O que o Cristianismo Não É: Político

Por um momento, gostaria que você se dedicasse a ler esse artigo da forma mais imparcial possível. Também quero avisá-los de antemão que não pretendo aqui estabelecer o certo ou errado, defendendo o posicionamento X, Y ou Z. Como cristãos, quero chamá-los à reflexão para que juntos possamos buscar um caminho para continuarmos a exercer nosso mandato cultural levando tudo neste mundo ao Senhorio de Cristo, inclusive a política.

Com certeza ao longo da história da humanidade, sempre existiram conflitos e debates entre cosmovisões diferentes. O século XX foi marcado por grandes eventos que redesenharam a sociedade e transformaram culturas e pensamentos: a 1ª Guerra Mundial, a Revolução Russa, a instauração do leninismo-marxista (comunismo), a 2ª Guerra Mundial, o Nazismo, o Fascismo, a Guerra Fria, entre outros acontecimentos que trouxeram um antigo e famoso embate entre socialismo e capitalismo.

Embora essas duas ideologias pareçam ter uma conotação mais voltada à economia, elas transitam entre outras áreas como bases ou componentes de suas estruturas. Ainda que o socialismo possa servir de base para outras ideologias, ele por si só se sustenta como uma, não apenas para a economia, mas para todos os âmbitos da vida, e tem por pressuposto impor a igualdade para todas as pessoas. 

Porém, essas ideologias evoluíram para o conceito de esquerda (socialismo) e direita (capitalismo), muito longe de representarem de fato todas as variações possíveis das ideologias que se originaram desses conceitos, atualmente, elas passaram a ser melhor entendidas como progressismo e conservadorismo, a nova esquerda e e nova direita, respectivamente. Precisamos refletir sobre elas e como têm afetado nossa história e nossos relacionamentos interpessoais.

Entre Poderes e Ideologias

No Brasil, esses termos e conceitos são relativamente novos para nós, pois de maneira geral, começamos a nos interessar mais por política com os atos pró-impeachment, em 2016, da então Presidente Dilma Rousseff, passando pelo governo interino de Michel Temer, depois, em 2018, com o governo Bolsonaro e agora, em 2022, com o retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder por meio do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

O que podemos entender do nosso país, nosso querido Brasil, é que desde sempre fomos uma nação pouco dada ao patriotismo. Somos um país jovem ou, como os europeus chamavam, um país do Novo Mundo. O Brasil foi colonizado, em sua maior parte, por portugueses, e passou por uma monarquia de 67 anos que foi retirada do poder com um golpe militar em 1889. Os governos que sucederam a monarquia se pautaram pelo patrimonialismo, e em 1930 até 1945 o país experimentou seu primeiro regime totalitarista com a Era Vargas. 

Um dos efeitos da Guerra Fria sobre o nosso país foi a “ameaça” comunista/socialista que instaurou-se após a Era Vargas e que provocou a intervenção militar no governo brasileiro na década de 60, sob o pretexto de que estavam nos protegendo de uma implosão social com a consequente tomada do poder por forças comunistas/socialistas. Os militares não devolveram o governo à sociedade civil após a ameaça ter passado e então inauguraram o período que ficou conhecido como Ditadura Militar, onde militares e revolucionários contra a ditadura se confundiam entre heróis e vilões.

Após o fim da ditadura militar que durou 21 anos (1964-1985) o governo brasileiro retornou à sociedade civil que elegeu José Sarney como o primeiro presidente pós-ditadura. Parte de todo esse contexto de governos fragilizados e com foco no poder e não no povo, chegando à instauração de ditaduras, foi percebido e sentido de diferentes formas entre o povo. 

O desconhecimento (causado ou natural) da política fez com que os brasileiros vivessem de forma fragmentada e paralela com relação uns aos outros, nos tornaram egoístas quanto às dificuldades do próximo e nos tiraram a percepção de que nossos problemas podem ter um fator comum, isso nos roubou o sentimento de nação, de patriotismo saudável, e nos tornou reféns de pretensos líderes, “pais”, salvadores que se apresentaram como a única solução viável por meio de suas ideologias.

Precisamos de uma ideologia para viver?

A palavra Ideologia é composta do grego ideo e logos, que quer dizer ciência das ideias, um sistema filosófico onde as sensações se tornam a fonte do nosso conhecimento, de tal maneira que por meio dessas inspirações oriundas da realidade em que vivemos acreditamos ter encontrado a solução final para todos os problemas, um padrão para se viver melhor em mundo de dificuldades. 

Já a política é a arte de governar, e exerce bem essa ciência quem consegue estabelecer seu poder, suas vontades, sobre os demais, seja por meio de bons argumentos e boas influências até mesmo pelo possível uso da manipulação e da violência. A ideologia é uma das ferramentas para que aquele que queira praticar política consiga obter poder para governar.

O mais interessante é que tanto a ideologia como a política têm sua fonte principal em Deus, afinal Ele como Criador das coisas visíveis e invisíveis, nos possibilitou ser criativos em todos os aspectos da vida para que pudéssemos exercer plenamente nosso mandato cultural. Para os cristãos é necessário pegar os óculos do Criador para discernir as ideologias separando o certo do errado, considerando os aspectos bons, mas que foram distorcidos para que possam ser restaurados e aplicados corretamente.

