Mantendo a perspectiva celeste em um mundo caótico

Eu não sei você, querida leitora, mas minha experiência em relação ao céu foi, por anos, uma bela (embora vaga) ilustração sobre o futuro em ruas de ouro e cantando com os anjos. Quando adolescente, e até perto de me casar, ouvia meu pastor dizendo “Jesus está voltando”, e eu só conseguia pensar uma coisa: “que seja depois do meu casamento”.

Imagino que muitos irmãos tenham desejos e sonhos mais imediatos do que uma vida no céu. E até entendo o sentimento de querer realizar grandes sonhos, antes de desfrutar do desconhecido, chamado Eternidade. Mas, as Escrituras nos apontam outro caminho. A Eternidade com Cristo deveria gerar expectativas tão altas que nada mais poderia ter este efeito de fazer brilhar nossos olhos. A vida com o Eterno deveria ser tão desejada quanto a linha de chegada de um corredor afoito e ávido pelo pódio. E foi assim, questionando a mim mesma sobre o peso da Eternidade na balança dos meus valores pessoais, que algo começou a mudar no meu coração. Gostaria de compartilhar com você, pois entendo que essa jornada é destinada a todas nós, remidas e novamente reconectadas com o Pai.

Eterno x passageiro

Em 2015, a cantora Marcela Taís lançou a música “Voar”, que fala sobre o contraste entre o eterno e o passageiro. Por ter sido um dos anos mais difíceis de minha vida, o coro da música me marcou de forma especial. Ela pergunta algo que já estava em meu coração sem reposta, e em seguida oferece uma solução mais simples do que eu imaginava.  “Por que paramos de falar do céu? Estamos pensando muito nessa vida daqui”.

É a mesma linha que o apóstolo Paulo seguia, quando falava aos fiéis em Colossos, “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra” (Col 3:3). Pode parecer fácil dar estes conselhos quando estamos nos “pontos altos” no relacionamento com o Senhor. Mas, considere que a exortação vem de um prisioneiro. Um homem que nenhum crime havia cometido, a não ser a ousadia de pregar a Palavra em uma sociedade avessa aos ensinos de Cristo.

Consideremos que este conselho, que poderia passar despercebido dentre tantos ensinamentos na carta aos Colossenses, veio de alguém que tinha muito o que desejar, a começar pela liberdade (tal como todos os prisioneiros desejam). Não é de se admirar que Paulo os aconselhe a olhar para o céu, ao invés de “protejam-se dos Romanos”? Consideremos também que, historicamente, a igreja em Colossos estava sofrendo influências de pessoas que atacavam o poderio de Cristo e diminuíam Sua divindade (característico da cultura gnóstica), e, por isso, poderia ser tentada a voltar os olhos para tudo que não provém da Graça, e sim dos frutos da ação humana ou do “acaso divino”. Não é de se admirar que o apóstolo tenha escolhido proteger os ensinos cristãos falando sobre coisas eternas, e não terrenas?

Tal realidade não se distingue da nossa, onde vemos por todos os lados um infinito número de influências que nos tiram a atenção: conversas supérfluas, novelas, músicas, redes sociais, notícias, discussões das mais variadas, literatura, amizades, nossas ansiedades e por aí vai. Talvez, justamente por isso, seja necessário fixar a mente nas coisas que são do alto. Você mesma já deve ter experimentado a sensação de paz e conforto ao se desligar das coisas deste mundo enquanto lia um texto bíblico, ouvia uma canção que fala à alma, conversava com Deus em orações silenciosas em momentos turbulentos da vida. Sinceros momentos de comunhão com o Pai, são como relances da eternidade em um mundo onde tudo é passageiro.

A Graça nos ensina a viver em Piedade

Ao escrever a seu filho na fé, Tito, o apóstolo Paulo diz que “a Graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente” (Tt 2:11 e 12). Este conselho é tão precioso e tem tanta profundidade! Mostra-nos que a Graça de Deus, que tanto nos constrange em relação ao amor sem limite do Pai, também nos constrange em relação à responsabilidade que temos enquanto vivemos neste mundo, onde devemos andar em renúncia, de forma justa, e em piedade.

Sabemos o que é preciso renunciar para viver de forma agradável a Deus, e também temos certa noção do que é um caminhar justo. Porém, não é de hoje que observamos a necessidade de Piedade na vida cristã. O termo grego para esta palavra é “eusebeia”; “eu”, quer dizer bem/bom, e “sebo”, quer dizer reverenciar. Ao pé da letra, poderíamos tentar traduzir como boa ou correta reverência. No sentido do texto bíblico, essa reverência é direcionada ao nosso andar com Deus, o que fica evidente na primeira carta de Paulo a Timóteo, quando ele diz “exercita-te a ti mesmo em piedade”, concluindo que ela é “para tudo proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há de vir” (1 Tm 4: 7 e 8).

