Os Apóstolos: André, Filipe, Natanael, Tadeu e os Tiagos

Saber um pouco mais sobre os discípulos que foram tão próximos do Cristo é algo que nos enche de uma curiosidade quase infantil. A Bíblia faz questão de ressaltar que eles eram homens como nós: pecadores, falhos, que nem sempre entendiam as palavras de Jesus, mas que eram tementes ao Messias que os havia chamado. Os apóstolos são mais uma prova de que Deus é especialista em usar vasos de barro improváveis e que seu poder se aperfeiçoa na fraqueza humana. Para finalizar essa série, vamos conhecer um pouco mais dos discípulos restantes. 

André — a fidelidade silenciosa 

Apesar de fazer parte do círculo mais íntimo de Jesus e de ter sido responsável por evangelizar o maioral dos apóstolos, seu irmão Pedro (cf. Jo 41-42), André foi citado no Novo Testamento apenas nove vezes. Antes mesmo de ter seu encontro com o Messias, ele demonstrava grande interesse pelo Reino de Deus. Conseguimos entender isso pelo fato de ele ter sido discípulo de João Batista. Aprendendo de João, André certamente vivia na expectativa da vinda do Messias prometido. Por esse motivo, quando João Batista identificou Jesus como o Cordeiro de Deus, André fez exatamente o que era esperado que fizesse: passou a seguir o Cristo (cf. Jo 1:29-34). 

Após seu encontro com Jesus, a primeira coisa que André fez foi correr para seu irmão Pedro e dizer uma das declarações mais lindas e urgentes dos evangelhos: “Achamos o Messias!” (cf. Jo 1:41-42). Você pode imaginar o que era viver na expectativa da vinda do Cordeiro de Deus e finalmente encontrá-lo? Imagine por um instante a emoção de André, sinta a alegre urgência em sua ação de correr para seu irmão, imagine o temor cheio de deslumbre que ele sentiu ao dizer a seu irmão que havia encontrado o Messias prometido. 

Não há relatos de que André tenha pregado para grandes multidões, mas foi ele quem levou Pedro, o pregador do maravilhoso sermão do Dia de Pentecostes, a Cristo. Todos os frutos do ministério de Pedro, também são, em certo sentido, frutos da fidelidade de André em espalhar as boas novas. André é um exemplo perfeito daqueles servos que trabalham nos bastidores, mas com convicção e fidelidade. 

Tiago, filho de Zebedeu — a paixão pela glória de Deus 

Dos três discípulos mais próximos de Cristo (Pedro, Tiago e João), o que tem a história menos conhecida é Tiago. É provável que sua família, especialmente seu pai, tivesse algum prestígio, pois ele e seu irmão João, são conhecidos pela referência a seu pai, Zebedeu. Segundo John MacArthur¹, aparentemente, Zebedeu era abastado, pois seu negócio de pesca era grande o suficiente para empregar vários servos (cf. Mc 1: 20). Além disso, a família de Zebedeu tinha prestígio suficiente para que João fosse “conhecido do sumo sacerdote” e, assim, conseguisse que Pedro entrasse no pátio do sumo sacerdote na noite em que Jesus foi preso (cf. Jo 18: 15-16).

Em duas das listas de apóstolos, o nome de Tiago vem logo depois do de Pedro (cf. Mc 3: 16; At 1: 13). Por essa razão, supõe-se que ele era um líder forte, provavelmente o segundo em termos de influência, vindo logo após Pedro. Do que sabemos sobre Tiago, destaca-se o fato de que ele era um homem de disposição impetuosa. Enquanto André levava indivíduos a Jesus, Tiago desejava ter poder de pedir fogo dos céus para destruir vilas inteiras; por isso, foi chamado por Cristo de “filho do trovão” (cf. Lc 9: 51-56).

Nessa passagem, citada quando os samaritanos desprezaram a Cristo, podemos perceber um certo tom de arrogância na sugestão de Tiago e de seu irmão João, e isso se demonstra na maneira como fizeram a pergunta: “Senhor, queres que nós mandemos descer fogo do céu para os consumir?”. Em si, eles não tinham esse poder, somente Cristo tinha. O que eles queriam era que Jesus lhes desse a capacidade de incendiar uma vila inteira. Por certo ângulo, o zelo de Tiago era louvável, ele não queria aceitar o fato de que o Messias estava sendo desprezado daquela maneira pelos samaritanos. No entanto, a forma de exercer esse zelo demonstrava um reprovável sentimento de vingança.

