Graça Responde #4 – Solteirice na igreja
Hoje responderemos a uma pergunta que está no coração de muitas mulheres solteiras na igreja.
A igreja sempre valorizou o casamento e os filhos como se fossem cruciais na vida de qualquer pessoa. E sempre vi uma cobrança muito maior para mulheres neste sentido. É claro que dentro da igreja, os homens também são cobrados, também escutam piadinhas e coisas do tipo, mas é inegável que as mulheres “sofrem” muito mais com esse tipo de cobrança. E a valorização maior não é da mulher solteira que trabalha fora e ponto. A valorização é para aquela mulher que é “multi tarefas”, é a mulher que tem uma carreira de sucesso, mas também possui casa, marido e filhos. Ela é incrível, ela dá conta de tudo. Sem ser a “dona de casa sem graça” que o feminismo pinta, mas também sem ser a solteirona que não tem nada, que não conseguiu caçar, é sem filhos e portanto infeliz – é o que sempre ouvi na sociedade e em muitas igrejas. Como lidar com isso? (I., via Facebook)
Olá querida!
Obrigada por nos enviar sua dúvida e compartilhar conosco esses questionamentos que tem enfrentado. Espero que possa encontrar nessas palavras o máximo de esclarecimento possível.
Como jovem solteira compreendo a sua fala e também compartilho algumas de suas percepções no que se refere à abordagem sobre feminilidade dentro do nosso contexto cristão. Quando falamos sobre feminilidade ela é quase sempre associada a dois aspectos: casamento e maternidade. Como você bem observou, a igreja sempre falou sobre casamento e maternidade; mas, nos últimos anos, devido ao ataque feminista a esses papéis, a ênfase tem sido cada vez maior. Isso não é algo negativo, pois sabemos que estes dois aspectos são parte do propósito para o qual Deus criou a mulher.
Mas, apesar de falarmos muito a respeito da feminilidade bíblica, precisamos admitir que ainda não conseguimos defini-la de modo satisfatório; talvez porque se trate de algo tão complexo que é de fato difícil obter uma definição clara. A Bíblia não nos traz uma definição, mas o que sabemos é que tanto o casamento quanto a maternidade fazem parte da feminilidade porque Deus desenhou a mulher com uma estrutura que lhe permite cumprir esses dois papéis.
Mas, e quanto a nós solteiras, onde nos encaixamos nisso?
Será que temos sido menos (biblicamente) femininas pelo fato de sermos solteiras? Não!
Embora o casamento e a maternidade sejam muito importantes na vida da mulher; a feminilidade não se restringe a eles. Creio que existe um aspecto geral da feminilidade e nesse aspecto inclui-se o casamento e a maternidade. Qualquer mulher, exceto aquelas que possuem alguma impossibilidade física, pode exercer esses papéis. Não é preciso ser cristã para isso, no entanto, ser cristã fará com que esses papéis sejam exercidos de forma mais coerente com o propósito para o qual foram criados. Existe também um aspecto particular da feminilidade que se restringe às filhas de Sara (I Pedro 3:1-6), este só pode ser exercido por aquelas que fazem parte da família de Cristo: é a feminilidade bíblica, que também abrange o casamento e a maternidade, mas vai além disso. Ela é cultivada através do relacionamento com a Palavra de Deus. Mulheres solteiras e sem filhos podem não exercer o aspecto geral da feminilidade (casamento e maternidade), mas têm o dever de se portar como as santas mulheres que esperavam em Deus no passado.
Sendo assim, é perfeitamente possível que mulheres solteiras, viúvas e estéreis exerçam a feminilidade bíblica de forma tão eficaz – embora em diferentes aspectos – quanto aquelas que desfrutam da companhia de seus maridos e filhos. Deus nos chama a exercer a feminilidade bíblica independentemente da nossa condição.
Quando leio Tito 2, Atos 9:36, Atos 16:15; Lc 1:38, I Pedro 3:1-6 e tantos outros textos, me deparo com aspectos da feminilidade que não se limitam a mães e esposas: a instrução a outras mulheres, a dedicação ao lar, o cuidado para com os seus, a sabedoria, o temor ao Senhor, a hospitalidade, a prática do bem, o serviço aos necessitados, a força, a mansidão, uma conduta íntegra que não dá lugar para que a palavra de Deus seja difamada.
A mulher casada é chamada a se submeter ao seu marido como a Cristo cuidando em agradá-lo; a mulher solteira, por sua vez, se submete a Cristo, cuidando das coisas do Senhor. Ambas estão exercendo a submissão. Enquanto a mulher casada é chamada a gerar filhos biológicos (e também espirituais); a mulher solteira é chamada a gerar filhos espirituais. Ambas estão exercendo sua feminilidade de acordo com a Palavra de Deus e nenhuma está em vantagem ou desvantagem em relação à outra.
