Puerpério e Seus Desafios

Os meses de espera acabaram, você está com seu bebê nos braços e finalmente pode ver aquele rostinho lindo que só acompanhava por ultrassom. Tudo deveria ser maravilhoso, já que a maternidade é uma benção do Senhor. Mas, acontece que não é bem assim. 

Os primeiros dias com um bebê não são como os comerciais de fralda mostram. Há choro (seu e do bebê), muitas fraldas sujas pra trocar (de madrugada, principalmente), seios doloridos e endurecidos com a descida do leite, e uma insegurança que não entendemos de onde vem. Bem-vinda ao puerpério, uma das fases mais intensas deste novo papel em sua vida.

É com todo o meu carinho que escrevo esse texto especialmente a você, mamãe que está vivendo o puerpério neste momento, e também a você que ainda está se preparando para os primeiros dias com seu bebê. O puerpério é real e inevitável, tal como a neblina em dias frios e a chegada do inverno.

Não há um consenso médico a respeito da duração deste período, que inicia com o pós-parto. A maior parte das literaturas médicas diz que dura de 45 a 60 dias, outras defendem a duração de 3 meses. De acordo com Julia Azevedo*, especialista em aleitamento materno, no Brasil e nos Estados Unidos, e estudante de psicologia, os estudos da área acreditam que apenas a mulher sabe quando o puerpério acabou, visto que é um momento de tantas novidades.

Durante estes dias, que parecem durar mais do que 24 horas, ocorrem intensas modificações físicas e psicológicas nas mamães. O útero está voltando ao seu tamanho normal, os hormônios da gravidez ainda circulam freneticamente pelo corpo, os seios lutam para entender qual é a quantidade certa de leite a produzir para suprir o bebê, os pensamentos ficam confusos, as vias de parto se recuperam de um momento glorioso, mas um tanto quanto dolorido, e o choro do bebê parece se tornar o ruído mais alto que já ouviu.

“Acredita-se que o puerpério vai muito além dos órgãos voltarem à ‘normalidade’. É um processo de construção de duas pessoas, a mulher que se tornou mãe e o bebê; é uma transição da identidade da mulher, o acréscimo da identidade materna que não exclui o feminino”, conclui Julia.

O puerpério é um momento único, intenso… e que passa! Não resuma sua maternidade a ele, mas também não o menospreze. Há muitas coisas que Deus pode nos ensinar nesse tempo.

Dias de neblina

“Ninguém me avisou dessa sombra que faz com que a gente se sinta fora da própria alma. E porque nunca ninguém havia me contado, eu acreditava que era só comigo. As pessoas chegavam para visitar, pegavam o bebê no colo, comentavam com quem ele se parecia. E paravam por aí. Enquanto a minha vontade era de sacudir as mulheres que estavam na minha frente e gritar: ‘Pelo amor de Deus, me diga que foi assim com você também. Me diga que você também sentiu!’” 

Este trecho do livro “60 dias de neblina”, da autora Rafaela Carvalho, define exatamente os meus primeiros dias em casa. Eu não era mais a Ana Carolina de antes, e também não sabia como ser a Ana Carolina desempenhando o papel de mãe. Me sentia perdida enquanto tentava pilotar um trem em alta velocidade. Além de todos os efeitos do puerpério no meu físico, eu sentia meu emocional extremamente fragilizado. Recebíamos nossos pais em casa, alegria explodindo por todos os lados, e eu só conseguia pensar “será que pra toda mulher é difícil assim? É pecado dizer que não estou tão feliz como deveria?” Não, querida. Não é pecado sentir tristeza ou cansaço extremo. O Senhor colocou em nós a capacidade de desenvolver sentimentos, e eles são genuínos, mesmo que nem sempre agradáveis. Por isso, não tenha medo de dizer o que sente a alguém de sua confiança e que pode oferecer amparo, ânimo e exortação, se necessário. Não são todas as mulheres que se sentem à vontade para exercer a vulnerabilidade e entrar em assuntos difíceis, principalmente as que são de gerações anteriores, quando era muito mal visto apontar dificuldades da maternidade ou dos cuidados com a casa.

Por isso, saiba que é absolutamente normal que você tenha um raio de sol, em forma de bebê, agora habitando em seu lar, ocupando o quartinho que você preparou com tanto amor, e, apesar disso, as suas lágrimas estejam incontroláveis. Dias de muita alegria, mas lá dentro, na alma, neblina pura. Você não é a única.

Creio que o processo foi um tanto mais dolorido no meu caso, pois minha filha foi levada à UTI na noite em que nasceu. Então, ao invés de repousar e respeitar o tempo de recuperação dos pontos da cesárea, eu caminhava até a UTI a cada 3 horas para vê-la e tentar amamentar. Não era nada fácil, e ali comecei a sentir na pele o que dizem sobre a força do amor de mãe. Os pontos doíam, os seios estavam machucados, mas eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o seu bem-estar. Eu voltava para o quarto do hospital, olhava as roupinhas dela, separadas com tanto carinho para seus primeiros dias de vida, e chorava copiosamente. Ali nasceu a culpa da maternidade, uma companheira com a qual preciso lutar bravamente em oração. Adicione a isso o detalhe de que pari no meio da pandemia, sem poder receber visitas. Que provação, minha irmã!

Há um ditado que diz “neblina baixa, sol que racha”. Quer dizer que, via de regra, quando a neblina está baixa, o dia será de muito sol. Creio ser um dos melhores exemplos para o puerpério. Dias confusos, não conseguimos enxergar claramente a beleza da vida que nos cerca, não entendemos o choro que insiste em vir em um momento tão sublime. É a neblina, a vista embaçada pelo choro, o prenúncio do sol que virá com o passar dos dias, quando todo o amor por seu bebê transbordar em sorrisos e satisfação.

