Feridas na Alma (Sobre o Trauma no Parto)

Eu me levantei e saí de fininho, torcendo para ela não notar.

Era o aniversário de um ano da minha filha, quase 365 dias exatos desde o dia em que eu quase morri no parto, e aqui estava uma de minhas melhores amigas compartilhando sobre seu próprio parto que ocorrera havia algumas semanas. “Foi incrível”, ela disse ao grupo de mulheres ansiosas por ouvir sua história. E foi nesse momento que eu fiz minha saída discreta.

Infelizmente nem sempre é fácil fazer uma saída silenciosa. Às vezes eu sou a única ouvinte e por mais que eu deveria conseguir dizer, “desculpe, mas eu não estou em um momento emocional saudável para ouvir seu relato de parto”, nem sempre consigo. O Instagram também, com seus incontáveis relatos de parto combinados com lindas imagens de partos normais e maravilhosos, me encurrala vez ou outra.

Talvez você também tenha um sentimento profundo de agonia sempre que alguém começa a relatar a história do nascimento de um bebê. Talvez você também tenha quase morrido, como eu, no parto da sua preciosa criança. Ou talvez você tenha perdido seu querido tesouro durante o parto, e agora tenha um filho nos braços do Pai. Ou talvez você tenha tido um parto que não foi traumático no sentido que todos esperam — com morte ou quase-morte — mas que foi traumático ainda assim, com complicações, cesárea de emergência, dores que não cessavam, horas que não passavam.

Qualquer que tenha sido a sua experiência, seu trauma, eu quero que você saiba que não está sozinha. Há muitas de nós espalhadas por aí, muitas de nós nos sentindo solitárias em nossas dores. Há muitos maridos que não entendem, muitas amigas que não percebem, muitos pais e sogros que não notam.

Mas eu entendo, eu percebo, eu noto. Eu te vejo.

E Deus te vê.

Expectativa x Realidade

Há algo especialmente doloroso quando um momento que é criado em nossas cabeças torna-se uma realidade totalmente diferente da nossa imaginação. Talvez pelo fato de o parto ser algo difícil em si mesmo (desde Eva! cf. Gn 3:16), as gestantes buscam romantizá-lo o máximo possível de maneira a suportar a ansiedade da dor que virá. Criamos uma expectativa de algo lindo, natural, poderoso e marcante, porque tememos o sangue, a dor, as feridas. E isso é normal, não é errado em si mesmo.

Entretanto, poucas mulheres realmente vivem as expectativas que criam. Até mesmo os partos mais próximos possíveis do plano não serão exatamente como as mães sonharam. E talvez por isso nossos partos traumáticos se tornam ainda mais deprimentes. 

Sejamos sinceras — nós nos sentimos roubadas. Roubadas da experiência de ver nossos corpos sentirem toda a visceralidade de ser mulher. Roubadas do momento mágico de segurar nossos bebês assim que eles saem de nós com um último grito e empurrão. Roubadas da “golden hour” (hora dourada) logo após o nascimento. Roubadas de uma história boa para serem compartilhadas em festas de amigos. Roubadas de poder pensar no dia do nascimento de nossos bebês como algo lindo e não desesperador.

Roubadas da verdadeira experiência de tornar-se mãe.

E então carregamos conosco cicatrizes, literais e emocionais. Corremos quando alguém relata seu parto, e queremos chorar quando perguntam-nos do nosso. Sentimos completo desespero quando o aniversário de nossa criança se aproxima, sabendo que será um gatilho ao nosso transtorno de estresse pós-traumático.

As Cicatrizes de Deus

Não era para ser assim, querida amiga. Quando Deus mandou o homem e a mulher multiplicarem-se sobre a terra, Ele não tinha em vista uma experiência traumática às mulheres adentrando a maternidade. A dor, o trauma, a depressão e a morte, são todas consequências de nosso próprio pecado, de um mundo caído que virou as costas aos propósitos de vida originais do nosso Criador. 

Eu sei que é fácil culpar a Deus pelo seu trauma. Por que eu? Por que meu filho? Eu também fiz essas perguntas. Onde estava Deus quando eu parei de respirar? Por que Ele permitiu que isso acontecesse? 

Mas sabe qual é a realidade que não enxergamos quando nossos olhos estão cegos pelas lágrimas da dor? O próprio Deus tem cicatrizes. Jesus Cristo mostrou a marca dos pregos que o seguraram na cruz a seu discípulo Tomé (cf. Jo 20:27). Ele as carrega ainda hoje em Seu corpo. Amada, a cicatriz da cesárea de emergência, os pontos na sua área íntima, as feridas na alma… Essas marcas são belas lembranças das cicatrizes que o próprio Deus carrega. Ele não estava ausente no seu trauma. Ele é o mesmo Deus que escolheu dores reais e, finalmente, a morte, para que o seu sofrimento nunca fosse em vão.

O seu trauma é compreendido e a sua dor é vista pelo Deus que sofreu o trauma e a dor da cruz por você. O trauma e a dor de ser abandonado pelo Pai, por você. 

Minha querida amiga, quando nós somos fracas, Ele permanece forte. Quando a vontade de chorar vem ao lembrar do trauma, Ele está lá. Ele te abraça, Ele te compreende. 

Lembra da mulher na casa do fariseu Simão que derramou suas lágrimas aos pés de Cristo e as secou com seu cabelo (cf. Lc. 7: 36-50)? Qual foi a reação de Jesus ao ver tamanha demonstração de vulnerabilidade? Ele não disse, “Mulher, enxugue suas lágrimas e recomponha-se! Você está na presença de Deus!” Não. Ele a louvou por sua vulnerabilidade e amor. Ele inclusive a usou como um bom exemplo em detrimento do mau exemplo do fariseu, que era quem deveria esperar louvor por ser o anfitrião daquele jantar. 

Eu confesso que ainda não consigo olhar para o dia do nascimento da minha filha sem sentir dor. Minha cicatriz já fechou em minha barriga, mas minhas feridas internas permanecem abertas. Mas de algo eu tenho certeza, querida: o mesmo Jesus que deu conta de todas as lágrimas daquela mulher pecadora dá conta das minhas. Ele nunca me repreende por me achegar a Ele com minhas dúvidas, rancores e dores. Ele me abraça. Ele te abraça.

Venha até Jesus. Ele sabe o que é ser traumatizado. Ele vê. Ele entende. Você não está só. Levante a cabeça e, em meio às suas lágrimas, veja Cristo dizendo a você, “Filha, fique em paz.”


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