Em outra ocasião, também podemos observar o coração ainda orgulhoso de Tiago. Em Mateus 20: 20-24, vemos quando ele e seu irmão pedem, por intermédio de sua mãe, que lhes fosse dada a bênção de sentarem-se ao lado de Jesus nos céus. Quando Cristo perguntou se eles seriam capazes de beber do cálice que ele mesmo beberia, a resposta foi um firme “podemos”. 

Tiago é o único apóstolo cuja morte está retratada nas Escrituras. Nos relatos dos Evangelhos é possível observar nele um temperamento intenso e apaixonado. O que o Espírito fez no decorrer de sua vida espiritual foi redirecionar esse zelo fervoroso ao alvo certo. A sua paixão pelo Reino de Deus e pela propagação da Verdade foi tamanha a ponto de irritar Herodes, que ordenou sua morte. 

Comentando sobre a vida deste apóstolo, John MacArthur fez uma acertada reflexão: “Tiago desejava uma coroa de glória; Jesus deu-lhe um cálice de sofrimento. Desejava poder; Jesus deu-lhe serventia. Desejava um lugar de proeminência; Jesus deu-lhe o túmulo de um mártir (…). Quatorze anos depois disso, Tiago viria a ser o primeiro dos doze a ser morto por causa de sua fé”.

A intensidade de Tiago nos ensina que um coração reordenado às paixões corretas pode ser um forte instrumento nas mãos de Cristo. O Reino precisa dos calmos como André, mas também precisa dos fervorosos como Tiago. Cada parte do corpo desempenha sua função em Cristo.

Filipe — um coração disposto e uma fé em construção 

O Filipe que compôs o grupo dos doze apóstolos não é a mesma pessoa retratada em Atos 6, que se tornou um grande evangelista. O Filipe apóstolo era de Betsaida, mesma cidade de André e Pedro (cf. Jo 1:44) e provavelmente também era pescador. É bem possível que, por pertencerem à mesma cidade e compartilharem do mesmo ofício, ele conhecesse André e Pedro antes que fossem discípulos de Cristo. A profissão de Filipe nos lembra, mais uma vez, que o que Jesus quer de seus discípulos é entrega. Jesus poderia ter escolhido 2 ou 3 pescadores e ter deixado as demais vagas para pessoas mais letradas, para os homens cultos. Isso é o que a lógica humana faria, mas não Jesus. 

O único evangelho que traz mais detalhes sobre Filipe é o de João. Seu chamado para ser discípulo de Jesus aconteceu no dia seguinte ao chamado dos três primeiros discípulos (cf. 1:43). Pedro, André e João foram direcionados a Jesus por João Batista, mas o chamado de Filipe foi diferente. Em seu caso, foi o próprio Cristo que o procurou. Isso não significa que os outros vieram a Cristo por méritos próprios. Todos os discípulos — assim como acontece conosco hoje — foram alcançados pela graça irresistível de Deus, mas o chamado de Filipe se destaca por ser a primeira vez que Jesus vai até um dos discípulos em termos humanos e diz “segue-me”.  

Assim como André, Filipe não hesitou em contar a maravilhosa notícia de que o Messias prometido estava entre os homens. Após ser chamado por Cristo, ele prontamente se dirige a Natanael, provavelmente seu amigo e também interessado no conhecimento de Deus, e diz “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José” (cf. Jo 1: 45). Filipe tinha não só um coração fervoroso em conhecer o Senhor, mas também um coração de evangelista. 

Outra situação, vivida por Filipe e registrada por João, que merece nota é quando Jesus multiplica os pães para mais de 5 mil homens. João 6:5 diz: “Então, Jesus, erguendo os olhos e vendo que grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pães para lhes dar a comer?” E por que ele escolheu Filipe para fazer-lhe essa pergunta? João declara que Jesus “dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que estava para fazer” (versículo 6). 

A resposta de Filipe mostrou que seus olhos estavam presos às coisas da terra: “Não lhes bastariam duzentos denários de pão, para receber cada um o seu pedaço” (cf. Jo 6:7). Filipe demonstrou que já estivera pensando em como alimentar aquela multidão e que chegara à conclusão de que era impossível. Ele já havia visto Jesus realizar vários prodígios, mas, assim como nós em diversas situações, o discípulo Filipe tinha uma fé frágil diante das circunstâncias. Diferente de André, que nessa mesma situação apresentou a Jesus o que dispunha como uma prova de esperança no Cristo (cinco pães e dois peixes pertencentes a um menino), Filipe olhou para a realidade e não viu saída.  