Acho que a razão pela qual a ênfase da feminilidade bíblica sempre recai no aspecto do casamento é que muitas igrejas ainda têm dificuldade de ensinar sobre cosmovisão cristã: uma visão que abrange o todo de nossas vidas, e não somente coisas mais fáceis de serem mensuradas – como se você está sendo uma boa esposa e uma boa mãe. Nesse sentido, a famosa frase de Elisabeth Elliot se encaixa perfeitamente: “O fato de ser mulher, não me torna um tipo diferente de cristão. Mas, o fato de ser cristã me faz um tipo diferente de mulher”. Ser cristã me faz um tipo diferente de mulher porque eu aplico a Escritura aos mais diversos aspectos da minha vida: relacionamentos, estudos, trabalho, finanças, beleza, saúde, consumo e tantos outros.
A tentativa de zelar pelo casamento e maternidade, e também combater o Feminismo, acaba, por vezes, deixando de lado e ferindo as mulheres temporariamente ou permanentemente solteiras. Apesar disso, não devemos nos sentir a margem porque não entramos “no time”, porque, na realidade, nós já pertencemos ao time que é o Corpo de Cristo e nele não existem subtimes. Cristo não nos separa por estado civil.
As solteiras, por vezes, são vistas como coitadas, pessoas frustradas pelo simples fato de serem solteiras; como se o termômetro do sucesso fosse medido pelo casamento e ele fosse a solução final para todos os problemas. Sabemos que não é assim.
Mas então, como encontrar esperança em meio a essa sensação de isolamento e ao mesmo tempo fugir da ideia de que estar solteira nos deixa aquém do ideal?
A Bíblia nos traz um consolo especial:
“[..] nem tampouco diga o eunuco: Eis que eu sou uma árvore seca. Porque assim diz o Senhor: Aos eunucos que guardam os meus sábados, escolhem aquilo que me agrada e abraçam a minha aliança, darei na minha casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles que nunca se apagará” (Isaías 56:3-5)
A respeito deste texto, John Piper escreveu que “Deus promete, àqueles que permanecem solteiros em Cristo, bênçãos que são maiores que as bênçãos de casamento e filhos; e ele os chama para mostrar, pela devoção que exalta a Cristo na solteirice, as verdades sobre Cristo e seu reino que brilham mais claramente através da solteirice do que através do casamento e da criação de filhos”. As verdades descritas por John Piper são as seguintes:
– Que a família de Deus não cresce pela reprodução através da relação sexual, mas pela regeneração pela fé em Cristo;
– Que relacionamentos em Cristo são mais permanentes, e mais preciosos, do que relacionamentos em famílias (e claro, é maravilhoso quando os relacionamentos nas famílias são também relacionamentos em Cristo);
– Que o casamento é temporário, e finalmente dá caminho ao relacionamento ao qual estava apontando o tempo todo: Cristo e a Igreja – da mesma forma que um retrato de alguém não é mais necessário quando você vê aquela pessoa face a face;
– Que a fidelidade a Cristo define o valor da vida; todos os outros relacionamentos obtêm seu significado final disso. Nenhum relacionamento familiar é definitivo; o relacionamento com Cristo é.
A solteirice não nos priva de maiores bênçãos, ela não nos priva de sermos plenamente femininas ou algo do tipo; antes nos concede a oportunidade de desenvolver outros aspectos da feminilidade que também glorificam a Deus.
Portanto, você não está aquém da feminilidade bíblica porque não possui marido e filhos. É claro que tanto a feminilidade quanto a masculinidade estão fundamentalmente relacionadas a aspectos reprodutores, mas não param por aí! Envolvem também aspectos profundos relacionados à nossa espiritualidade, mente e emoções. Temos em Cristo a maior prova de que é possível glorificar a Deus e servi-lo plenamente sendo solteiro. A solteirice não é um impedimento, pelo contrário, ela abre um leque de possibilidades no serviço ao reino de Deus.
Nossa alegria não deve consistir primordialmente em formarmos uma família para amar e servir, mas sim, no fato de que, fazemos parte da família de Deus e devemos amar e servi-la de todo o nosso coração.
As solteiras JÁ SÃO parte de uma família - a de Deus - e devem amá-la e servi-la. Click To TweetO apóstolo Paulo é claro ao mostrar que a mulher solteira possui um papel importante no corpo de Cristo: cuidar das coisas do Senhor (I Co 7:32). Assim como as mulheres (majoritariamente viúvas e solteiras) que serviam a Jesus com seus bens, com seu tempo, abrindo as portas de suas casas, preparando refeições, anunciando as boas novas, prestando assistência a outras mulheres, nós solteiras somos chamadas a servir ao corpo de Cristo.
A nossa feminilidade está sendo forjada por meio da submissão à Palavra de Deus, por meio do serviço à família de Deus, por meio da geração de filhos espirituais e tantos outros meios que Ele usa para nos tornar mais parecidas com Cristo. Esse deve ser o nosso alvo: ser mais parecidas com Cristo. Os meios que Deus usará para isso irão variar, mas, o importante é sabermos que Deus está comprometido com a nossa santificação e ao fim de tudo, esteja você casada ou solteira, você atingirá a estatura de varão perfeito (Ef 4:13).
