O Fruto do Espírito: Fidelidade

Uma das coisas encantadoras sobre a reflexão que estamos fazendo com essa série de artigos aqui no nosso blog do Graça em Flor, é entender que o fruto que o Espírito promove em nós, após a nossa regeneração em Cristo, não é um presente para nós mesmos pela nossa conversão, pelo contrário, é um presente de Deus para ser partilhado e doado com qualquer pessoa que encontrarmos ao longo da vida terrena.

Naturalmente, nossa conclusão quando lemos “fruto” é nos lembrar das diversas árvores que existem em nosso mundo e o fruto que cada uma produz nunca é para alimento próprio da árvore que o gera, mas sempre para ser colhido por qualquer pessoa que passar pela árvore e quiser assim saciar sua fome ou vontade de comer daquele fruto.

Quando amamos, nos alegramos, temos paz, somos pacientes, expressamos gentileza e bondade, tudo tem por objetivo transbordar para o próximo, conhecido ou desconhecido, trazendo sabor, aromas e beleza para pessoas que, muitas vezes, ainda estão vivendo debaixo do jugo do pecado.

O apóstolo Paulo começa nos contando como é a vida pecaminosa, as consequências de uma vida sem propósito, autocentrada, desordenada e hedonista (Gl 5.19-21), o completo oposto do bem que Deus é e estabeleceu quando criou todas as coisas. Após a queda, é como se – na ideia inicial proposta neste artigo – deixássemos de produzir frutos para servir ao próximo e passássemos a nos servir do que nossos anseios pecaminosos produzem e, pior, a humanidade segue acreditando que isso é bom.

Atualmente, na sociedade de valores líquidos em que vivemos, ser fiel ou agir em fidelidade é sinônimo de ser bobo, afinal, diz o velho ditado popular: “o mundo é dos espertos”, e ser esperto é se tornar alguém dúbio. Se para ganhar for necessário quebrar a confiança de alguém isso não deve ser uma preocupação, o mais importante é que a lógica maquiavélica seja obedecida: não importam os meios, o que importa é que o resultado seja alcançado.

Ele é fiel

“Tu és fiel, Senhor, meu Pai celeste, pleno poder aos teus filhos darás. Nunca mudaste, tu nunca faltaste: tal como eras, tu sempre serás. Tu és fiel, Senhor, tu és fiel, Senhor, dia após dia, com bênçãos sem fim. Tua mercê me sustenta e me guarda; tu és fiel, Senhor, fiel a mim.”

(HCC nº 25 – letra: Thomas Obediah Chisholm, 1923)

Há uma frase atribuída ao grande reformador, João Calvino, que diz: “Tudo o que você vê de bom em mim, é Cristo. Tudo de mal, sou eu mesmo”, e ela expressa muito bem como é nossa natureza caída em Adão e Eva, totalmente desprovida do bem. A humanidade só conhece o bem porque Deus também se revelou e se fez conhecido através da revelação geral (criação, consciência e provisão – fatores que levam a humanidade a pensar no transcendente). Logo, a nossa referência do que significa ser fiel, leal, honesto, verdadeiro e digno de confiança, mesmo que você não seja um cristão, vem de Deus.

Somente Deus pode ser fiel de forma íntegra, imutável e inabalável, e podemos contemplar esse aspecto do caráter dele logo nas primeiras páginas da Bíblia: da promessa feita à Eva sobre um descendente que pisaria a cabeça da serpente (Gn 3.15); passando por Abraão com quem Deus fez uma aliança onde ele mesmo foi o garantidor de seu cumprimento (Gn 15); depois pela reafirmação da promessa com Abraão para sua descendência, Isaque e Jacó; chegando no dia da libertação do povo de Israel da escravidão no Egito, até a vinda do Messias, pelos fatos e pela história podemos comprovar que Deus sempre cumpriu o que prometeu.

Por isso é dito que, ainda que sejamos infiéis, ele permanece fiel (2 Tm 2.13) porque Deus não pode ser incoerente com o que ele mesmo estabeleceu por suas palavras, ou seja, seus atos não contradizem suas palavras. Deus se autorresponsabiliza e se autocompromete a cumprir tudo o que prometeu, inclusive as consequências que virão sobre aqueles que descumprirem seus preceitos e se colocarem contra ele. Assim, somente o Senhor pode definir o que é o bem e o mal, estabelecendo leis que nos orientarão a seguir o que é justo e verdadeiro, nos afastando do mal.

Quando Israel seguiu os caminhos de seus corações enganosos, agindo cada um conforme o que era bom aos seus próprios olhos ou seja, suas próprias leis, Deus os enviou para o exílio na Babilônia. Apesar dos vários alertas feitos pelos profetas, em especial por Jeremias que sofreu muito por ter visto a queda do povo de Israel, o Senhor cumpriu o que havia prometido que faria caso eles seguissem em desobediência. Mesmo no exílio, mesmo no momento de maior sofrimento, o profeta Jeremias declarou: “O amor do Senhor não tem fim! Suas misericórdias são inesgotáveis. Grande é sua fidelidade; suas misericórdias se renovam cada manhã” (Lm 3:22-23).

