Ponderando “13 Reasons Why”

Há algum tempo venho escutando muita conversa sobre a série original do Netflix, “13 Reasons Why” (“Por 13 Razões”, no Brasil), que conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que grava uma série de fitas com áudios que revelam os 13 motivos pelos quais ela se suicidou. Por causa disso decidi assistir à série e trazer aqui meus pensamentos e ponderações.

Eu sempre evitei trazer assuntos controversos ao Graça em Flor porque não achava que fosse meu papel e objetivo com o blog levantar discussões desse tipo. Mas, cada vez mais sinto que se eu tenho alguma voz de influência dada pelo Senhor entre as moças do Brasil, então é errado me calar quanto a assuntos culturais que permeiam a vida das minhas leitoras. “13 Reasons Why” é uma série que tem sido assistida por muitas jovens do Brasil, inclusive jovens cristãs, e está na hora de falarmos sobre ela. Chamei o texto de “Ponderando 13 Reasons Why” porque não quero trazer uma visão “demonizada” nem “romantizada”, mas sim ponderada e sábia. Os comentários estarão abertos para opiniões que sejam colocadas de forma sensata, gentil e bíblica, mesmo que sejam contrárias à visão apresentada aqui.

Porque essa série existe

Eu gostaria de começar esse artigo com alguns dados que creio serem extremamente relevantes à essa discussão:

“Em 12 anos, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos [no Brasil] subiu de 5,1 por 100 mil habitantes em 2002 para 5,6 em 2014 – um aumento de quase 10%. Em números absolutos, foram 2.898 suicídios de jovens de 15 a 29 anos em 2014.“

“Em 2014 o Brasil tinha um caso de estupro notificado a cada 11 minutos; e como apenas de 30% a 35% dos casos são registrados, é possível que a relação seja de um estupro a cada minuto. (…) Levantamento do Ipea, feito com base nos dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), mostrou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes.”

“No Brasil, 17,5% [dos adolescentes entrevistados] disseram sofrer alguma forma de bullying ‘algumas vezes por mês’; 7,8% disseram ser excluídos pelos colegas; 9,3%, ser alvo de piadas; 4,1%, serem ameaçados; 3,2%, empurrados e agredidos fisicamente. Outros 5,3% disseram que os colegas frequentemente pegam e destroem as coisas deles e 7,9% são alvo de rumores maldosos. Com base nos relatos dos estudantes, 9% foram classificados no estudo como vítimas frequentes de bullying, ou seja, estão no topo do indicador de agressões e mais expostos a essa situação.”

Após assistir “13 Reasons Why”, eu assisti também “Beyond the Reasons” que é um mini-documentário do Netflix que mostra os autores, escritores, produtores e atores comentando o porquê da série existir. Segundo eles, suicídio, bullying e estupro são assuntos sérios, que precisam ser discutidos mas são frequentemente ignorados, e “13 Reasons Why” vem para abrir o diálogo.

Quando eu olho para esse números acima, números sobre nosso país, eu tenho que concordar com esses autores e produtores: é preciso que falemos sobre isso. Não dá pra ignorar o aumento no número de suicídios e o aterrorizante número de 1 estupro a cada 11 minutos que acontece nesse país (sendo que 70% das vítimas são crianças e adolescentes). O autor do livro que inspirou a série, Jay Asher, disse que “a coisa mais perigosa que podemos fazer é obstruir o diálogo sobre o tema”, e eu concordo.

Mas, algo que me preocupa é quando simplesmente abrimos o diálogo mas não o continuamos, não o levamos à uma possível solução. E infelizmente é isso que acontece com “13 Reasons Why”.

Porque essa série pode ser perigosa

A Nova Zelândia classificou “13 Reasons” para maiores de 18 anos (Rated R) em seu Netflix, e o Canadá proibiu crianças e adolescentes de falar sobre a série nas escolas. Existe um motivo pra isso.

