O Preço da Santidade (Sobre Farisaísmo)

Temer a Deus é levá-lo a sério, é reconhecer nossa pequenez diante da santidade eterna do Soberano Rei do Universo. Santidade esta que nos coloca em posição de dependência e constante admiração, pois não sabemos (e nem saberemos neste lado da Eternidade) o que é viver sem a sombra do pecado a nos rodear. A santidade de Deus nos constrange e nos coloca no lugar que nos cabe.

Porém, em alguns momentos da nossa caminhada cristã, erramos o alvo e caímos no erro de acreditar que podemos ser mais espirituais e alcançar santidade por meios humanos, passageiros e baseados em regras e costumes. Somos (conscientemente ou não) viciados em leis, normas, 10 passos para alcançar isso e aquilo. Precisamos de manuais ou de alguém que nos diga o que fazer, com que frequência, de que forma e por quanto tempo, especialmente no que diz respeito ao relacionamento com Deus e à nossa busca por santidade. Somos fariseus modernos.

Santidade como moeda de troca

Após o cativeiro babilônico, época de intenso sofrimento do povo judeu, surge um novo grupo na sociedade, o dos fariseus; em hebraico P’rushim, que significa “separados”. No desejo de resgatar as raízes da cultura judaica e “limpar” alguns hábitos vividos na Babilônia, essas pessoas criam no Antigo Testamento (o Tanakh) como palavra de Deus para o homem, bem como na tradição acumulada ao longo dos anos pelos sábios e mestres, a chamada Torá Oral. Com isso, se autodenominavam separadas das práticas mundanas, pois, supostamente, não agiam e pensavam como os demais.

De acordo com o judeu messiânico David Stern, após a destruição do Templo em 70 d.C., o p’rushim e seus sucessores tornaram-se livres para desenvolver melhor sua própria tradição e transformá-la no centro de gravidade para a vida judaica. Ou seja, este grupo alcançou papel de liderança espiritual e moral em Israel. Ditava regras, supostamente baseadas nas leis, e controlava o comportamento do povo, em nome de manter uma cultura “aprovada por Deus”. Nos dias de Jesus, foi responsável pela intensa perseguição ao Mestre e seus seguidores, alegando que desobedeciam a Lei e contrariavam muitos costumes tradicionais, envergonhando o nome do Senhor. Vemos alguns exemplos dessas interferências em histórias como a da mulher adúltera (João 8), da cura no sábado (Lucas 13), da colheita de espigas para os discípulos se alimentarem (Mateus 12) e o próprio conselho que fizeram para prender e matar o nosso Cristo.

O principal problema desta forma de vida é sobrepor a lei ao relacionamento com o próprio Deus que criou a lei, como moeda de troca para obter a santidade. Essa forma de pensar diz “se eu fizer isso, Deus me dará aquilo”, ou “se eu deixar de fazer isso, alcançarei maior ou menor misericórdia”. O farisaísmo deposita muito valor no zelo, nas regras e no viver dentro de padrões altos, esquecendo que ninguém deve ser demasiadamente justo ou santo, como recomendou o Rei Salomão (Eclesiastes 7:16).

No livro “Pais fracos, Deus forte – criando filhos na Graça de Deus”, de Elyse Fitzpatrick e Jessica Thompson, as autoras defendem que não precisamos de mais regras para viver de forma correta. “Nós precisamos de um Salvador, porque cada um de nós já demonstrou que não responde bem a regras (Romanos 3:23). A nós foi dada uma lei perfeita (Romanos 7:12), mas nenhum de nós – não, nem mesmo um – a obedeceu (Romanos 3:10).” Essa forma de viver é autodestrutiva. O ser humano não possui em si o poder de alcançar purificação de pecados ou elevação espiritual. Falhamos miseravelmente todas as vezes que tentarmos; tudo é pela Graça.

Farisaísmo disfarçado

Em nossos dias, essa prática ainda se mantém viva e atuante no meio cristão, embora tenha sido fortemente criticada por Jesus. Aquela oração do fariseu, em Lucas 18:11, continua sendo real hoje, com algumas adaptações. Quem nunca olhou para algum irmão com dificuldades a respeito de um pecado e pensou “ainda bem que esse problema eu não tenho e disso eu não sofro”? Sem que ninguém nos pergunte, já temos pronta nossa defesa: “estou na igreja todos os domingos, nunca falho com minha devocional, faço jejum com certa constância, meu namoro é santo, canto em grupos de louvor, nunca deixo de entregar o dízimo”. Nós somos filhas boas demais, obedientes, devotas e disciplinadas, não é mesmo, minha irmã? 

Ah, se o Senhor não renovasse para conosco as misericórdias a cada manhã! Temos tanto a melhorar, tanto a crescer na fé, tanto a conhecer do bondoso Deus! 

