Missionárias que Marcaram a História do Cristianismo: Amy Carmichael

“Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos.” 1 João 3:16

“Quão frequentemente penso nesse devemos. Nenhum sentimentalismo aí. Apenas chamado solene, estridente e glorioso: DEVEMOS. Mas palavras não podem expressar o gozo que sentimos no profundo de nosso ser? As minhas não podem. É indizível.” Amy Carmichael, em carta escrita na Velha Casa da Floresta, 1922.

De todas as formas que eu pensei para começar esse escrito, essa frase é a que parece fazer jus à vida que Amy viveu: uma vida de doação ao Rei, ao Reino e às pessoas a quem o Rei ama.

Talvez você já tenha ouvido a história da garota que orou pedindo a Deus olhos azuis, ou da moça que passou café na pele para ficar mais parecida com o povo a quem evangelizava. Amy Carmichael é conhecida no meio cristão como a mãe dos explorados, por seu trabalho missionário com crianças e mulheres na Índia.

É até difícil começar a escrever, pois a tenho como uma heroína da história cristã, uma das minhas maiores inspirações para a vida ministerial, alguém de quem falo como se fosse uma grande amiga (e no meu mundo da imaginação ela é, pois dei seu nome à primeira boneca que dei à minha filha e conversamos sobre Amy com muita frequência). Seus feitos são tão preciosos que tenho certeza de que você também desejará ser sua amiga ao final desse texto, ainda que ele não seja completo em detalhes e relatos.

Uma vida de doação

“Você pode dar sem amar, mas não pode amar sem dar.”

Frase retirada da obra God’s Missionary, de Amy Carmichael, 1910.

Amy Beatrice Carmichael, nasceu em 16 de dezembro de 1867 em uma casa de pedra cinzenta, no vilarejo de Millisle, no litoral norte da Irlanda. Dona de um espírito corajoso e extrema sensibilidade ao sofrimento alheio, Amy aprendeu cedo que “nãos” também são resposta de orações, e que uma vida que vale a pena ser vivida é aquela em que se tem prontidão para morrer.

Criados em um lar cheio de amor e disciplina, Amy e seus seis irmãos, cresceram com valores sólidos, como convicção, coragem, firmeza e resiliência. Todos os dias participavam das orações em família e da leitura das Escrituras na voz solene de seu pai e eram assíduos nas reuniões na igreja aos domingos e quartas-feiras.

Amy teve uma infância pacífica, disciplinada, afetiva e moderadamente livre. “Não acho que poderia ter havido uma criança mais feliz do que eu era”, declarou nossa amiga, muito tempo depois. A família administrava um moinho de farinha herdado do pai de Catherine, sua mãe, e, graças à condição financeira favorável, apoiavam a igreja presbiteriana a qual frequentavam com dízimos generosos, bem como a Millisle National School, que era usada para ensino e também para Escola Dominical e cultos evangelísticos. Amy foi educada em casa nos anos da infância e sua mãe foi sua primeira professora, além de um grande pilar na formação espiritual e moral da garota.

Aos 12 anos, Amy foi enviada ao internato de Kensington, na Irlanda do Norte, onde viveu três anos duros e cheios de provações. Mas, apesar das dificuldades, esse tempo também teve impactos positivos em sua vida, pois foi nesse cenário de desconforto que Amy teve um encontro profundo e verdadeiro com Jesus Cristo e começou a aprofundar sua fé e desejo se servir ao Senhor.

Ao retornar para casa, aos 16 anos, não demorou para que Amy se envolvesse com as necessidades de sua comunidade local, e ela logo iniciou um trabalho significativo com crianças carentes e mulheres que trabalhavam em fábricas locais. Em uma visita de férias a uma antiga colega que morava na Escócia, Amy participou da convenção de Keswick, muito famosa naquela época por trazer grandes personalidades do cristianismo, e lá entendeu que o Senhor a estava chamando para “ir e fazer discípulos”.

Uma vida cheia de propósito

“Às vezes, quando não podemos ver o fim do caminho, devemos simplesmente seguir o próximo passo na luz que temos.”

Frase retirada da obra Thou Givest… They Gather, de Amy Carmichael, 1936.

Devido a dificuldades financeiras, especialmente após a morte de seu pai, a família Carmichael acabou se afastando fisicamente, quando Amy, sua mãe e a irmã Ethel foram para a Inglaterra, três dos irmãos ficaram com parentes e outros dois migraram para a América do Norte. Em solo inglês, a moça decidiu por não morar com a mãe, mas se integrar à comunidade carente onde viviam as moças que trabalhavam em fábricas, a fim de se misturar com seus alvos evangelísticos.

