Os Concílios

Você já parou para pensar sobre a sua fé? Já refletiu sobre a origem de tudo aquilo em que você acredita? Sabemos que a Bíblia, nossa regra de fé é prática, é a Palavra de Deus dada por meio da ação do Espírito Santo que iluminou a mente de homens fiéis que a colocaram no papel. Ela é  o alicerce sobre o qual as doutrinas são construídas. Mas, será que todas as passagens sempre tiveram a mesma interpretação? Os líderes da igreja e teólogos sempre concordaram em tudo? 

Não ouvimos falar com frequência sobre os concílios. Quando olhamos para a história da igreja tendemos a focar nos marcantes acontecimentos da Reforma Protestante. Todavia, antes dela, temos fatos importantes que ajudaram a moldar e direcionar a fé cristã à verdade bíblica. Assim como vimos com os reformadores, esses momentos em que a liderança eclesiástica esteve reunida contribuíram muito para a correta compreensão da Palavra de Deus. 

O começo em Atos

No livro de Atos vemos o registro do nascimento da igreja. Os crentes no Senhor Jesus Cristo se reuniam em casas para estudarem juntos as Escrituras e desfrutarem da comunhão dos santos. Com a perseguição e a dispersão dos cristãos, o Evangelho chegou aos gentios e, com isso, uma controvérsia surgiu. Em Antioquia, alguns judeus pregavam que era preciso que os gentios fossem circuncidados fisicamente para que fossem salvos. Paulo e Barnabé se opuseram, afirmando que não era necessário. Como houve discussão entre eles, Paulo, Barnabé e alguns outros subiram a Jerusalém para consultarem os apóstolos e os presbíteros acerca dessa questão. 

Após se reunirem e debaterem, eles chegaram à conclusão de que a graça salvadora de Jesus Cristo, recebida mediante a fé, era suficiente para purificar todos os homens, fossem judeus ou gentios, não sendo necessários quaisquer sinais exteriores, além de um viver santo e puro, resultado da transformação interior. A resposta foi redigida, levada e lida à igreja em Antioquia. 

A reunião da liderança eclesiástica citada acima está registrada em Atos 15 e é conhecida como o Concílio de Jerusalém. Ela serve como um guia de como a igreja deve proceder caso surjam divergências em seu meio e é de forma um pouco parecida que os concílios que falaremos aqui vão acontecer.

O que são concílios?

Comecemos pelo conceito histórico. Um concílio era uma reunião dos bispos da igreja, convocada pelo imperador, para discutir e resolver questões que se levantassem e gerassem discussão no meio eclesiástico. Concílio vem do termo conciliar, buscar uma resposta ou posição que seja de consenso de todas as partes envolvidas em determinada discussão. É ecumênico porque contava com a participação de representantes da igreja de diversas partes do mundo. 

À medida que conversões iam ocorrendo e indivíduos de diversos contextos culturais abraçavam a fé cristã, eles acabavam tendo interpretações distintas da verdade bíblica. Semelhante ao que aconteceu em Jerusalém, pessoas e grupos se levantavam com ideias opostas e conflitantes em relação a determinados assuntos. Ao longo da história da igreja são reconhecidos 21 concílios, sendo alguns políticos, outros que passaram despercebidos. Minha intenção não é aprofundar em todos eles, mas, falar  brevemente sobre os quatro principais concílios ecumênicos e suas contribuições.

 À exceção dos falsos mestres que deliberadamente pregavam outro Evangelho, como registrado em Gálatas, Colossenses e nas cartas de João, por exemplo, muitos dos que foram considerados hereges, na verdade, estavam tentando explicar e defender pontos 

de acordo com sua visão de mundo, eram sinceros em seus argumentos e não tinham a intenção de dividir a igreja ou criar suas próprias comunidades. Nesse texto, a palavra “heresia” e seus derivados foi usada levando esse fato em consideração.

Concílio de Nicéia – ano 325 d.C.

O Concílio de Nicéia tratou sobre a chamada controvérsia ariana. O presbítero Ário, da cidade de Alexandria, afirmava que Jesus havia sido criado pelo Pai, caso contrário não teria como ser o Filho. Ele era a criatura mais elevada de Deus. Ário reconhecia a divindade de Cristo, porém, em um nível inferior. O bispo Alexandre se opôs a essa tese.

 Percebendo que as discussões no seio da igreja se tornavam acaloradas e tentando manter a unidade do império, o imperador Constantino convocou o Concílio de Nicéia. A ideia de Ário foi refutada e ele declarado herege. Foi elaborado o credo niceno que afirmava principalmente que o Senhor Jesus Cristo não foi criado e nem era de substância diferente de Deus Pai, pelo contrário, ambos existiam desde a eternidade, estavam no mesmo patamar, não havia subordinação entre eles, Jesus Cristo era Deus em sua plenitude.

