Quando a vida não parece ser uma opção (Falando sobre depressão e pensamentos suicidas)

É muito difícil falar em depressão, e parece se tornar um pouco mais complicado quando você é cristã. O peso que o Evangelho dá às nossas vidas faz com que a gente se sinta em total desarmonia com tudo que dizemos crer. Afinal, o que há de errado comigo para que as Palavras de Vida não espantem de vez os sentimentos de morte?

Não houve um momento que não estive dentro da igreja (sou de berço cristão), e não apenas porque minha mãe me levou e me ensinou, mas porque realmente havia um sentimento sincero em mim em querer me alimentar da Escritura. Mas, em certo momento, não sei exatamente quando, tudo pareceu não aplicável a mim. Fui afundando cada dia mais na melancolia, até perder completamente a alegria de viver, ao ponto de enxergar Deus como alguém alheio a mim, e totalmente indiferente às minhas orações (embora eu ainda fosse a Ele, pedindo para tirar minha vida a todo o momento em que respirar parecia castigo).

A depressão severa, síndrome do pânico, ansiedade aguda, foram diagnosticados no mesmo momento em que as doutrinas da graça iam sendo apresentadas a mim. O fato é que o Evangelho que eu conheci desde pequena era muito mais amplo do que eu pensava ser. Até então, eu estava acostumada com doutrinas muito rasas, antropocêntricas, que não me traziam explicações e exortações completas.

Por que, afinal, minha alma havia adoecido? Como cheguei ao ponto de me mutilar como única alternativa de tentar aliviar a dor? A primeira explicação que as doutrinas da graça (ou Evangelho sem retoques, como preferir) me trouxeram foi: depravação total. Eu nasci depravada. Eu não era a santinha que pensava ser, só porque eu nasci dentro da igreja e nunca provei do “mundo”. Eu não tinha mais “créditos” com Deus porque eu não cometia pecados convencionais (me embriagar e ficar com garotos, por exemplo), mas cultivava outros pecados que eu nem sabia que existiam, como o pecado de criar ídolos em meu coração. O coração idólatra me levou a amizades destrutivas, relacionamentos destrutivos, e uma relação comigo mesma destrutiva, pois, não conseguia sentir amor próprio, e se eu não me amava, qualquer migalha de atenção (mesmo que acompanhada com superdoses de humilhação) me serviam.

Substituir o desejo e busca por Deus por qualquer outra busca é idolatria, e a partir daí outros pecados podem ser frutificados. E foi justamente o coração idólatra que eu sustentei que me fez entrar em um processo em que a vida perdeu o sabor, afinal, o salário do pecado sempre será a morte.

Mas, entender a depravação total ainda não foi o suficiente para que meus olhos enxergassem a luz. Depois de três anos em estado depressivo profundo, outro pensamento, que eu também me julguei incapaz de um dia ter, surgiu: ATEÍSMO. Afinal, se Deus realmente existisse, e se Ele era tão soberano como a Escritura diz, por que Ele permitiu que eu ficasse três anos vegetando em espírito, trabalhando no automático, estudando sem rendimento, e chegando por diversas vezes muito próxima à morte? Então eu li o trecho que segue da Confissão de Fé de Westminster:

“V. O mui sábio, justo e gracioso Deus muitas vezes deixa por algum tempo seus filhos entregues a muitas tentações e à corrupção dos seus próprios corações, para castigá-los pelos seus pecados anteriores ou fazer-lhes conhecer o poder oculto da corrupção e dolo dos seus corações, a fim de que eles sejam humilhados; para animá-los a dependerem mais intima e constantemente do apoio dele e torná-los mais vigilantes contra todas as futuras ocasiões de pecar, para vários outros fins justos e santos. (II Cron. 32:25-26, 31; II Sam. 24:1, 25; Luc. 22:31-32; II Cor. 12:7-9.)” [Capítulo 5 – Da Providência]

Como fazia sentido! Era exatamente o que aconteceu! Em muitos a depressão se dá por um grande trauma, ou por problemas hormonais, e insisto que esses casos devem sim ser tratados com profissionais e medicamentos (e isso não diminui o agir de Deus); mas a minha depressão era justamente por conta do pecado, e era justamente o que Deus permitiu que acontecesse: que eu enxergasse, de uma vez por todas, que meu coração é totalmente corrupto, e que eu precisava ser vigilante, pois toda minha carreira dentro da igreja não significava nada! Apenas Cristo, apenas o sacrifício dEle tinha (e tem) o poder de me purificar e de me livrar de mim mesma. Eu precisava ser dependente de Deus, e não dos atributos que eu achava que tinha. Humilhada, agora eu precisava reconhecer e abrir mão de todos os créditos que pensei que tinha, e que não valiam nada, e abraçar a graça. Afinal, se a graça é um favor imerecido, eu não poderia continuar achando que merecia tê-la!