Muitos profissionais da saúde mental do exterior afirmam estarem preocupados com o resultado que a série pode trazer para crianças e adolescentes vulneráveis a pensamentos suicidas. Isso porque a história de Hannah Baker não nos traz esperança, mas pelo contrário, assim como o personagem Clay, os espectadores terminam a série com um sentimento de total impotência. Segundo esses psicólogos e psiquiatras, a série mostra uma adolescente que não encontrou ajuda em lugar nenhum, nem mesmo nos adultos de sua vida que deveriam tê-la ajudado, o que apenas confirma o estereótipo que adolescentes já têm de que adultos não entendem e não se importam, e que eles não têm para onde correr.

Além disso, a forma como Hannah é capaz de, do túmulo, destruir emocionalmente todos aqueles que a machucaram de alguma forma, pode fazer adolescentes com pensamentos suicidas pensarem que a vingança é a resposta final à sua dor. O pastor Russell Moore disse que todos os adolescentes que o procuram para pedir ajuda quanto à depressão não veem o suicídio como o final, mas sim como uma oportunidade de começar “de novo”. Esses adolescentes não querem de fato pôr fim às suas vidas, mas apenas ter uma vida diferente. Segundo ele, a série mostra como apenas depois da morte Hannah foi “notada”, que é o que esses adolescentes mais buscam. Mas, infelizmente nós sabemos que na vida real o suicídio não é “um novo começo”.

“13 Reasons” também falha ao não se aprofundar no tema doença mental (que não deve ser confundida com deficiência mental), que segundo os especialistas, é a real e mais profunda causa do suicídio entre adolescentes. O bullying, e até mesmo o abuso sexual, podem levar adolescentes à depressão, mas é ela que finalmente os leva ao suicídio. Ao não mostrar como Hannah poderia ter encontrado ajuda, tanto de forma médica quanto emocional, “13 Reasons Why” deixa adolescentes sem esperança de salvação. E aqui eu preciso apontar que entendo que essa seja uma obra de ficção, e que a opção de terminar sem “final feliz” é comum em muitas séries e filmes. Mas, por causa da delicadeza do tema, e por ser assistida por muitos adolescentes vulneráveis (com pensamentos suicidas) esse tom pessimista pode ser extremamente perigoso.

Um outro ponto que me preocupa é a própria cena do suicídio. A começar pelo tom gráfico – o livro diz que Hannah tomou várias pílulas, mas a série decidiu mostrá-la cortando os próprios pulsos, “para causar mais impacto”, conforme disse um dos produtores. Eu assisti à cena e confesso que tive que pausá-la algumas vezes para conseguir assisti-la toda (o mesmo aconteceu com as cenas de estupro). Mas uma coisa que percebi, e também li em outro artigo online, foi que a não ser por um momento inicial em que Hannah parece sentir um pouco de dor, a cena como um todo traz um tom quase pacífico ao suicídio. Penso que um adolescente com pensamentos suicidas que a visse não sentiria o peso do ato de tirar sua própria vida, mas sentiria um quase que encorajamento pela serenidade que a personagem parece ter em seus últimos momentos de vida.

Eu tenho uma amiga cuja mãe trabalha em um hospital aqui nos EUA. Ela me mandou uma mensagem de texto quando soube que eu estava escrevendo sobre esse tema e me contou que sua mãe teve que tratar uma menina de 13 anos que cortou seus pulsos depois de assistir “13 Reasons Why”. Pode ser uma exceção? Pode. Mas, não pode ser ignorada. (Aliás, vários artigos online mostram que ela não foi uma exceção.) Creio que para os produtores, o público alvo da série é, na verdade, os bullies e os adolescentes que passivamente os assistem, com o objetivo de os fazer repensar suas atitudes, e talvez para eles de fato o efeito seja positivo. Mas, para muitos adolescentes vulneráveis a série acaba não sendo um encorajamento a buscar ajuda, mas possivelmente um impulso final para concretizar um suicídio.