A tradição conta que Filipe foi um grande instrumento na igreja primitiva, levando multidões aos pés de Cristo. Ele foi também um dos primeiros apóstolos a sofrer o martírio. Segundo relatos históricos, esse apóstolo foi apedrejado até a morte na Ásia Menor, cerca de oito anos depois do martírio de Tiago. Esses eram os homens que foram escolhidos para serem os discípulos mais próximos de Jesus, homens tão parecidos conosco que a identificação é fácil de acontecer. Jesus não espera de nós a perfeição, o letramento, a fé inabalável; Ele só quer que nossos corações estejam dispostos. 

Natanael/ Bartolomeu — o preconceito que dá lugar à fé

Como vimos há pouco, Natanael foi apresentado a Cristo por seu amigo Filipe. Em alguns evangelhos, vemos Natanael ser referido como Bartolomeu, provavelmente seu sobrenome. Os relatos de Mateus, Marcos e Lucas apenas mencionam Natanael na lista dos doze apóstolos. João, por outro lado, mostra Natanael em outras duas passagens; uma delas referente a quando ele foi chamado por Cristo e outra a quando ele foi pescar com Pedro após a ressurreição de Jesus. 

Conforme João 21:2, Natanael era natural de Caná da Galileia, lugar em que Jesus realizou seu primeiro milagre ao transformar água em vinho (cf. Jo 2: 11). Caná ficava bem próxima de Nazaré, cidade de Jesus. Um dos fatos marcantes sobre Natanael é posto à luz quando ele aparece em João 1. A forma como Filipe anunciou a ele que havia encontrado o Messias aponta para o fato de que Natanael, assim como seu amigo Filipe, estudava as Escrituras e vivia na expectativa da vinda do Messias: “Filipe encontrou a Natanael e disse-lhe: Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas” (cf. Jo 1: 45). 

O versículo seguinte nos revela um pouco mais de quem era Natanael. Um homem que estudava as Escrituras, possuía genuíno interesse espiritual, ansiava pela vinda do Messias, e que era, assim como nós, bem humano. Natanael tinha certos preconceitos que ficaram evidentes em sua resposta a Filipe: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?”. É bem provável que Natanael só estivesse reproduzindo o desdém geral dos galileus pelos nazarenos.

O preconceito, seja racial, social ou religioso, pode facilmente tapar os ouvidos dos seres humanos para o evangelho. Isso aconteceu com o povo de Israel, que desprezou Jesus. Após sua expressão de dúvida, Filipe lhe faz um convite irrecusável: “vem e vê!” (cf. Jo 1:46). Ele, então, larga sua capa de dúvida e age em confiança à palavra de seu amigo. Indo, Natanael é surpreendido pela recepção calorosa de Jesus que declara sobre o seu caráter: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!” (cf. Jo 1: 47). 

Jesus já conhecia Natanael profundamente antes mesmo que Filipe lhe anunciasse o encontro do Messias. Jesus conhecia a fidelidade de Natanael e também suas dúvidas e preconceitos e nem por isso deixou de louvá-lo como um homem fiel. Ao contrário dos fariseus, não havia nele qualquer dolo, ou seja, má-fé. Natanael era o que se podia chamar de um homem justo diante de Deus por causa de sua fé sincera. 

As dúvidas de Natanael não foram prontamente sanadas após esse elogio por parte do Mestre; ele continuava reticente sobre esse homem a quem Filipe chamava de Messias. “Perguntou-lhe Natanael: Donde me conheces?” (cf. Jo 1: 48). A resposta de Cristo foi como um derramar de pura graça sobre o coração sedento por Deus de Natanael: “Antes de Filipe te chamar, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira ” (cf. Jo 1: 48). Naquele momento o duvidoso Natanael percebeu que estava diante do onisciente Deus e não teve outra reação a não ser exclamar “Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és Rei de Israel!” (cf. Jo 1: 49). 