Relaciono a Piedade com a vida Eterna pois é assim que devemos aguardar a volta do nosso Redentor. Ao reverenciarmos a Deus, O levando a sério em cada atitude que tomamos e cada palavra que dizemos, diremos ao mundo a quem pertencemos e a quem devotamos nosso viver. A Graça de Deus não se limita à Salvação, pelo contrário, se estende à Santificação que transforma nosso viver e nos moldará à imagem de Cristo até que o tempo neste lado da Eternidade se encerre.

Foi assim que viveram os conhecidos “Heróis da fé”, e sem ao menos conhecer a pessoa de Jesus. Eles morreram sem receber as promessas, mas as viam de longe e, crendo nelas, tiveram certeza de que eram estrangeiros e peregrinos nesta terra (Hb 11:13). Foi assim que também viveram os apóstolos, os quais perderam a vida ao anunciar Cristo e almejar a Eternidade. Por muitas vezes, me pego imaginando a vida desses cristãos que abriram mão de tudo (família, emprego, estabilidade financeira e segurança) a fim de viver por Cristo, sem saber se estariam vivos ao final de cada dia. Não sei você, minha irmã, mas eu tenho um árduo caminho a percorrer, a fim de me despojar de tudo o que me prende nesta terra. Mas, uma coisa é certa: quanto mais conheço sobre a Graça e a vida que Cristo nos oferece, menos raízes eu tenho com este mundo.

A perspectiva celeste nos faz enxergar o sofrimento como oportunidade

Os noticiários fazem as vezes de narrar o caos em que vivemos. E, com certeza, ao ler a palavra “sofrimento” você já trouxe à mente alguns motivos que fazem seu coração se entristecer. Mas, permita-me falar sobre ele sob uma perspectiva diferente: um molde de caráter.

Certa vez, em um acampamento, o pregador nos disse que o sofrimento na vida do cristão não tem sentido de maldição, mas de amadurecimento. Para quem está sofrendo, essas palavras são duras e podem causar certa revolta. Tenho compaixão de quem se sente dessa forma, pois eu também me senti assim em diversos momentos em que a dor em minha alma era grande e as pessoas diziam “vai passar”. “Como assim, ‘vai passar’? Isso é tudo o que você tem a me dizer? Eu queria ouvir uma solução, e não um discurso vago”.

De fato, querida irmã, não há nenhum lugar na Palavra que nos garante a aniquilação do sofrimento neste mundo caído. Mas, há inúmeras promessas de livramentos, de descanso, de paz em meio ao caos e, o mais curioso: a promessa de nos fazer mais parecidas com Cristo. Por mais que você não consiga enxergar isso agora, o Mestre está agindo. Talvez, de forma silenciosa e discreta. Ou, talvez você só precise prestar um pouco mais de atenção, para perceber a quantidade de nós que ele tem desatado em seu coração. Basta parar por alguns momentos e tentar relembrar quem você era há 5, 10 ou 15 anos atrás. Consegue perceber o quanto já amadureceu, e como seu coração tem se tornado mais parecido com o que as Escrituras falam sobre a pessoa de Cristo? Essa é a oportunidade que o sofrimento nos proporciona.

Acho linda a forma como Pedro incentiva seus irmãos em meio ao sofrimento: “Alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis (…) Se pelo nome de Cristo sois ofendidos, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus” (1 Pe 4:13 e 14). Amada, se você está sofrendo, apegue-se a essa promessa e deixe a Graça agir em seu coração, pois é dessa forma que nos transformamos em “pequenos Cristos”. Somos filhas bem-aventuradas, amadas e em processo. Não desista, olhe para o céu, onde está o Redentor que virá lhe buscar em breve!

A volta de Cristo é motivo de consolo para nós, assim como Paulo ensinou aos Tessalonicenses (1 Ts 4:13 a 18). É como a brisa fresca batendo no rosto, depois de subir uma ladeira íngreme e dolorosa. É como o amanhecer, depois de uma noite cheia de pesadelos. É a Esperança que precisamos para os dias mais escuros, e a motivação que precisamos para continuar em frente, nos dias claros e tranquilos.

Por isso, lhe encorajo a sacudir a poeira de sua roupa de peregrina e continuar em frente. Ao nosso lado, o mundo tentará roubar a cena e tirar nossos olhos do que é verdadeiramente importante. Atrás, ficam as lutas, os erros, o passado da mulher que já deixamos de ser. À frente, um caminho estreito e incerto, mas que poderemos seguir com a companhia do nosso Mestre.

E acima, ah, querida leitora, acima está a promessa do que é uma vida de verdade. A Eternidade sem dor, sem choro, sem luto, sem tristeza e sem motivos para desistir. Lá, no glorioso céu que nos aguarda, nada mais irá nos distrair, pois a beleza de Cristo resplandecerá em todos os cantos.

Encerro com outro trecho da música “Voar”: “Ao conhecer as coisas lá do alto, pra terra não se quer mais olhar”. Que esta seja nossa nova perspectiva: viver com os pés na terra e os olhos (e o coração!) voltados para o céu. Vivendo de forma piedosa, seguindo em frente, mesmo em meio aos problemas, imitando a Cristo, mas, em todo o tempo, esperando pela verdadeira Vida que teremos com o Eterno. Não há nada tão bom quanto esse futuro que nos aguarda!