A escritora cristã, Jen Wilkin, nos lembra que Deus “abençoa aqueles a quem prometeu abençoar e amaldiçoa aqueles a quem disse que amaldiçoará. Para que adoremos a Deus como totalmente fiel, precisamos ter em vista ambas essas expressões de fidelidade. Precisamos desse Deus que é totalmente fiel. Quando os filhos de Deus escolhem esquecer o terror do juízo Divino, formam Deus conforme a sua própria imagem. E ao esquecer a fidelidade de Deus em julgar, esquecem totalmente quem Deus é”. 

Portanto, é na fidelidade de Deus que encontramos descanso porque sabemos, por quem ele é e pelo o que faz, que podemos confiar nele, sem reservas, não importam as circunstâncias, como também trememos em santo temor por saber que, por sua fidelidade, executará sua justiça contra aqueles que se opõem a ele.

Produzindo fidelidade

Em algumas traduções mais clássicas da Bíblia, como a ARC (Almeida Revista e Corrigida), podemos ver que a palavra fé aparece no lugar da palavra fidelidade em Gálatas 5.22. Isso acontece porque no grego a palavra pistis, quando aparece nos textos sagrados, é melhor traduzida por fidelidade que também tem o sentido de confiança, logo ter fé é ter confiança e ser confiável, é produzir fidelidade na semelhança daquele que é fiel a nós.

A fidelidade é um dos aspectos do fruto do Espírito porque não podemos produzi-la de nós mesmos, isso é obra de Deus, é comunicada a nós por ele. Portanto, dada as nossas limitações e inclinações do coração, nossa fidelidade não é perfeita, mas com a cooperação do Espírito podemos refleti-la de forma que sejamos testemunhas da fidelidade de Deus a toda e qualquer pessoa, sem distinções, ainda que tais frutos de fidelidade sejam possivelmente desprezados e destruídos por aqueles que desfrutam deles. Buscamos permanecer fiéis porque Deus é fiel a nós.

Em meus tempos de faculdade de Direito sempre admirei a palavra “fidedigno”, a expressão “a testemunha deu um relato fidedigno dos fatos” inspirava em mim uma ideia de segurança, confiança, certeza, verdade, a paz de que a justiça havia encontrado um caminho para ser estabelecida, a verdadeira derrota do engano e de toda mentira. Palavras e atos fidedignos, ou seja, dignos de confiança, são um ideal a ser buscado pela humanidade, porém, para os cristãos, são uma evidência da atividade do Espírito em nós.

No capítulo 11 da Carta aos Hebreus, comumente conhecida como a galeria dos heróis da fé, (na verdade, poderíamos renomeá-la de As Grandes Produções de Fidelidade) homens e mulheres, de diferentes gerações, mesmo cheios de pecados e fraquezas, por confiarem no Senhor e obedecerem seus mandamentos, deram demonstrações de fidelidade e revelaram em seu modo de viver esse aspecto do fruto do Espírito.

Produzimos fidelidade, pelo Espírito, quando dedicamos ao Senhor as partes mais importante e mais excelentes de nossa vida, como fez Abel; quando andamos nos passos do Mestre, caminhando em sua presença todos os dias, como fez Enoque; quando atendemos ao seu chamado a obedecer sem nos preocuparmos com o resultado, como foi com Abraão; quando somos honestos em nossos trabalhos, trabalhando com diligência aos nossos empregadores, preferindo sofrer pela verdade do que se deleitar no engano, assim como fez José quando esteve no Egito. 

Também produzimos fidelidade quando nos dedicamos no trabalho ao Senhor, quando o seguimos em seus termos, procurando discipular nossos irmãos e deixarmos ser discipulados por eles, de forma que possamos contribuir no florescimento dos dons na igreja e exercer o cuidado do Corpo de Cristo buscando servir em amor, considerando os interesses dos outros mais importantes do que os nossos, como nos ensinou o Salvador, livres de qualquer ciúme e ambição egoístas, assim como fez Moisés quando liderava o povo de Israel.

A fidelidade, como um aspecto do fruto do Espírito, está baseada no compromisso firme e duradouro com o que mais amamos, exigindo de nós dedicação e lealdade; ser fiel é ter o coração inteiro voltado ao Senhor, refletindo em nossas palavras e promessas a verdade para com Deus e com o próximo, não para sermos elogiados pelos outros, mas porque desejamos ser fiéis como Cristo é fiel. E que ao fim, ao retornarmos para Casa, quando estivermos na presença do Pai, possamos ouvir sua doce voz nos convidando a celebrar com ele, dizendo: “Muito bem, meu servo bom e fiel” (Mt 25.21). 


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