Concílio de Constantinopla – ano 381

Convocado pelo imperador Teodósio na cidade de Constantinopla, esse Concílio debateu novamente sobre o arianismo, que foi combatido mais uma vez. Também houve discussão sobre a pessoa do Espírito Santo. Afirmou-se que o Espírito é Deus e as Escrituras fornecem evidências disso. Ele aparece na fórmula batismal de Mt 28.19: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Além disso, o Espírito Santo participa também de toda a atividade divina, desde a criação até o Dia do Juízo Final. E, por último, é o agente da salvação e quem ajuda os salvos no processo de santificação.

Concílio de Éfeso – ano 431

A questão a ser debatida dizia respeito a Maria, mãe de Deus, e, consequentemente, às naturezas de Cristo. De um lado, Nestório afirmava que ela não era a genitora de Cristo porque Deus não pode ter uma mãe. Maria era mãe apenas do homem Jesus. Sob esse ponto de vista havia uma separação entre a natureza humana e a divina do Messias.

Em oposição estava Cirilo e a defesa da “união hipostática” de Cristo, isto é, o Senhor Jesus Cristo encarnado era totalmente homem e totalmente Deus.

O Concílio de Éfeso combateu o nestorianismo e endossou a ideia da união hipostática. Dessa forma, deve-se dizer que Maria é mãe de Deus porque a natureza humana e a divina se unem numa só pessoa, no Verbo eterno encarnado.

Concílio da Calcedônia – ano 451

O monge Êutiques defendia a natureza única de Cristo e afirmava que a natureza de Jesus não era nem verdadeiramente humana, nem verdadeiramente divina, mas sim uma fusão das duas naturezas.

O imperador Marciano e sua esposa Pulquéria convocaram o Concílio da Calcedônia, o qual encerrou os debates sobre Cristologia que foi o assunto dos três concílios anteriores e afirmou que Cristo possui duas naturezas distintas, cada uma com seus próprios atributos, as quais subsistem em uma única pessoa.

O que os Concílios nos ensinam hoje?

Os primeiros cinco séculos da Era Cristã contribuíram imensamente para a preservação da verdade bíblica que chega a nós hoje. Foram as constantes discussões, sobretudo acerca da pessoa de Cristo, que afastaram o cristianismo de desvios perigosos.

 Muitas pessoas no meio cristão não percebem a relevância dessas discussões para aquela época, tampouco a necessidade de que as estudemos atualmente. Todavia, é preciso ressaltar que a essência do Evangelho consiste em que o Senhor Jesus Cristo fez-se carne para oferecer sacrifício aceitável a Deus Pai, de modo a aplacar sua ira e nos conceder a salvação de nossas almas. A obra messiânica só foi bem sucedida porque o Verbo encarnou, de uma forma que vai além da nossa limitada compreensão. Era necessário que a oferta pelo pecado fosse oferecida em carne e, ao mesmo tempo, somente o Ser Divino poderia fazê-lo de forma perfeita. Negar qualquer parte de tudo isso é negar a salvação, bem como afirmar que os crentes são idólatras, pois, se Jesus não for Deus, prestamos culto a um ser criado.

O estudo sobre os concílios nos mostram também a importância de conhecermos e valorizarmos nossa história enquanto povo de Deus. Desde a igreja primitiva até nossos dias, temos o relato de grandes homens e mulheres que se levantaram para defender a fé cristã e não permitir que a verdade revelada de Deus fosse distorcida. Estar à par da história nos ajuda a não incorrer nos mesmos erros dos hereges e a combatermos falsos ensinamentos que porventura tentem penetrar em nosso meio.

Por fim, vale ressaltar que as ideias, tanto as boas quanto as ruins, foram levantadas por pessoas que eram conhecedoras das Escrituras. Ler a Bíblia é tarefa essencial para o cristão, pois rata-se da Palavra de Deus, a forma de o Pai se comunicar com seus filhos amados. Por isso, precisamos estudá-las com afinco e, como os bereanos, consultá-la em todo o tempo para que não sejamos enganados (cf. At 17.11).

Não precisamos compreender exaustivamente todos os assuntos e nem somos capazes disso dada a limitação de nossas mentes. Aliada ao profundo conhecimento bíblico temos a ação da terceira pessoa da Trindade, Deus Espírito Santo, que nos dá sabedoria, entendimento e, sobretudo, fé para crermos na verdade revelada de Deus, como fez com nossos irmãos nos primeiros séculos. 


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