Por causa desse risco, eu creio que essa série não deva ser assistida por qualquer pessoa menor de 18 anos ou que tenha sensibilidade aos temas tratados. Muitas escolas norte-americanas concordam comigo, e inclusive enviaram anúncios oficiais aos pais de seus alunos recomendando que eles não permitam que seus filhos adolescentes assistam à série sem supervisão.

Eu realmente creio que “13 Reasons Why” pode ser muito prejudicial a pessoas vulneráveis. Se eu que não tenho passado com abuso nem suicídio terminei a série com um peso profundo e uma desesperança assustadora, imagino uma pessoa que seja vulnerável a esses temas.

Agora, eu não estou dizendo que esses temas devem ser evitados e que devemos simplesmente proibir nossos filhos de ver a série e seguir com nossas vidas normalmente como se “13 Reasons Why” nunca tivesse existido. Pelo contrário.

Porque essa série desafia as igrejas

Pesquisando para esse artigo, eu li vários escritos de pastores e líderes aqui dos EUA quanto à série e a maior parte deles condenava “13 Reasons Why” como extremamente perigoso e destrutivo.

Entre outros argumentos, alguns já tratados nesse artigo, muitos desses autores disseram que as cenas de estupro e a de suicídio foram gráficas demais e que adolescentes não deveriam assisti-las. Concordo – as cenas de estupro contêm nudez e a de suicídio é provavelmente gráfica demais para olhos juvenis. Entretanto, eu fiquei bastante contente, se é que esse é o termo correto, pela forma como o abuso sexual foi retratado. Cru, horrível, assustador, de arrepiar e fazer chorar. E não é assim na vida real? Nós estamos tão acostumados a filmes e séries nos mostrando apenas o começo do abuso para depois colocar a câmera para fora do quarto, apenas nos deixando imaginar a dor que está acontecendo ali dentro. Mas, para que nossos diálogos sejam honestos e reais, precisamos entender a dor profunda de um estupro. Ao mostrar apenas o rosto das vítimas nessas cenas, a série “13 Reasons Why” se recusa a “glamourizar” ou “sensualizar” o estupro, e eu a parabenizo por isso.

Como eu já disse nesse artigo, creio que essa série erra ao apenas abrir o diálogo, mas não o “fechar”, deixando o tom de desesperança no ar. Mas, precisamos ser sinceros em dizer que ao menos a série tentou cumprir esse papel, que na verdade deveria ser cumprido pela Igreja de Cristo, e nós temos falhado terrivelmente.

Creio que seria muita hipocrisia de minha parte apenas dizer “não assistiam à essa série”, e ignorar a importância daquilo que ela trata. Está na hora do povo de Cristo se levantar e quebrar as barreiras e “tabus” que nos impedem de conversar com nossas crianças e adolescentes aberta e amorosamente sobre abusos, dores, xingamentos, depressão e pensamentos suicidas.

Aqueles números do começo do artigo devem não só nos assustar, mas nos mover. Como líderes espirituais, como pais, como professores precisamos não ser como o Sr. Porter – passivos, omissos, ineficientes. Precisamos apontar essas crianças e adolescentes de nossas igrejas, nossos filhos, irmãos, sobrinhos, netos e alunos, à uma solução. E essa solução não está em nós.

Mil razões para morrer, uma só para viver

Hannah Baker tinha 13 motivos para se matar, e nenhum para escolher a vida. Muitos de nossos adolescentes se sentem assim – conseguem ver milhões de motivos para morrer e nenhum para continuar tentando, continuar vivendo. E o quanto nós falhamos ao ignorá-los!