Como as coisas de Deus acontecem sem muitas explicações e de formas inusitadas, Amy acabou adoecendo e foi amparada por Robert Wilson, um amigo de sua família, que a acolheu em sua própria casa e passou a considerá-la como sua filha, dando-lhe, inclusive, seu sobrenome. Amy conseguiu se recuperar, ainda que os médicos não soubessem exatamente que doença ela tinha, e por intermédio do senhor Wilson, fundador da convenção Keswick, teve a oportunidade de conhecer o missionário Hudson Taylor e o ministério evangelístico na China. Prontamente se candidatou para a missão no Oriente, mas não recebeu permissão médica para se juntar ao grupo, devido à sua condição de saúde. Se você já se sente um pouco amiga dessa heroína da história cristã, já deve saber que isso não a desmotivou nem um pouco a cumprir seu chamado.

Após algum tempo, Amy sentiu o desejo de servir no Japão e, com a ajuda do senhor Wilson, conheceu o missionário Barclay Buxton, enviado pela Sociedade Missionária da Igreja da Inglaterra para liderar o Grupo Evangelístico Japonês. Então, aos 25 anos, a jovem embarcou em um navio rumo à terra do sol nascente para uma nova fase de sua vida: missões transculturais. Como era seu costume, Amy tinha o desejo (e a facilidade) de se misturar ao povo nativo e, por isso, optou por abrir mão de suas roupas inglesas para se vestir com quimonos e aprender a língua do país, com a ajuda de sua professora e intérprete Misaki.

Infelizmente, apesar dos esforços de Amy para fazer o trabalho missionário avançar, sua saúde começou a ficar novamente comprometida, e ela precisou partir para uma casa de recuperação na China. Ao chegar no local, constatou que não havia condições estruturais para ser tratada, e se mudou para o Sri Lanka (naquela época, conhecido como Ceilão). No novo país, enquanto se recuperava, tentou se envolver no trabalho missionário da forma que lhe era viável, mas não durou muito tempo sua passagem por ali, pois logo recebeu um pedido de um dos filhos de Robert Wilson para que retornasse à Inglaterra para amparar seu pai de criação, que havia adoecido.

Ambos começaram a se recuperar de suas enfermidades, e Amy já orava a respeito de seu retorno ao campo missionário. Foi neste período que recebeu uma carta de uma amiga do sul da Índia, convidando-a a participar do trabalho da Sociedade Missionária Zenana, em um local onde o clima era mais ameno e apropriado para sua frágil saúde. Essa foi sua porta de entrada para o país onde construiria o maior legado ministerial de sua história.

Uma vida de riscos

“Amo a Cruz de Cristo: sobre ela gostaria de morrer, sob ela gostaria de viver, dela desejo falar e nela desejo me gloriar.”

Frase retirada da obra Gold Cord, de Amy Carmichael, 1903.

A viagem foi longa e cansativa, e o início do trabalho em solo indiano não foi nada fácil. Passando por Madras durante um curto período de recepção e adaptação, Amy logo se dirigiu ao verdadeiro destino, a cidade de Bangalore. Contraiu dengue, precisou ser internada no hospital da missão, mas não se entregou à debilidade física, fazendo o possível para se adaptar logo ao povo, por meio do aprendizado da língua tâmil. Não demorou muito tempo para Amy perceber que o desafio ali seria grande.

O povo hindu vivia em solo espiritual árido, com perseguições severas a quem se convertia ao cristianismo. Quando as pessoas se convertiam, era necessário romper com suas castas e, por isso, eram consideradas traidoras da religião e da família. Muitos sofriam agressões e até morte.

O nome da família de Amy era Dalziel, que significa “eu ouso”, e aqui começamos a notar evidências fortes dessa raiz familiar em Amy que, com muita ousadia, não se dava por vencida. Para intensificar o aprendizado do idioma, Amy foi morar com a família do missionário Thomas Walker em uma cidade do interior, onde poderia aprender com quem já era mais experiente no campo. Logo formou um grupo com outras duas mulheres cristãs que viajavam em um carrinho puxado por bois até às aldeias das cidade Pannaivilai, onde passavam pelas casas anunciando Cristo a mulheres e crianças (pois os homens as desprezavam).

Amy Carmichael ficou conhecida pelo nome Amma, que significa “mamãe”, pois seu trabalho de cuidar de crianças abandonadas foi muito marcante. Por meio do evangelismo de rua, uma garotinha chamada Arulai se encantou com a mensagem que ouviu e decidiu que queria se tornar cristã e viver com Amy. Seus pais obviamente foram contrários à ideia, mas a garota insistiu até que pudesse se juntar ao grupo. Com isso, Amy também passou a ser chamada de “mãe que rouba crianças”, um nome muito apropriado para o que viria a seguir.

Prina foi a próxima a ser acolhida pelos braços de Amma, quando fugiu do templo hindu para onde havia sido doada ainda criança pela própria mãe, a fim de ser usada como prostituta ritual aos deuses hindus. A garota não se conformava com sua realidade e, assim que ouviu pela primeira vez da “mãe que rouba crianças”, se empolgou para encontrá-la e buscar abrigo. O Senhor, em sua infinita graça e bondade, permitiu que Prina fugisse e chegasse até Amy, com o auxílio de uma mulher cristã que a encontrou no caminho e a levou até a casa onde o grupo de Amy morava. As mulheres do templo até quiseram levá-la de volta, mas a própria criança se recusou a retornar, tornando-se, assim, a primeira criança resgatada por Amma.

