O Cristão no Vale do Medo (Sobre Síndrome do Pânico)

“Hoje dou glórias a Deus por ter passado por aquele momento difícil.” É com este encorajamento que desejo começar nossa conversa. Só quem vive ou viveu na pele os efeitos da síndrome do pânico sabe o quão difícil é passar por momentos de completa vulnerabilidade emocional. Só quem se viu dominado pelo medo sabe o valor da sensação de paz e calmaria na mente e no corpo. E são a estas pessoas que desejo de todo o coração a vitória que permita dizer: passei pelo vale, estou livre, glória a Deus!

Carlos, presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil, é o autor do encorajamento com o qual começamos esse texto, pois vive com este alívio há 16 anos, depois de 9 meses de tratamento médico e acompanhamento espiritual. Os primeiros sintomas apareceram em 2006: visão turva, aperto no peito e mal estar. Correu para o hospital e mal pôde esperar para ser atendido, tamanha era a agonia que sentia. O médico fez alguns testes, lhe aplicou um calmante e o encaminhou a um cardiologista. Entretanto, durante a noite, o calmante teve efeito contrário e ele não conseguiu dormir. Após realizar os exames solicitados pelo cardiologista, nada se constatou. 

Poucos dias se passaram e os sintomas retornaram: aperto no peito, pensamentos estranhos, ansiedade fora do comum, rapidez na fala e mãos inquietas. Foi quando decidiu procurar o pastor de sua igreja, que prontamente lhe atendeu, fez algumas perguntas chamadas diagnósticas (a fim de entender a possível raiz do problema) e sugeriu que procurasse um médico da igreja para realizar um check-up que, por fim, detectou um combo de distúrbios: ansiedade, pânico e depressão. Iniciou, então, os dois tratamentos: médico e espiritual. “Eu tinha encontros com meu pastor de 4 a 5 dias por semana, sentia essa necessidade e tinha o desejo grande de estudar a Palavra. Ficávamos em média 2 horas por dia fazendo o tratamento com Cristo, enquanto o médico me tratava com os medicamentos”.

Carlos reconhece os benefícios da união entre a fé e a ciência durante seu trajeto pelo vale do medo e na luta contra a ansiedade e a depressão. “São duas partes que caminham juntas”, ele afirma. O corpo precisa de cuidados, mas também é necessário tratar a ferida, buscar a causa do medo. “Por isso, a importância de procurar alguém no meio cristão para melhorar e ser edificado com uma maneira diferente de viver. Hoje vivo uma vida mais tranquila, foi aos trancos que aprendi a confiar no Senhor e administrar a vida de uma forma diferente, puxando mais o freio e confiando que o Senhor é o provedor de nossas necessidades. Tudo mudou.”

O que é esta síndrome?

Apesar de haver variação de sintomas, é muito comum que as pessoas acometidas pelo pânico sintam aperto no peito e falta de ar, como se algo no corpo estivesse prestes a entrar em colapso. Porém, é importante dizer que um episódio isolado é diferente da síndrome, propriamente dita. Creio que todas nós vivenciamos momentos da vida em que o medo nos paralisa de tal forma que sentimos os efeitos no corpo. Seja em um dia de prova na faculdade, o dia do casamento, o nascimento de um filho, o momento em que se recebe uma notícia ruim, uma experiência de perigo iminente, entre outras coisas. Mas, a síndrome (também chamada de transtorno) é mais do que um fato isolado. É algo que se torna constante e começa a “contaminar” outras áreas da vida que nada tem a ver com o motivo que desencadeou a primeira crise. 

De acordo com uma definição de 1995 da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, APA), um ataque de pânico é caracterizado por um período de temor ou desconforto intensos que acarreta em sintomas físicos e psíquicos* repentinos que tendem a alcançar um pico de intensidade em dois a dez minutos, desaparecendo aos poucos, com duração média de até trinta minutos. Já os Transtornos do Pânico, como a APA assim nomeia, são justamente a recorrência dos ataques, com a frequência de pelo menos um por semana ou quatro em um mês. 

