O Fruto do Espírito: Mansidão

Eu gostaria de começar este texto com algumas perguntas: de que maneira nós normalmente descrevemos uma pessoa mansa? Quais características nós consideramos ao descrever alguém como manso? Talvez uma pessoa que fale mais baixo, de personalidade retraída? Alguém que quase nunca se expressa, e quando o faz, faz de maneira comedida, buscando agradar a todos? Uma pessoa sem opinião, sem firmeza, que evita conflitos a todo tempo? Uma personalidade meiga, doce, que nunca revida?

Talvez nós tenhamos em nossa mente uma imagem estabelecida sobre o que é ser manso. Mas, talvez nós estejamos errados em nossa definição de mansidão. O dicionário define a palavra mansidão como: brandura de gênio ou de índole; brandura na maneira de expressar-se; doçura, meiguice, suavidade. Entretanto, veremos aqui que o significado de mansidão na Bíblia não necessariamente concorda com o dicionário. 

Fruto do Espírito

Antes de tudo, vamos compreender como a mansidão passa a existir em nós. Em Gálatas 5 nós vemos o Apóstolo Paulo expor as duas naturezas que operam em todo cristão: a carne e o Espírito, ou seja, o aspecto do nosso ser que anseia pelo pecado em oposição ao aspecto que anseia por Deus. Nós temos basicamente uma batalha de desejos, uma vez que a nossa carne, que até então governava sozinha, sem nenhuma oposição, agora tem a oposição do Espírito. Paulo passa então a descrever como a carne opera e suas obras (Gl 5.19-21), para em seguida mostrar o que o Espírito produz na vida dos que se rendem ao Senhor Jesus e se entregam ao total governo dele.

A imagem do fruto para descrever a obra do Espírito Santo em nós é simplesmente perfeita. Primeiro, porque, como já vimos em nossa série, o crescimento do cristão é gradual – ninguém que se converteu hoje, aparecerá amanhã sendo a pessoa mais amorosa, alegre, pacífica, paciente, amável, bondosa, mansa e com a graça do domínio próprio. Para o fruto se desenvolver, ele precisa passar por processos, pouco a pouco, e isso quase sempre é invisível. Da mesma forma, o Fruto do Espírito se desenvolve em nós silenciosamente, até que precise vir à tona. Segundo, porque o crescimento do fruto é algo inevitável. Assim como se plantarmos maçãs, colheremos maçãs, pessoas que passaram a ser habitação do Espírito inevitavelmente produzem fruto do Espírito!

Talvez você tenha começado a ler esse artigo com “o pé atrás”, por não se considerar uma pessoa mansa, assim como eu, ao começar a escrevê-lo. Mas quando compreendemos como o Espírito frutifica em nós, passamos a respirar mais aliviadas, compreendendo que, embora a mansidão possa não ser um destaque em nossas virtudes, ela está ali, se desenvolvendo, não por nada que possamos fazer, mas exatamente pelo que Cristo já fez por nós ao nos enviar o seu Espírito.

Bem-aventurados os mansos

No Sermão do Monte, vemos o Senhor Jesus ensinar sobre “as bem-aventuranças”, e a terceira é sobre os mansos:

“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.”

(Mateus 5.5)

Algumas traduções trazem a palavra “humildes”, no lugar de “mansos”, afinal, humilde é outro possível entendimento da palavra praus, do vocábulo original grego. Aqui, a palavra não altera o significado do texto, pois se trata da mesma realidade, afinal, tanto mansidão quanto humildade não são qualidades que nascem conosco, inerentes à nossa personalidade. Ao contrário, são dons de Deus, fruto do Espírito, pois somente o Espírito Santo pode nos dar um espírito manso e humilde.

Ao contrário do que costumamos pensar, e até mesmo da definição do dicionário, ser manso não é o mesmo que ser fraco, nem necessariamente todo aquele que é manso, é também meigo e dócil. Não é sobre pessoas tímidas, recatadas e quietas que o Senhor Jesus está falando ao usar a palavra manso.