O acolhimento do Pai

Fernanda Witwytzky, autora do livro “As primeiras quatro estações”, classificou o puerpério como o inverno de seu primeiro ano como mãe. “Em meio a esse tempo frio, o que eu fiz foi encontrar formas de me abrigar diante de tantas inseguranças e questionamentos. Tomava um banho morno um pouco mais demorado sempre que podia ou tentava comer um lanche gostoso. Abraçava as minhas dúvidas e vulnerabilidades, colocando-as em palavras e me entregando a Deus.”

Demorei a entender que o único lugar para refugiar minha alma cansada e confusa e meu corpo pós-parto era a presença do Pai. Tentei me apegar a relatos de “maternidade real”, mas só fiquei mais melancólica. Busquei o abraço de mulheres mais velhas, mas infelizmente ouvi a famosa frase “vai passar, o importante é que sua filha tem saúde”. Sim, é óbvio que a saúde dela é importante. Mas a minha também é.

E aqui está o meu conselho a você: lembre-se que você também é filha. Ainda que seja a mãe, a responsável por alimentar e preservar seu bebê com saúde e integridade, também é filha de Deus e Ele se alegra em atender seu clamor. Por isso, não há vergonha em chorar em Sua presença. Chore sempre que tiver vontade, mas faça de suas lágrimas uma oração de entrega, confissão e súplica. Ele conhece seu interior e sabe onde dói, seja no corpo ou na alma. Não há nenhum papel em sua vida que seja mais importante do que o de filha redimida. Ser mãe é maravilhoso, uma dádiva preciosa de Deus às mulheres. Mas, não podemos reduzir nossa vida a esse papel. Continuamos sendo esposas, amigas, irmãs, profissionais, donas de casa, e o que mais o Senhor colocar em nossas mãos para desempenhar. 

Quero lhe encorajar a ler o Salmo 139 sempre que a tristeza, o cansaço e a confusão lhe cercarem. Faça seu coração lembrar a quem pertence, qual é seu real valor, para além do que representa à essa vida preciosa em seus braços:

  • Você não está sozinha, mesmo nas madrugadas mais frias

“Senhor, tu me sondaste, e me conheces.

Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.

Cercas o meu andar, e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos.” (v. 1 a 3)

  • Seu choro, público ou escondido, não passa despercebido ao Pai

“Não havendo ainda palavra alguma na minha língua, eis que logo, ó Senhor, tudo conheces. Tu me cercaste por detrás e por diante, e puseste sobre mim a tua mão.” (v. 4 e 5)

  • Nem mesmo o puerpério pode lhe tirar da vista do Senhor

“Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta que não a posso atingir. Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no profundo abismo a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.” (v. 6 a 10)

  • A escuridão de seus pensamentos não amedrontam nosso Pai

“Se disser: Decerto que as trevas me encobrirão; então a noite será luz à roda de mim.

Nem ainda as trevas me encobrem de ti; mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa” (v. 11 e 12)

  • A sua vida é tão importante quanto a vida de seu bebê

“Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui feito, e entretecido nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia.” (v. 13 a 16)

  • Nos dias de tristeza, reordene seu coração exaltando a grandeza do nosso Deus

“E quão preciosos me são, ó Deus, os teus pensamentos! Quão grandes são as somas deles! Se as contasse, seriam maiores do que a areia; quando acordo ainda estou contigo.

Ó Deus, tu matarás decerto o ímpio; apartai-vos portanto de mim, homens de sangue.

Pois falam malvadamente contra ti; e os teus inimigos tomam o teu nome em vão.”

Não odeio eu, ó Senhor, aqueles que te odeiam, e não me aflijo por causa dos que se levantam contra ti? Odeio-os com ódio perfeito; tenho-os por inimigos.” (v. 17 a 22)

  • Confesse seus pecados e sentimentos mais obscuros a Ele, e receba perdão e o acolhimento do Pai

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.” (v. 23 e 24)

Minha querida, o puerpério é só uma fração do que a maternidade lhe reserva. É uma estação com prazo de validade para findar. Toda a angústia e todo o medo serão transformados em lembranças, dando lugar à brisa da primavera, onde os sorrisos de seu bebê inundarão seu coração e os aprendizados serão mais fáceis de processar. Ser mãe é maravilhoso, mesmo que essa realidade pareça distante neste momento.

Cuide do seu bebê, à medida que ele lhe solicitar. Mas, não só dele. Cuide do seu corpo e de sua alma e lute contra o orgulho: aceite ajuda sempre que precisar. Cuide de seu coração, munindo-o de verdades da Palavra e das promessas de amor do nosso Redentor. E, por fim, cuide de seu testemunho, pois o Senhor quer usar esse período de sua vida para a glóriaGlória de Seu nome.  

Termino com esse belo lembrete de Fernanda Witwytzky: “Ao nos entregarmos ao Dono das estações, podemos ter a certeza de que Ele nos capacitará para finalizar esta etapa fria e nos trará, em meio a ela, dias de sol, nos aquecendo com sua força, misericórdia e amor por nós.”

Lembrete importante: é esperado que o período do puerpério traga consigo dificuldades leves e momentâneas de amamentação, além de tristeza e ansiedade, e até mesmo dificuldade em manter a intimidade do casal nas primeiras semanas. Caso as dificuldades se agravem, a tristeza se intensifique, bem como dores ou desconforto no corpo, crises de ansiedade e pânico, indicamos procurar ajuda profissional e médica.

*Para conhecer mais e acompanhar o trabalho da Julia, pesquise o perfil @aleitando, no Instagram.


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