Dois vídeos do canal do Graça em Flor, que vi à época em que estava reaprendendo o Evangelho, foram esses: Onde/Em quem está sua identidade? (Parte 1 – O Problema)Onde/Em quem está sua identidade? (Parte 2 – A Resposta).

Grudando minha identidade em Cristo, eu poderia descansar, pois apesar de minhas imperfeições, eu poderia desfrutar da perfeição dEle. Como Francine diz no vídeo: “Somos espelhos, e Ele é a luz que reflete. Os espelhos por si só não possuem característica própria, eles apenas refletem. Se vai ser beleza ou feiura, depende do que será refletido. E a beleza que refletimos depende dEle.”

A luz do Evangelho voltou a iluminar e aquecer meu coração, de modo mais severo e ao mesmo tempo mais sereno. As exortações que mostravam que minhas justiças são farrapos de imundícia (Isaías 64:6) só comprovavam, ainda mais, o perfeito proceder dAquele de quem devemos ser completamente dependentes.

As crises de depressão que faziam com que eu me machucasse e chegasse muito perto do suicídio não existem mais. Porém, ainda estou presa a esse corpo corruptível, e aprendi lidar com minha tendência à melancolia. Assim como a Paulo (II Co. 12:7-8), creio que Deus nos dá espinhos que têm a função de nos preservar de algo nocivo e para que a glória a Ele seja dada.

Em momentos em que a tristeza bate à porta do meu ser, relembro tudo que aprendi nesse deserto, e mesmo que meu coração tente me guiar aos pensamentos destrutivos, eu sei que posso correr para as fontes de graça – leitura e meditação da Palavra, desabafo com amigos de fé (meus sermões ambulantes), e tudo aquilo que me faz enxergar o que a tristeza tenta me esconder.

O que significa que nem sempre seremos livres 100% de um problema. Deus muitas vezes nos tira da situação do pecado, mas a tendência continua lá, e é preciso continuar vigilante e dependente da graça para que a tendência nos leve de volta ao pecado. E sobre as fraquezas que permanecem juntamente com o espinho, Cristo nos diz:

“A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.”

E Paulo, e também nós, podemos declarar:

“De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.” (II Coríntios 12:9)

A fraqueza que aperfeiçoa o poder dEle em nós, e que faz esse mesmo poder habitar em nós, não é uma fraqueza que vem para nos destruir. É uma fraqueza que é instrumento, é motivo de nos gloriarmos!

A vida pode fugir dos nossos olhos e parecer não ser uma opção, mas o olhar gracioso de Deus não foge de nós, e a graça será eternamente a única opção para nós pecadores.

A fraqueza que aperfeiçoa o poder de Deus em nós é motivo de nos gloriarmos. Click To Tweet

Querida leitora, espero que através de Cristo você seja motivada a lutar contra a depressão, tendo em mente que Ele nos deixou instrumentos para isso. Comece conversando com alguém de confiança e que tenha fé em Cristo, a depressão não é um caminho que você deva trilhar sozinha. Não se sinta menos cristã ou menos favorecida pela Graça porque se encontra em estado de desânimo, lembre-se que nosso próprio Senhor provou da angústia no momento em que se sentiu desamparado pelo Pai, ao ponto de suar sangue! Outros personagens bíblicos também provaram de enorme amargor, como Jó, mas mesmo após grandes perdas e sofrimento, ele pode declarar:

“Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos.” Jó 42:5

Se a tremenda angústia nos leva a conhecer a Deus e vê-lo, que honra nos é passar por essa angústia!

Não descarte o tratamento médico, a medicina é ferramenta de Deus também. E em oração, busque entender se sua depressão está ou não sendo causada pelo pecado. E saiba que Ele é capaz de curar todas suas feridas!

“Porque Ele faz a chaga, e Ele mesmo a liga; Ele fere, e as Suas mãos curam.” Jó 5:18

Desejo que a doce graça te abrace!

Em Cristo,
Fernanda