Os Apóstolos: Simão Pedro

De todos os apóstolos, o mais intenso. Um líder notório, um pescador talentoso, e, para o Reino, uma pedra preciosa, mas ainda bruta. Pensar sobre Pedro é pensar sobre mim. Analisar sua vida é ver retratos nus da humanidade e releituras de nossas próprias histórias. Estudar sobre um personagem neutro seria mais fácil, mas aqui está um que desafia nossa inconstância e testa o nosso próprio amor por Cristo. 

Em seu cirúrgico livro “Pedro: pescador de homens”, Pr. Hernandes Dias Lopes reforça essa visão nada sutil, mas bastante certeira: “O sangue de Pedro corre em nossas veias, e o coração de Pedro pulsa em nosso peito. Temos o DNA de Pedro. Oscilamos também entre a devoção e a covardia. Subimos aos píncaros e caímos nas profundezas. Falamos coisas lindas para Deus e depois tropeçamos em nossa língua e blasfemamos contra ele. Prometemos inabalável fidelidade e depois revelamos vergonhosa covardia. Revelamos uma fé robusta num momento e em seguida naufragamos nas águas revoltas da incredulidade. É isso que somos: Pedro!”

Eu poderia simplesmente parar por aqui e evitar ser confrontada, mas não seria essa uma atitude de negação bastante familiar?

Pedro, o pescador galileu

A família de Pedro era da cidade de Betsaida (João 1:44), localizada na região marítima conhecida como “Galileia dos gentios” por conta da esmagadora influência gentílica, fértil em superstições e crenças estranhas e contrárias à fé judaica. Apesar de não sabermos o nome de sua mãe, a Palavra nos informa que Pedro e André eram filhos de Jonas, e, durante o tempo de discipulado, Pedro morava em Cafarnaum com sua esposa e sua sogra (Lucas 4:38). 

De perfil altivo e muito levado pelas intensas emoções, Pedro era um líder nato, diferente de seu irmão, que evitava os holofotes, ainda que fosse constante trabalhador e tenha sido quem lhe apresentou a Cristo. Ambos tinham uma empresa de pescaria em parceria com os irmãos Tiago e João (Lucas 5: 1 a 10), na região do mar da Galileia, também conhecido como lago de Genesaré. Foi justamente ali, às margens desse lago de águas doces, de aproximadamente 23 quilômetros de comprimento por 14 de largura, entre as montanhas de Golã e da Galileia, que a primeira reviravolta de sua vida aconteceu.

Os sócios de pesca estavam voltando do labor noturno de mãos e redes vazias, sem nada a oferecer aos seus clientes. Cristo estava propositalmente naquela praia, pregando a uma multidão, e resolveu fazer o barco de Pedro como púlpito improvisado. Quando acabou de pregar, deu especificamente a Pedro o comando de ir novamente para o centro do lago e lançar as redes para pescar. O pescador já demonstra O conhecer, pois o chama de Mestre, e, embora trace argumentos negativos, lança as redes em obediência ao comando recebido. 

Um olhar mais contextualizado nos ajuda a entender que Pedro tinha razões para argumentar, já que era um pescador experiente e sabia que aquele não era, normalmente, o melhor horário para pescar. A probabilidade de êxito era quase inexistente, mas ainda sim ele seguiu a palavra de Jesus Cristo, e o resultado foi uma pesca milagrosa que deixou Pedro prostrado. Olhando hoje, em 2023, para o texto de Lucas 5, é fácil julgar algumas atitudes de Pedro. Mas, o que nós faríamos em seu lugar? Será que teríamos obedecido prontamente, ainda que não conhecêssemos bem aquele pregador?

Após vivenciarem o milagre, um convite é feito e aceito de forma radical. Pedro e os três sócios de pesca entram em uma nova parceria, agora sob a liderança de Cristo, que envolve uma missão universal, em que o mundo inteiro se tornou um oceano de “peixes” a pescar para Deus. Há, entretanto, uma ressalva importante a ser feita e que o Pr. Hernandes fez de forma certeira: “Embora os outros sócios tenham também abandonado seus barcos e suas redes para seguirem Jesus, a palavra é endereçada a Pedro: ‘Eu farei de você um pescador de homens!’ E, de fato, Pedro vai ser preparado para atuar como um pescador de homens, para lançar a rede do evangelho para levar multidões a Cristo. Ele é o grande pregador, o grande líder, que, cheio do Espírito Santo, vai ser poderosamente usado para abalar as estruturas do inferno e arrancar da potestade de Satanás milhares de vidas e transportá-las para o reino da luz.”

