Nossos Lares a Serviço do Reino (Sobre Hospitalidade) 

Hospitalidade é um tema muito comum nas Escrituras. Desde o Antigo até o Novo Testamento, não são poucas as recomendações, descrições e histórias relacionadas a esse assunto. E essa repetição, que não é acidental, mostra o quanto esse assunto é importante para Deus. 

Na concepção comum, hospitalidade significa acolher um hóspede de maneira agradável. Porém, quando vemos a hospitalidade pelas lentes da Bíblia, somos levados a reconhecer que ser hospitaleiro vai muito além de atos gentis ao receber alguém. Quando abrimos nossos lares e vidas segundo a hospitalidade bíblica, precisamos ter em mente o porquê e para quem o fazemos. 

No contexto histórico do Antigo Testamento, o conceito de pertencimento a um povo era levado muito a sério. As pessoas desejavam manter distância e até mesmo nutriam ódio por estrangeiros e pessoas de nações diferentes, chegando ao ponto de cometer violência física contra imigrantes e viajantes (Gn 19:5-9; Jz 19:15-24). É exatamente nesse contexto cultural que Deus dá a seguinte ordem a seu povo: Por isso, amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito (Dt 10:19).

No decorrer da Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, é interessante notar que a hospitalidade quase sempre está relacionada ao acolhimento de estrangeiros (cf. Ex 23:9; Jó 31:32). A própria palavra grega traduzida como hospitalidade, philoxenia, significa amar o estrangeiro como a um amigo ou irmão, conceito ligado à ordem do Senhor em Levítico 19:34, “O estrangeiro resi­dente que viver com vocês deverá ser tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês”.

Ao ler essa passagem, os israelitas eram transportados aos acontecimentos referentes ao tempo de escravidão no Egito e à forma misericordiosa como foram libertos por Deus. Os israelitas eram estrangeiros e viviam debaixo do jugo da servidão, e nós, de maneira paralela, éramos estrangeiros neste mundo, vivendo sob a escravidão do pecado. Para Deus, éramos estrangeiros quanto à sua aliança (cf. Ef 2:12), mas, por sua misericórdia, ele nos resgatou e nos fez assentar em sua mesa como seu povo e família (cf. Ef 2:19).

Quando pensamos em hospitalidade não podemos nos esquecer disso: o próprio Deus praticou a hospitalidade conosco. Mais do que errantes neste mundo, éramos inimigos seus, mas ele nos atraiu, recebeu, acolheu e amou. Ele nos trouxe para perto e mudou por completo nossas vidas mediante a graça. E é por isso que devemos praticar a hospitalidade, para imitá-lo e usar nossas casas como pontes para levar mais pessoas até Cristo.    

Em seu livro “O evangelho e as chaves da casa”, Rosaria Butterfield conceitua hospitalidade bíblica como sendo “usar seu lar cristão de uma maneira cotidiana que busca transformar estranhos em vizinhos e vizinhos em família de Deus”. É nosso dever e também privilégio usar nossos lares como refúgio para que aqueles que estão cansados, errantes neste mundo, longe de Deus, possam se achegar e encontrar alento aos pés da cruz.

Nossas casas não nos pertencem

Quando permitimos que alguém entre em nossos lares, estamos permitindo que entre, de certa forma, em nossas vidas. O lar é uma esfera íntima que externa quem somos. É em casa que nossas qualidades e defeitos são mais evidenciados, é lá que as pessoas podem ver mais de perto quem realmente somos. E isso assusta. Assusta porque abrir-se para receber pessoas em nossas casas e vidas pode ser sinônimo de baixar a guarda e revelar falhas, atitude que comumente evitamos.

Precisamos ter sempre em mente que nossas casas, nossas vidas, nossos recursos não nos pertencem. Estamos aqui apenas como mordomos do Senhor. Se fomos transformados por Cristo, se como ele morremos e ressuscitamos para a nova vida de filhos de Deus, não existe espaço para uma individualidade que deixa de lado aqueles que porventura o Senhor queira chamar por nosso intermédio.

Quando olhamos para nossas casas como pertencentes ao nosso Senhor, nos sentimos livres para chamar os estrangeiros deste século para entrar. Nossas casas não são sobre nós, mas sobre Jesus. Nosso jantar servido à mesa não é sobre nós ou nossas habilidades culinárias, mas sobre partir o pão com pessoas feitas à imagem de Deus e que precisam se alimentar do Pão da vida. Abrir as portas de nossos lares não é sobre móveis refinados ou decoração impecável, é sobre Jesus escolher vasos de barro para ser sua habitação.

Os que praticam a hospitalidade bíblica, segundo Rosaria Butterfield no livro já citado, “veem suas casas não como sua propriedade, mas como uma dádiva de Deus usada para o avanço do reino. (…) Eles sabem que o Evangelho vem com as chaves da casa”.

Próximos de propósito

Antigamente, o desafio do povo de Deus era acolher os estrangeiros, que muitas vezes eram vistos como inimigos. Hoje, talvez você e eu não tenhamos estrangeiros literais a acolher, mas, se ampliarmos as lentes, veremos que temos muitos estrangeiros ao nosso redor.

Como vimos, o estrangeiro era aquele que não pertencia a um povo, que vinha de fora e possuía cultura, deuses e hábitos diferentes. Se pararmos para pensar nesse sentido, nossos vizinhos, colegas de trabalho ou faculdade, podem ser nossos “estrangeiros” – pessoas que são diferentes de nós em muitos aspectos, feitos à imagem de Deus e que precisam conhecer o amor de Cristo.

As pessoas que moram próximo a nós, nossos familiares, os membros de nossa igreja local… não estão onde estão por acaso. Deus os colocou em nossas vidas para que fôssemos por eles abençoados e também para que pudéssemos estender a graça para eles. Nossos próximos não são próximos por coincidência, Deus não erra endereços.

Por isso, ore pelas pessoas que Deus colocou em sua vida de maneira intencional. Se você ainda não conhece seu vizinho, por exemplo, ore para que o Senhor dê oportunidade de conhecê-lo, se já conhece, ore por sabedoria para estreitar os laços de convivência.

A hospitalidade, especialmente quando estendida a pessoas que pensam e vivem de maneira diferente de nós, é uma grande oportunidade de crescermos em santificação, sabedoria em palavras e graça. Não desperdice essa forma de servir ao Reino e crescer à imagem de Cristo (cf. Hb 13:2).

Deus promete colocar o solitário em famílias (cf. Sl 68:6). Abrir nossos lares e receber pessoas com graça e amor é colocar-se à disposição do Senhor para ser instrumento no cumprimento dessa promessa. 


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Abril com o tema “Serviço”. Para ler todos os posts clique AQUI.