A pessoa acometida pela síndrome do pânico está vivenciando um desequilíbrio emocional decorrente de intensa ansiedade, que causa uma sensação de estar constantemente em perigo, até mesmo em atividades que fazem parte de sua rotina, como ir ao mercado, dirigir o carro, entrar em um shopping, etc. O medo de sentir medo, de entrar em uma nova crise e sentir todos aqueles sintomas acaba paralisando e tirando, pouco a pouco, o vigor da vida.

Fé x Medicina

Eis uma pergunta muito frequente no meio cristão: a fé pode mover montanhas, mas não pode curar doenças? Precisamos tomar cuidado com esse tipo de questionamento, pois ele pode revelar certa rejeição aos propósitos que Deus tem para a nossa vida. Não é Ele próprio o Criador e fonte de todo o conhecimento? O verdadeiro saber procede do próprio Deus, tal como mostra a história do grande sábio Salomão (1 Reis 4:29-34). Sendo assim, Ele é o autor da ciência e da medicina. Se tudo o que Ele criou é bom, então a sabedoria que dá ao ser humano para lidar com doenças é igualmente boa e útil e, por isso, pode ser o meio pelo qual Deus deseja trazer a cura.

A grande questão é: Deus pode curar sem o uso de remédios? Como diria Sherlock, “elementar, meu caro Watson”. Deus é onipotente, Ele pode o que quiser, quando quiser e da forma que quiser. Mas, Sua onipotência também pode ser provada por meio de um remédio criado por cientistas, dotados por inteligência que Ele tem e concede ao ser humano através da graça comum.

No caso de Carlos, o presbítero que mencionei no início, se tratava de um distúrbio hormonal que necessitava de tratamento químico. Ele precisava do aconselhamento bíblico em áreas específicas de sua vida, mas seu corpo também precisava de medicamentos para tratar os efeitos colaterais. 

A fé não é posta de lado quando vamos ao pronto-socorro. Pelo contrário, devemos recorrer aos médicos crendo que Deus pode usá-los para nos oferecer o tratamento adequado de uma doença ou mal-estar que Ele já conhece, tem a solução e pode compartilhar conosco por meio de exames e tratamentos. Como bem dizem Arival Dias Casimiro e Roseli Gedanke Shavitt, autores do livro “Transtornos mentais e espiritualidade”, “a medicina é uma benção de Deus a serviço do homem”.

Eis aqui a aplicação da cosmovisão cristã: nós olhamos para o mundo a partir de nossa fé, que diz que Deus é quem traz as respostas para a vida. No tratamento da síndrome do pânico, a fé entra como o agente principal na busca pela cura. Você só pode chegar ao outro lado do vale do medo se crê que Jesus Cristo está ao seu lado e pode lhe abrir o caminho, iluminar a estrada e fornecer os recursos necessários para a sua trajetória. “Busquei ao Senhor, e ele me respondeu, e de todos os meus temores me livrou” (Salmos 34:4)

Casimiro e Shavitt acreditam que a fé e a ciência não se colidem, mas “encontram na existência de Deus o seu ponto de referência e de unidade”. Por isso, se você se encontra no vale, apegue-se a Deus e fique atenta à Sua orientação. Se o aconselhamento bíblico com seu pastor ou um irmão na fé for suficiente para lhe conduzir pelo vale, glória a Deus. Se for necessário utilizar medicamentos, glória a Deus por esse recurso também. Tenha em mente que você não é uma cristã fraca por precisar de remédios para vencer o pânico, pois a medicina não anula a fé, elas são ótimas aliadas. Lembra da história de Ezequias? Ele foi acometido de uma doença fatal e o profeta Isaías lhe deu orientações medicinais que, aliadas à fé em Deus, permitiram que ele vivesse mais quinze anos de vida (a história completa está em Isaías 38). O mesmo Deus de Ezequias é o seu, e pode usar a medicina em Seus propósitos soberanos incontáveis vezes.

Um bom aconselhamento bíblico e estudo das Escrituras somado a um tratamento médico eficaz, pode ser a chave para te levar ao outro lado do vale.