Como disse Carolyn McCulley, autora de “Feminilidade Radical”, a Feminilidade não é um molde de tamanho único, ela não está relacionada a um ou dois aspectos, mas a um complexo de fatores que compõem quem nós somos.
Devemos amar o casamento e maternidade não como um fim em si mesmo; o equilíbrio consiste em não torna-los ídolos e, por outro lado, não menosprezá-los como se fossem secundários na vida das mulheres cristãs. Deus é glorificado por meio da nossa feminilidade, seja por meio da solteirice, do casamento ou da maternidade.
Espero que essa resposta te ajude um pouco em sua angústia.
De sua amiga,
Prisca
Equipe Graça em Flor
A Prisca também escreve no Teologia para Mulheres. Visite o site dela!
12 Comments
Uau! Quero agradecer a quem enviou a pergunta, que traduz um pouco um questionamento pessoal, e a quem respondeu, com tanta graça e sabedoria. Esse texto que trouxe tanta paz em Cristo. Glória a Deus!
Sei que muitas mulheres cristãs possuem esse mesmo questionamento e passam por situações mesmo constrangedoras na congregação devido a isto,o que é péssimo, congregação deveria ser espaço de comunhão e paz entre irmãos. Que Deus possa nos sustentar e trazer paz aos nossos corações.
Querida Karine, fico muito feliz em saber que o texto te abençoou! deus seja louvado por isso e que Ele continue nos capacitando. Beijos, querida <3
Ler uma resposta dessa após a cobrança de sua avó para “ter um namorado” alivia o coração. Prisca e equipe, obrigada por tamanho auxílio. Costumo sempre me lembrar daquela de que “Deus é mais glorificado em nós quando estamos satisfeitos nele”. Quero poder, na solteirice, mostrar às pessoas o quanto posso ser feliz com Cristo e Sua graça ser o bastante. Que Ele nos ajude a nos submeter sempre a Sua perfeita e soberana vontade.
Amo essa frase do John Piper, Amanda, e carrego ela no meu coração <3 Esse é o nosso desafio, glorificar a Deus onde e como estivermos, não com pesar, mas com a imensa alegria que recebemos dEle! Que Ele nos ajude! Beijos, querida, obrigada pelo comentário 🙂
Muito bom. Gostaria de deixar uma palavra do pastor Kevin DeYoung que eu acho que se encaixa perfeitamente aqui (embora o artigo original trate daqueles que lutam contra o pecado da homossexualidade):
“(…) é claro que nada disso é possível sem desenraizar a IDOLATRIA DO NÚCLEO FAMILIAR que reina em muitas igrejas conservadoras. A trajetória do Novo Testamento relativiza a importância do casamento e do parentesco biológico. Um cônjuge e uma minivan cheia de crianças à caminho da Disneylândia é um doce presente e um deus terrível. Se tudo na comunidade cristã se resume em torno de casamento e filhos, não deveríamos ficar surpresos quando a castidade soa como sentença de morte.
Na visão cristã do céu, não há casamento na era vindoura (Lucas 20.34-35). Intimidade conjugal é apenas uma sombra de uma realidade mais brilhante e gloriosa, o casamento de Jesus Cristo com a sua noiva, a igreja (Apocalipse 19.6-8). Se a intimidade sexual não é nada lá em cima, como podemos fazer com que seja tudo aqui?”.
Quanto à questão da maternidade, indico o seguinte artigo (que fala para todas – MÃES, MULHERES SOLTEIRAS E ESTÉREIS): http://reforma21.org/artigos/para-maes-ex-maes-e-maes-em-potencial.html
Querida, Jéssika, amo essa perspectiva de casamento, Cristo e eternidade. Desde que compreendi que meu anseio por casamento é na realidade um anseio por aquilo para o qual o Senhor me destinou, antes mesmo que eu existisse, tenho descansado e experimentado grande contentamento, pois, sei que nada neste mundo, por melhor que seja poderá satisfazer este anseio. Tendo isso em mente, fugimos da idolatria do coração e colocamos nossa ótica sob a perspectiva correta: Cristo.
Que o Senhor nos ajude a glorificá-lo e gozá-lo para sempre! <3
Obrigada por compartilhar isso conosco! Beijos
Muitíssimo grata Francine e Prisca pela atenção e resposta com tanto carinho. Deus abençoe a vida de vocês e o ministério que tem me abençoado tanto, visto que não possuo nada perto disso pessoalmente, é melhor ainda ter esse espaço por aqui.
Eu achei muito bom esse tema, sofri muito em minha igreja por esse motivo, sempre fui excluída das atividades por ser solteira, e isso ao invés de me ajudar me frustrava, sempre senti mais dificuldade de ser curada da carência é rejeição dentro da minha própria igreja, é difícil!
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