Pedro, o seguidor contraditório

A partir daquele dia na praia, vemos o “pescador de homens” sendo lapidado enquanto seguia o Mestre e vivenciava situações inusitadas. Sua avidez por viver aos pés de Jesus o tornaram um dos apóstolos mais íntimos do Mestre, junto com Tiago e João. Somente os três viram e vivenciaram certas situações, como a ressurreição da filha de Jairo, a transfiguração de Cristo no monte e a agonia no jardim do Getsêmani. Mas isso não significa que Pedro foi irrepreensível em todos os momentos.

Durante a quarta vigília da noite, no meio do mar, ele salta do barco e começa a andar sobre o mar agitado, indo ao encontro do Mestre que andava sobre a água. Nenhum dos outros discípulos teve essa coragem de pisar nas ondas como se fossem terra firme. Enquanto estava com seus olhos fitos em Jesus, ficou firme. Mas, ao se distrair com a fúria do vento e das ondas, afundou e teve medo. Vemos, nas palavras do Filho de Deus, que a fé nele gera e sustenta a coragem, e não o contrário. O processo de lapidação está em andamento.

No decorrer dos relatos dos Evangelhos, vemos Cristo em foco e Pedro bem perto, tentando pisar nas marcas que o Mestre deixava na areia, mas ainda vacilante em alguns momentos. Em Mateus 16, o vemos proferir uma linda e verdadeira declaração sobre quem era o carpinteiro de Nazaré (Mateus 16:16). Ponto para Pedro? Mais ou menos… Cristo rapidamente deixa claro que aquela confissão não é fruto da própria descoberta, mas da revelação do Pai, pois ninguém conhece a Jesus se, primeiro, o Pai não revelar o seu Filho (Mateus 11:27). Pedro está aprendendo que nunca foi sobre ele ou sua rapidez em achar respostas e entender as circunstâncias.

Temos, agora, um ponto de conflito entre muitos cristãos, quando Cristo fala sobre a edificação da igreja e as chaves do reino do céu (Mateus 16: 16 a 19). Ainda que Pedro tenha sido uma peça chave para a expansão do Evangelho entre judeus e gentios, ele e os demais apóstolos não teriam a menor condição de se responsabilizarem pela criação, sustentação ou edificação da Igreja. 

Gosto da explicação gramatical do Pr. Hernandes, no mesmo livro supracitado: “A palavra ‘Pedro’, do grego, Pétros, significa ‘fragmento de pedra’, enquanto a palavra ‘pedra’, do grego pétra, significa ‘pedra, rocha’. Pétros é um substantivo masculino, enquanto pétra é um substantivo feminino. Ademais, o demonstrativo te toute (esta) encontra-se no feminino, ligando-se, portanto, gramatical e logicamente, à palavra feminina pétra, a que imediatamente precede. O demonstrativo feminino não pode concordar em número e gênero com um substantivo masculino. Se Cristo tencionasse estabelecer Pedro como fundamento da igreja, teria dito: ‘Tu és Pedro, e sobre ti (epi soi) edificarei a minha igreja. Além do mais, todo o contexto próximo está focado na pessoa de Cristo (Mt 16.13-23).”

Pedro é, inquestionavelmente, um dos líderes de origem da Igreja. Não porque era melhor do que os demais, tampouco porque fazia por merecer. Tal como você e eu, ele era alvo das misericórdias do Senhor que faz grandes coisas apesar de nós e nossas falhas. Cristo, em sua soberania e onisciência, escolheu Pedro por saber o que o processo de lapidação resultaria em um pastoreio fiel e confiável de suas ovelhas.