Pelas Escrituras, isso é tudo que sabemos sobre Natanael. Alguns relatos históricos sugerem que ele pregou o evangelho na Pérsia, Índia e Armênia. Entretanto, o que sabemos sobre ele é suficiente para o enxergarmos como um homem fiel e temente a Deus, amante das Escrituras e ansioso por ver a profecia do Messias sendo cumprida. 

Tiago, filho de Alfeu — desconhecido por homens, conhecido por Deus

O único registro que os Evangelhos trazem sobre esse discípulo é o seu nome. Por ser Tiago um nome comum na época, é importante diferenciarmos este discípulo de outros dois Tiagos importantes nas Escrituras: Tiago, filho de Zebedeu, um dos doze apóstolos e Tiago, filho de Maria e José  e, portanto, meio-irmão de Jesus e escritor da epístola de Tiago (cf. Gl 1:19).

A falta de informações sobre este Tiago reflete-se até em seu apelido, pois em Marcos 15:40 ele é chamado de “Tiago, o menor”. Até mesmo os relatos da igreja primitiva são discretos e confusos quando se trata deste homem. Porém, o fato de Tiago ser listado entre os doze apóstolos já é uma informação suficientemente importante a seu respeito. Assim como os demais, ele apresentou “as credenciais do apostolado […] por sinais, prodígios e poderes miraculosos” (cf. 2 Co 12: 12). 

A história deste Tiago pode ter sido perdida aos olhos do mundo. Aos homens, Tiago passou pela vida sem deixar rastros. Contudo, aos olhos da eternidade, ele foi grande e muito valoroso. Falando sobre Tiago, John MacArthur disse o seguinte em seu livro Doze homens extraordinariamente comuns: “Em nenhum caso as Escrituras nos dão uma biografia completa. Isso porque as Escrituras sempre mantêm toda a atenção voltada para o poder de Cristo e o poder da Palavra. Isso é tudo que precisamos, de fato, saber. O importante não é o instrumento, mas sim o Mestre. Ninguém resume essa verdade melhor do que Tiago, o menor, filho de Alfeu”. 

Judas Tadeu — corações ocupados pelo Espírito

Os evangelhos de Mateus e Marcos o chamam de Tadeu enquanto Lucas o chama apenas de Judas. É bem provável que a escolha de Mateus e Marcos tenha sido feita a fim de evitar confusão com o outro Judas, o Iscariotes. Já João prefere esclarecer de pronto a questão dos nomes e se refere a este Judas deixando claro não ser o Iscariotes (cf. Jo 14:22). 

O único relato dos evangelhos em que este discípulo aparece de maneira proeminente está em João 14:22, 23: “Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: Donde procede, Senhor, que estás para manifestar-se a nós e não ao mundo? Respondeu-lhe Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada

Judas Tadeu estava pensando em termos políticos e pragmáticos, queria saber quando Jesus se revelaria a todo o mundo e implantaria seu reino terreno. A resposta de Cristo é cheia de poder e ternura: ele explica que o verdadeiro Reino não era terreno, mas espiritual. A ocupação do reino celestial não seria de terras, mas de corações onde o Espírito passaria a habitar. 

Registros históricos sobre Judas Tadeu relatam que ele levou o evangelho para o norte, para uma importante cidade da Mesopotâmia chamada Edessa, atual região da Turquia. O historiador Eusébio registrou que os arquivos de Edessa dispunham de relatos completos sobre a visita de Judas Tadeu e a cura que ele realizou no rei da região chamado Abgar.

Encerramos aqui esta série sobre esses doze homens tão extraordinários e ao mesmo tempo tão comuns. É interessante observar a confiabilidade das Escrituras ao retratar esses homens de maneira tão genuína. Não existe uma tentativa de passar a ideia de perfeição. O foco não é mostrá-los como homens que foram de alguma forma excepcionais em si mesmos. O foco das Escrituras é mostrar sua humanidade e usar seus acertos e erros para apontar para Cristo. Em suma, o que aprendemos com esses discípulos é que o que menos importa é o homem, o que tem real valor é o poder de Deus nesses homens. O mesmo se aplica a nós: não merecíamos ser chamados discípulos de Cristo, nossa linhagem, tempo de igreja, conhecimento teológico, nada disso são credenciais suficientes para nos levar ao círculo de amigos de Jesus. Mas a graça… Ah! A graça! Pela graça ele também nos escolheu, nos amou e nos fez discípulas. 

¹MacArthur, John. Doze homens extraordinariamente comuns. Thomas Nelson Brasil. 


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