Resistindo à inércia no vale

As crises de pânico têm um certo poder de paralisia, seja emocional ou física. As pessoas que são acometidas pela síndrome começam a se privar de coisas que sempre gostaram de fazer e começam a, inclusive, fraquejar na fé. Porém, há um papel que elas podem desempenhar em meio ao vale, justamente para resistir e combater à inércia: usar a fé e a razão contra o medo.

Lembro-me daquele episódio em que os discípulos se atemorizaram com uma tempestade medonha, enquanto Cristo dormia no barco. Imagino que eles O acordaram com gritos, chacoalhões e certa indignação por sentir sono enquanto eles lutavam contra um possível naufrágio. Mas, o Mestre não se abalou com medo e ansiedade, pelo contrário, os trouxe de volta à razão quando ordenou ao mar que se acalmasse. Por que me refiro à razão? Porque os discípulos sabiam quem era Jesus Cristo e do que Ele era capaz. Eles já tinham vivenciado milagres anteriormente e sabiam que Ele é Deus. Mas, o medo os cegou, os fez pensar que estavam à deriva e que, enquanto Cristo dormia, Ele deixava de estar no controle da situação.

Querida, o seu medo pode tentar calar a sua fé e paralisar suas ações. Resista, seja racional! O Mestre está neste barco e não tem intenções de lhe deixar à deriva. Lembre das promessas, recorde seu coração que ele está firmado na Rocha. Tempestades virão, mas a Rocha é inabalável. Quando o medo vier, combata-o com o perfeito Amor. Ele está no vale com você!

Aqui estão algumas afirmações bíblicas para lhe auxiliar nos momentos de escuridão. Escreva em seu caderno, tire um print e salve nos favoritos de seu celular, imprima e cole no espelho de seu quarto. Blinde seu coração com as certezas que Deus lhe dá sobre Seu próprio poder, soberania, cuidado e amor. O vale do medo é temporário, o amor de Deus permanece hoje, amanhã e eternamente.

  • Deuteronômio 31:6 – Sede fortes e corajosos; não temais, nem vos atemorizeis diante deles; porque o Senhor vosso Deus é quem vai convosco. Não vos deixará, nem vos desamparará.
  • Deuteronômio 31:8 – O Senhor, pois, é aquele que vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará. Não temas, nem te espantes.
  • Isaías 41:10 – Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça.
  • Salmos 23:4 – Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
  • Salmos 34:4 – Busquei ao Senhor, e ele me respondeu, e de todos os meus temores me livrou.
  • Salmos 46:1 – Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.
  • Salmos 56:3 e 4 – No dia em que eu temer, hei de confiar em ti. Em Deus, cuja palavra eu louvo, em Deus ponho a minha confiança e não terei medo
  • Salmos 91:14-16 – Pois que tanto me amou, eu o livrarei; pô-lo-ei num alto retiro, porque ele conhece o meu nome. Quando ele me invocar, eu lhe responderei; estarei com ele na angústia, livrá-lo-ei, e o honrarei. Com longura de dias fartá-lo-ei, e lhe mostrarei a minha salvação.
  • Provérbios 3:24-26 – Quando te deitares, não temerás; sim, tu te deitarás e o teu sono será suave. Não temas o pavor repentino, nem a assolação dos ímpios quando vier. Porque o Senhor será a tua confiança, e guardará os teus pés de serem presos.
  • Isaías 41:13 – Porque eu, o Senhor teu Deus, te seguro pela tua mão direita, e te digo: Não temas; eu te ajudarei.
  • 2 Timóteo 1:7 – Porque Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação.
  • João 14:27 – Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; eu não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.
  •  I João 4:18 – O perfeito amor lança fora todo o medo

*Manifestações comuns durante o ataque de pânico, de acordo com a APA, são: aceleração do ritmo cardíaco ou palpitações, sudorese, tremores ou abalos musculares, sensação de falta de ar ou sufocamento, dor ou desconforto no peito, náusea ou desconforto abdominal, sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio, desrealização (sensação de estranhamento da realidade), medo de enlouquecer ou perder o controle, medo de morrer, formigamento, dormência em qualquer parte do corpo, calafrios ou ondas de calor.


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