Disfarçamos o nosso farisaísmo ao acharmos que as disciplinas espirituais limpam nosso nome perante o Justo Juiz quando o único caminho para isso é nos derramarmos em humildade perante o perfeito Advogado. Nada limpa nosso coração a não ser o sangue de Cristo. Nada nos aproxima tanto do Pai quanto um coração contrito que reconhece sua pequenez e limitação. E não há nada que nos afaste tanto do Pai quanto a atitude soberba de pensar que temos algo a oferecer para chamar Sua atenção. É tudo pela graça. Sempre foi assim e sempre será!

Não quero aqui invalidar tudo o que temos estudado nas últimas semanas, ou encher seu coração de culpa por seguir planos devocionais, estipular momentos fixos de oração, fazer uso de agendas, planners ou diários espirituais para registrar a caminhada com Cristo e organizar melhor o seu tempo. Disciplinas espirituais são meios maravilhosos de direcionar nosso coração ao único capaz de nos dar sentido à vida. Os “acessórios”, como gosto de chamar as ferramentas para a prática das disciplinas, também são bençãos preciosas que o Senhor nos dá por meio de mentes criativas que os compartilham conosco. Porém, nada disso faz sentido se nutrimos, no íntimo de nosso ser, o desejo de barganhar com Deus. 

Não nos aproximamos dEle para ter algo em troca, mas porque já recebemos tudo e não há outro jeito de viver, senão ligados à Videira. Buscamos a santidade não porque queremos sair na frente, como se estivéssemos em uma corrida com nossos irmãos em Cristo, mas porque odiamos o pecado e amamos a pureza do Mestre. Se nosso foco estiver correto e nosso coração estiver centrado, as disciplinas espirituais e seus acessórios nos aproximarão ainda mais do Pai. Caso contrário, nos transformarão em sepulcros caiados a longo prazo. 

Os bem-aventurados

Aquela oração do fariseu fazia menção ao pobre publicano que se humilhava sem medo de julgamentos. “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!” (Lucas 18:13). Essa é a oração dos bem-aventurados, conforme ensinou Jesus no sermão do monte. “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.” (Mateus 5:3)

Quando chegamos à presença do Rei conscientes de nossa condição miserável e incapaz de fazer qualquer coisa que seja realmente boa, alcançamos misericórdia e aprendemos sobre a santidade que rege o Reino dos céus. Santidade que está livre de orgulho e egoísmo e nos faz olhar e viver para o que realmente importa.

Em uma entrevista à Ultimato, o autor Philip Yancey tratou desta questão ao diferenciar santidade de moralismo. “As pessoas mais moralistas nos dias de Jesus eram os fariseus, que se esforçavam diligentemente para cumprir todas as 613 leis do Antigo Testamento. Eram indivíduos corretos, que criam na Bíblia. Porém, como Jesus explica em Lucas 11 e em Mateus 23, eles não compreenderam o ponto principal do evangelho. Os fariseus ofertavam o dízimo de seus temperos – 10% de sal, 10% de pimenta – enquanto ignoravam problemas graves relacionados à pobreza e à injustiça. Isso é o que o moralismo faz. Ele limita nosso foco a questões internas de santidade, cegando-nos para todo o resto.”

Cá está a grande diferença entre o fariseu e o publicano: enquanto um buscava a Deus na escuridão de seus próprios padrões e de acordo com regras que o Senhor nunca exigiu de Seu povo, o outro estava livre para ser pobre na presença do Pai. Um alcançou a justificação, enquanto o outro foi humilhado. Essa é a lógica do Reino: os orgulhosos são humilhados e os humildes, respeitados (Provérbios 29:23).

Façamos um raio-x de nossas vidas, nossas intenções e nossas atitudes perante o Senhor. Pensemos sobre as motivações em nosso íntimo quando nos achegamos em Sua presença. Prestemos cultos racionais, sem o peso das aparências. Rasguemos nossos corações e abandonemos a religiosidade. Cristo está mais próximo dos pecadores miseráveis que O buscam em quartos silenciosos, dentro do ônibus voltando da faculdade ou na praça de alimentação do shopping, do que aqueles que vestem suas melhores roupas para o culto e se apresentam ao Senhor como quem está batendo ponto para garantir o salário.

Assim como o fariseu Nicodemos cruzou a barreira da religiosidade e foi ao encontro de Jesus, há igual oportunidade para nós, mesmo quando estamos afundadas em regras moralistas. Ah, que esperança para nossos corações contritos e envergonhados!

Que nossa vida devocional nos leve pelo caminho do publicano, ou do fariseu arrependido.

Esquadrinhemos os nossos caminhos, provemo-los e voltemos para o Senhor. (Lamentações 3:40)


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Fevereiro com o tema “Disciplinas Espirituais”. Para ler todos os posts clique AQUI.