Ao contrário de nós, Deus não escolheu silenciar sobre estupro, nem bullying, nem suicídio. A Bíblia retrata todos esses temas. Nós não precisamos de uma série de TV para trazer esses temas aos nossos adolescentes e iniciar o diálogo. Em Tamar e Diná, vemos a destruição que o estupro traz, e como a vingança não cura as feridas, apenas traz novas dores (cf. 2 Sm. 13 e Gn. 34). Em José, vemos um adolescente que foi torturado e preso por causa causa da inveja e do ódio de outros jovens em sua vida (cf. Gn. 37). Em Judas, vemos como a culpa pode levar alguém a tirar sua própria vida (cf. Mt. 27).

Se Deus não escolheu calar, nós não podemos calar sobre esses temas, mas assim como Ele, nos levantar para mostrar não só a dor e a escuridão dessas histórias, mas aquele fio vermelho que as liga e as leva a um final glorioso e redimido: Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus que foi morto para trazer esperança aos desesperançados.

Muitos dos nossos adolescentes não veem suas vidas como preciosas, mas Jesus as considera tão preciosas que morreu por elas.

A não ser que levemos nossos adolescentes aos pés da Cruz, continuaremos falhando. Podemos mostrar que a vida vale a pena ser vivida por causa de família, amigos, belezas, conquistas. Mas, sem a cura profunda e definitiva que Jesus traz, eles continuarão desesperançosos.

A não ser que levemos nossos adolescentes aos pés da Cruz, continuaremos falhando. Click To Tweet

Eu tenho uma amiga que foi estuprada na infância e lutou com pensamentos depressivos a vida toda. Hoje em dia ela é uma das pessoas mais alegres que conheço e sempre que pode nos conta sobre como Jesus a pegou, limpou, curou das dores, da vergonha e da culpa, e a levou a um lugar de esperança e nova vida.

E em Jesus não temos apenas esperança e redenção para as vítimas, mas também para os bullies. Ele morreu para que toda a nossa culpa fosse colocada sobre Ele e saísse de nossos ombros. Que esperança! Que Evangelho bendito!

No último episódio da série, o personagem Clay diz “Tem que melhorar… A forma como tratamos uns aos outros, como cuidamos uns dos outros… Tem que melhorar, de alguma forma.” E ele tem razão. E só há uma forma – Cristo.

Ajuda prática

Se quando você abrir o diálogo sobre esses temas com as crianças e adolescentes de sua igreja (algo que eu pretendo fazer também aqui no Graça), eles abrirem seus corações e contarem sobre essas dores, siga esses conselhos vindo de uma psiquiatra: “Não os julgue, nem julgue seus pensamentos. Mostre que você se importa e seja bondoso. Se ofereça para ficar com eles. Se ofereça a ir com eles para algum lugar específico para conseguir ajuda ou para ligar a alguém.”

Queridos, Jesus é a solução, mas Ele deu sabedoria a médicos para nos ajudar em nossos problemas físicos, o que a depressão é. Não subestime a necessidade de ajuda médica nesses casos.

Por fim, se você precisa de ajuda, ou conhece alguém que precisa de ajuda, ligue para o Centro de Valorização da Vida no número 141, ou entre no site http://www.cvv.org.br

Fontes:
https://blogs.thegospelcoalition.org/trevinwax/2017/05/01/13-reasons-why-is-deceptive-and-destructive/
http://www.russellmoore.com/2017/04/27/13-reasons-glamorize-teen-suicide/
http://www.jsonline.com/story/news/education/2017/05/18/teens-say-netflixs-13-reasons-reflects-their-world-experts-say-picture-incomplete/101448872/
http://www.ppd.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=343
http://health.usnews.com/health-care/for-better/articles/2017-05-17/is-the-firestorm-around-13-reasons-why-warranted
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,busca-por-centro-de-prevencao-ao-suicidio-cresce-445-apos-serie-da-netflix,70001734246
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401054
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-04/um-em-cada-dez-estudantes-no-brasil-e-vitima-frequente-de-bullying
http://variety.com/2017/tv/news/13-reasons-why-netflix-canadian-school-bans-talk-1202403323/