Amy começou a receber mais e mais meninas, por diversos motivos, e se dedicou a cuidar delas como suas verdadeiras filhas, até que sua casa ficou pequena para a quantidade de pessoas que abrigava. Mais uma vez, a mão poderosa do Senhor se levantou para suprir essa necessidade, quando o senhor Thomas Walker foi convidado para cuidar de uma escola administrada pela Sociedade Missionária da igreja. O local, chamado Dohnavur, possuía um espaço amplo, com cabanas de barro que eram ideais para a moradia de todo o grupo.

O coração de Amy não se deu por satisfeito, ela queria e precisava fazer mais. Passado algum tempo do trabalho estabelecido em Dohnavur, Amy enviou cartas para comunicar aos pastores e cristãos da Índia que havia um local para abrigar e cuidar de meninas resgatadas dos templos hindus. Com isso, mais “filhas” começaram a chegar, desde bebês a moças, as quais Amy dava o nome de pedras preciosas, pois eram assim que ela lhes enxergava: antes, desprezadas pela própria família; agora, resgatadas e recebidas como pedras preciosas de grande valor para Cristo e para a família em Dohnavur.

A história de Amy Carmichael tem muito mais páginas do que podemos dispor aqui, e te encorajo a pesquisar mais detalhes (deixamos alguns links ao final) do ministério em Dohnavur, que foi extremamente frutífero e ferramenta de cura para tantas vidas. Nem em seus maiores sonhos ministeriais, Amy poderia imaginar a dimensão que sua atitude ousada em abrigar crianças poderia ter na Índia. Ao longo dos anos, o trabalho se desenvolveu de maneira crescente, abrigando mais de 100 pessoas, expandindo até para o recebimento de meninos na grande família. Posteriormente, o Senhor lhes agraciou com a construção de uma Casa de Oração e um hospital para servir àquelas pessoas.

Muitas lutas acometeram Amy em paralelo ao seu ministério: ela perdeu sua querida mãe e o amigo Thomas Walker, além de sua grande amiga de ministério, Ponnammal. Em seus muitos escritos, Amy demonstra tristeza, mas resiliência por meio de sua fé em Deus, que a impulsionou a prosseguir pelo Reino e pelo Rei.

Sua entrega foi intensa, e isso lhe custou ainda mais desgaste na saúde. E em uma manhã de 18 de janeiro de 1951, em seu quarto, em seu lar por escolha, no lugar onde Deus operou tantos milagres de livramento, ela partiu deste para o outro lado da eternidade, onde encontrou não só o descanso físico, mas principalmente a alegria do encontro com seu Redentor amado, aquele por quem viveu intensamente e arduamente enquanto teve fôlego.

Amy é, para mim, mais do que uma mulher cristã. Ela foi uma mulher que viveu para Deus, e seu legado ultrapassa seus anos de vida. Encerro com as belíssimas palavras de Elisabeth Elliot no epílogo da biografia que ela escreve sobre Amy Carmichael: “Quais são os efeitos de longo prazo na vida da Índia e ao redor do mundo? Alguns são visíveis. Deus conhece os demais. Ninguém, exceto ele, conhece a perseverança da obediência de Amy, a luta invisível, as ofertas ocultas, a qualidade da fé.”

Que ela nos inspire a dedicar e doar nossas vidas também.


Referências Bibliográficas:

ELLIOT, Elisabeth. Amy Carmichael: Um legado de renúncia e entrega. São José dos Campos, SP: Fiel, 2023.

Sites:

CARMICHAEL, AMY BEATRICE (1867-1951) – FOUNDER OF THE DOHNAVUR FELLOWSHIP. Disponível em: [https://www.bu.edu/missiology/missionary-biography/c-d/carmichael-amy-beatrice-1867-1951/]. Acesso em 28 fev. 2025.

ARQUIVOS SOBRE O LIVRO AMY CARMICHAEL. Disponível em: [https://ministeriofiel.com.br/categoria/livro-amy-carmichael-um-legado-de-renuncia-e-entrega/]. Acesso em 28 fev. 2025.

AMY CARMICHAEL. Disponível em: [https://gfamissions.org/amy-carmichael/]. Acesso em 28 fev. 2025.

AMY CARMICHAEL – HER LEGACY OF FAITH & HOW IT CHANGED MY LIFE. Disponível em: [https://setapart.org/amy-carmichael/]. Acesso em 28 fev. 2025.

AMY CARMICHAEL (1867-1951). Disponível em: [https://dohnavurfellowship.org/amycarmichael/]. Acesso em 28 fev. 2025.


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