Pedro, o servo restaurado

Novamente entre altos e baixos, Pedro se coloca em uma sequência de situações muito contraditórias:

  • Logo após afirmar a messianidade e a divindade de Cristo, tenta impedir Jesus de ir para a cruz (Mateus 16:23); 
  • No monte da transfiguração, levado pela emoção e por “boas intenções”, tentou colocar Jesus no mesmo nível de Moisés e Elias (Marcos 9. 5 e 6);
  • No cenáculo, disse para Jesus, diante todos os outros discípulos, que jamais abandonaria seu Senhor e iria com Cristo tanto para a prisão como para a morte (Lucas 22.33,34; Mateus 26.33-35);
  • No auge da grande batalha travada por Cristo no Getsêmani, dormiu (Mateus 26.40);
  • No momento da prisão no Getsêmani, sacou a espada para ferir um soldado, movido pela força de seu braço (João 18.10,11);
  • Ao ver Cristo ser levado, seguiu-o de longe e não foi ao monte Calvário (Lucas 22.54);
  • Por fim, encerrando a sequência, nega a Cristo três vezes (Mateus 26.70,72,74);
  • Pedro volta a pescar peixes (João 21) e aceita seu fracasso.

Cristo, porém, não voltaria atrás em sua palavra. Ele sabia, desde sempre, antes mesmo do primeiro contato com Pedro, que ele era quem era. Bem como sabe quem somos: poeira irrelevante que voa sob a influência de qualquer vento. Ainda assim, ele escolheu Pedro para uma missão e por isso volta ao mesmo cenário, no mesmo mar, para encontrar seus filhos. Ah, que Deus é esse? Quão constrangedora é sua bondade diante de nossas quedas!

Novamente recorro às palavras que o Pr. Hernandes usa para descrever o que aquele capítulo da história significou: “Pedro, eu sou o mesmo que um dia chamou você. Estou aqui hoje para restaurar você, para lhe dar uma nova chance, para recomeçar com você uma nova caminhada. Pedro, eu não desisti de você. Eu não abdico do direito de ter você comigo. Não abro mão de sua vida. Eu sou o Deus da segunda chance. Não pense em voltar atrás. Não cogite em voltar à sua empresa. Meu plano para sua vida não foi interrompido por causa de sua queda. Eu não desisti de você por causa de seu fracasso. Estou aqui para dizer que sou o mesmo, imutavelmente o mesmo, eternamente o mesmo que um dia chamou você para ser um pescador de homens!”

Cristo é o Deus que ressignifica nossas derrapadas na fé e as transforma em testemunhos de Sua Graça altamente eficaz. Se Pedro o negou 3 vezes, então 3 vezes ele teria a oportunidade de reafirmar seu amor, não mais por emoção, orgulho ou superioridade, mas em santo reconhecimento de suas fraquezas e seu amor limitado.

Dessa forma, o Mestre não só restaura sua vida, mas também seu ministério. Agora, ao invés de lhe dar uma rede para “pescar homens”, lhe dá um cajado de pastor e diz “Cuida dos meus cordeiros, pastoreia as minhas ovelhas e cuida das minhas ovelhas”. O apóstolo cumpre esses comandos com muito temor e amor, oferecendo sua vida em sacrifício pelo Evangelho, abrindo as portas do Reino para judeus e gentios, e glorificando a Deus até o momento de sua morte na cruz, à semelhança de Seu Redentor.

Apesar de todas as lições que podemos tirar com os relatos puros de sua vida, quero compartilhar também 3 lições que recebi do pastor de minha igreja local, Pr. Ebenézer Rodrigues, enquanto eu estudava para este artigo: 

  1. “Não importa onde estejamos, nosso amor por Jesus será sempre provado”;
  2. “Não importa o que tenhamos feito, nosso amor por Jesus sempre será confrontado”;
  3. “Não importa como nos encontremos, nosso amor por Jesus será sempre cobrado”. 

Ainda que a imagem no espelho mostre inconstância e amor vacilante, não é este o reflexo em que devemos nos apoiar. Nossa inspiração e modelo é uma sombra: a sombra da cruz erguida para cravar nossos fracassos e negações e redimir nossas vidas com a graça do Filho do Deus vivo, o amado Cristo que sempre vem ao nosso encontro para perguntar: “Tu me amas?”. 


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