade, ele é a própria liberdade.

Para sair de situações espiritualmente abusivas é essencial que a vítima tenha os olhos fitos no lugar certo – Jesus. O abusador espiritual tenta fazer com que se creia que ele é o padrão necessário à sua vida espiritual, mas isso não é verdade. O nosso padrão é Jesus! Precisamos de pessoas, de igreja, de comunidade, mas apenas Jesus é o mediador que nos leva a Deus (1Tm 2:5). Jesus é aquele que garante  a nossa salvação (Jo 5:24). Jesus é a segurança de que somos amados pelo Pai (Rm 8:39). Jesus é o nosso padrão de santidade e amor (Hb 4:15) . Jesus é o nosso exemplo de líder e pastor (Jo 10:11-16). Jesus já pagou todo o preço pelos nossos pecados (Cl 2:14). Jesus é aquele que garante  que nossas orações sejam ouvidas e Ele mesmo por nós intercede (Rm 8:34).

Além disso, o conhecimento das Escrituras é fundamental para identificar e combater práticas espiritualmente abusivas. Muitos de nós perecem nas mãos manipuladoras de abusadores espirituais porque nos falta conhecimento da Palavra (Oséias 4:6). Que sejamos como os bereanos retratados em Atos 11:17, que avaliavam conforme as Escrituras tudo que lhes era falado acerca do Reino a fim de confirmarem se correspondia à verdade. Não sejamos conformados a beber gotas da verdade misturadas a achismos pecaminosos quando temos à nossa disposição o mar inesgotável da Verdade. Conheça as Escrituras, confronte-se com as Escrituras, confronte o que lhe é imposto com as Escrituras e, assim, saiba discernir a Verdade que liberta.

Jesus é o Autor e consumador da nossa fé e é a liberdade para qualquer amarra de abuso que nos prende, inclusive o abuso espiritual. Nele encontramos graça que liberta e favor que acolhe. Olhemos para Ele e busquemos conhecê-lo de maneira a reconhecer Sua voz, assim como as ovelhas reconhecem e seguem a voz do pastor, mas rejeitam vozes estranhas. Que tenhamos a graça e liberdade de sermos discípulos de Jesus e não de homens.


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Março com o tema “Abuso”. Para ler todos os posts clique AQUI.