Se um animal selvagem for amansado, não significa que ele foi tolhido e adestrado em sua personalidade, mas sim que, aquilo que havia de selvagem nele foi controlado. Por isso, mansidão não tem a ver com uma pessoa quieta e boazinha, mas sim uma pessoa que tem domínio sobre seu próprio temperamento. A virtude da mansidão é uma virtude que se relaciona intimamente ao convívio com o próximo, não uma virtude que nos faz falar mais baixo e não expressar nossos sentimentos.

Uma pessoa mansa não é uma pessoa que tolera tudo e nunca se ira, mas uma pessoa que sabe exatamente pelo que se irar – pelas mesmas razões que Deus se ira, e não por justiça própria.

Aquele que é manso é bem-aventurado não porque está encolhido em sua personalidade quieta enquanto todos agem como querem em relação a ele, mas é bem-aventurado porque sabe exatamente quem é, conhece a sua miséria e fraqueza, conhece seus pecados e suas dificuldades, mas também sabe que é filho de Deus, e por isso herdará a terra – só é herdeiro quem é filho. Saber que a sua identidade é de filho de Deus é motivo suficiente para cultivar a virtude da mansidão: o nosso Pai é também o Justo Juíz. Não precisamos revidar, podemos sim levar desaforo para casa porque sabemos que nosso Pai e Juiz tudo vê.

Manso como ele é manso

A filosofia mundana nos estimula a constantemente reivindicar nossos direitos, lutar por aquilo que é nosso, não deixar ninguém nos passar a perna, revidar toda e qualquer ação com a qual não concordamos. É comum desejarmos ter a nossa justiça satisfeita e lutar por nossos direitos. Mas há um exemplo de mansidão que nos leva a lutar por outros direitos – aqueles dos outros. Esse exemplo é o nosso manso e humilde Senhor Jesus, o Deus encarnado. 

Passamos tempo demais pensando em nós, em nossos desejos, em nossos sonhos, em nossos direitos, sobre qual curso gostaríamos que nossa vida tomasse, e fazemos o possível para justificar que isso não é egoísmo. Mas são poucas as vezes que pensamos no que é importante para o outro. 

O verdadeiro manso considera o outro superior a si mesmo, e não pensa somente nos seus próprios interesses, mas também no interesse dos outros (cf Fp 2.3-4).

Minha querida amiga, precisamos desejar ser como Cristo é, e ele mesmo diz que é manso! Sua mansidão está intimamente ligada à obediência, que está intimamente ligada à confiança em seu Pai. Foi por sua obediência que ele viveu como Deus Pai ordenou, e conquistou a terra por herança, e pela graça do seu Espírito nos tornou filhos e herdeiros.

Que possamos pensar na virtude da mansidão como algo desejável porque é algo que Jesus Cristo possui. O Senhor Jesus não buscou seus próprios interesses, mas foi obediente à vontade do Pai que culminou numa cruz, mas resultou em glória ao ascender aos céus. Escolher ser mansa quando nossa carne deseja revidar e reivindicar é também ser obediente e escolher a cruz. Mas sabendo que a obediência é a marca visível do amor, e que no fim, também culmina em glória – não a nós, mas a Deus.

Que não olhemos para nós e nos lamentemos por pensarmos que a mansidão é algo impossível aos temperamentos enérgicos e somente acessível àquelas que são pacatas e reservadas. As filhas de Deus são mansas porque nelas habitam o Espírito de Deus, que transforma seu espírito e faz frutificar virtudes que jamais conseguiriam por esforço próprio. Podemos ser mansas porque Jesus é manso. Confiemos no Espírito que opera em nós, confiemos que Jesus está comprometido com a nossa santificação até o Grande Dia. Sejamos mansas, porque ele é manso.


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