O liberalismo nos chama a reconhecer a importância de se atribuir a devida responsabilidade aos indivíduos e a respeitar suas liberdades. Já o conservadorismo nos lembra a importância da tradição e da preservação histórica durante as mudanças que ocorrem ao longo dos tempos. O nacionalismo prega a solidariedade comunitária que solidifica o sentimento de nação entre as pessoas. A democracia nos mostra a importância da participação popular nos governos. O socialismo alerta para a importância que as classes econômicas têm nas ações e pensamentos do povo, bem como a necessidade da intervenção estatal para amenizar graves diferenças econômicas entre os cidadãos.

No fim, a ideologia reflete o anseio do coração humano por redenção, pela restauração de um mundo caído, desde que essa redenção não venha pelo operar do Deus Criador, mas que a humanidade possa escolher ou destacar dentre a criação o que lhe possa ser útil para que ela mesma seja a protagonista-salvadora de sua própria história, portanto as ideologias são uma das versões modernas do fenômeno da idolatria e o cristão precisa compreender que adotá-las sem reservas é um risco à nossa vida, ao nosso relacionamento com o Criador e com as pessoas ao nosso redor.

Convivendo com as ideologias

Como podemos ver, nenhuma ideologia parte de um pressuposto de destruição, pelo contrário, o anseio pela redenção faz com que erroneamente busquemos uma solução definitiva nas coisas que Deus criou ao invés de trabalhar e descansar na certeza de que Ele proverá as soluções temporais e, sendo o Autor da história da humanidade, colocará um fim em todo mal. 

Nos desviamos da verdade e erramos em enaltecer o bem que as ideologias carregam a um status de uma realidade definitivamente única, destacando-o tal qual um deus, um ídolo, que poderá nos salvar de nossas mazelas sociais e individuais. Nesse sentido, David T. Koyzis, em seu livro Visões e Ilusões Políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas Visões e Ilusões Políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas, pondera que:

“A natureza distorcida de todo pensamento ideológico deveria ser o bastante para nos mostrar de imediato por que o cristão não pode simplesmente aderir a uma ou várias dessas ideologias e defender seus programas. Por outro lado, o cristianismo também não pode se transformar em mais uma ideologia. Se uma ideologia é baseada na deificação de um elemento da criação de Deus, o cristão, mais do que ninguém, deve ter condições de discernir corretamente a diferença entre a idolatria e uma estima mais moderada daquilo que é idolatrado. Em suma, o cristão entende que Deus é Deus e que os indivíduos, nações, Estados, classes econômicas e assim por diante dependem radicalmente dele para que possam existir. Eles são criaturas e ele é o Criador.”

Logo, mesmo o conservadorismo que para muitos de seus adeptos não se enquadraria como uma ideologia, tendo em vista que não se pauta por estabelecer uma visão utópica para solucionar os problemas da nação e nem se concentra em apoiar governantes que têm por objetivo se tornarem verdadeiras personalidades redentoras, também possui seus erros. 

Esse tipo diferente de ideologia ou pensamento, embora mais aderido por cristãos, pelo respeito às tradições, pode fomentar um saudosismo de épocas e costumes que já não são possíveis aos tempos atuais, saindo do saudável respeito e caindo no tradicionalismo que não aceita ou resiste às mudanças naturais e necessárias que em nada prejudicam ou desrespeitam as tradições, pelo contrário, só são possíveis porque o passado também é resultado de um progresso, de uma mudança.

Fato é que muitos cristãos acertadamente entendem que, pelo menos no ocidente, toda a nossa base civilizatória, toda nossa história, vida e também a política são influenciadas pelo cristianismo, logo, o conservadorismo, por respeitar as tradições, guarda correspondência com o sentimento cristão de preservar tradições culturais em nome da tradição cristã que ajudou no seu desenvolvimento. Porém, nos alerta ainda David T. Koyzis que “na pior das hipóteses, esse conservadorismo cristão pode degenerar em uma forma irracional de nacionalismo ‘por Deus e pela pátria’, incapaz de diferenciar a grande Tradição das demais tradições. Em sua melhor forma, ele sabe distinguir corretamente quais novas tradições concordam com a tradição por excelência, e busca preservá-la e levá-la adiante.”

Um cristão com bom discernimento sabe que o mandato cultural dado por Deus em Gênesis 1.28, ao homem e à mulher, compreende não apenas em conservar, mas conservar progredindo, entendendo que a dinâmica do progresso e da conservação não visa a exclusão, mas escolhas que complementam-se. 

Nesse sentido, não há uma ideologia ou estilo de política capaz de representar, complementar ou substituir o cristianismo, as ideologias humanas podem derivar dele em alguns aspectos, mas jamais conseguirão cumprir o que Cristo realizará no futuro em breve: Fazer novas todas as coisas. Ele é o verdadeiro Rei, Senhor e Governante que regerá as nações com seu cetro, é Ele quem vem vitorioso cavalgando em um cavalo branco para estabelecer seu Reino onde não haverá mais choro, nem fome, nem dor e nem morte, mas haverá eternamente vida, alegria e paz (cf. Ap 19 e 22).


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