Encontrando Propósito no Serviço Ordinário

Quase todas as tentativas para iniciar esse artigo foram interrompidas por dois bracinhos pedindo colo ou por meu leve desespero em sair correndo e livrar minha bebê de nove meses de alguma queda, escorregão ou coisas desse tipo, muito comuns na vida de famílias com criança aprendendo a engatinhar. Hoje mesmo ela estava em pé, de frente para o espelho de meu quarto, e não conseguia sair do lugar, com medo de desequilibrar. Lá fui eu mais uma vez pegá-la pelos bracinhos e ajudar a sentar. Sempre lhe dou a oportunidade de pensar em uma forma de resolver seu “problema” e, então, saio em resgate. Observar essa fase da vida da minha filha me ajudou a encontrar propósito em um importante papel que a mulher pode exercer na igreja: o apoio. 

Ao contrário do que aparenta ser, não se trata de um ministério de “segundo lugar”, destinado a quem não possui dom de liderança ou exerce um cargo em destaque. Trata-se de vivenciar a alegria de ser útil na vida ou ministério de alguém. Quando eu dou as mãos para minha filha se apoiar, estou participando de uma fase difícil para ela, mas que pode ser superada com o meu suporte. E pensando no trabalho do Reino, há uma grande certeza: Deus sempre nos dá a oportunidade de prestar apoio.

Roubando a glória

Em seu livro “Instrumentos nas Mãos do Redentor”, Paul David Tripp nos lembra que o pecado nos faz ladrões da glória de Deus. “Provavelmente não existe um dia em que não conspiremos para roubar a glória que de forma justa pertence ao Senhor. […] Em vez de glorificarmos a Deus usando as coisas que Ele nos deu para amarmos as pessoas, usamos as pessoas para conseguirmos a glória que tanto amamos.” Por anos, foi isso que eu fiz em minha igreja local —  corri incessantemente para me envolver em todos os ministérios possíveis, na desculpa de ser “útil”. Inconscientemente, estava me aproveitando do excesso de serviço como desculpa para alcançar reconhecimento das pessoas e do Senhor.

E depois de anos nessa busca cansativa por ser notada, Deus me colocou na posição onde estou hoje: fora dos holofotes das pessoas e da igreja, reclusa em casa sete dias por semana (devido à pandemia), cuidando de uma bebê enquanto cozinho, lavo louça várias vezes por dia, cuido da casa e auxilio meu esposo a administrar os recursos que Deus tem dado a nossa família. É uma rotina comum, pouco atraente e sem recompensas visíveis, mas Deus tem usado o serviço ordinário para me ensinar a não roubar a glória que pertence apenas a Ele. No final das contas, o que importa, e o que deve preencher nosso coração, é que Cristo receba a glória que lhe pertence e que o Reino avance, mesmo que pareça que nosso trabalho seja ficar sempre no mesmo lugar, fazendo as mesmas coisas todos os dias. No meu caso, foi necessário que eu saísse de foco, mas vale lembrar que Deus trabalha de formas diferentes com Seus filhos, e você precisará se atentar aos detalhes para perceber como Ele quer moldar o seu viver. 

Como bem nos lembra Tish Warren em seu livro “Liturgia do Ordinário”: “Deus está nos formando em um novo povo, em novas pessoas. E o lugar dessa formação está nos pequenos momentos do hoje.” Há graça no serviço ordinário, pois na lógica do Reino de Deus, “o maior dentre vós, será servo” (Mateus 23:11). O que eu digo aqui não é novidade, tampouco uma forma nova de encarar a vida cristã. Pelo contrário, é esperado que os filhos de Deus sirvam, que sejam apoio de outros, que trabalhem. Cristo nunca incentivou aos seus discípulos que almejassem destaque e reconhecimento, pelo contrário, os incentivou a permanecerem servindo até ao último dia (Mateus 24:46), pois “o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” (Marcos 10:45). Você também pode encontrar deleite em ser apoio, mesmo quando a única pessoa que enxerga seu trabalho é Cristo. Ou melhor, deixe-me refazer esta frase: você pode encontrar deleite em ser apoio justamente porque a pessoa que mais importa, Cristo, está atento à sua entrega.

A busca pelo propósito

O chamado a ser e prestar apoio é de todos, obviamente. Como diz uma música, “somos corpo, assim bem ajustado, totalmente ligado, unido, vivendo em amor”. Os pés que vão precisam das pernas. As mãos que seguram, precisam do antebraço. A boca que fala precisa dos ouvidos que ouvem, dos olhos que enxergam e do nariz que sente. Não há uma parte sequer do corpo de Cristo que consiga sobreviver sozinha, sem apoio, sem ajuda. 

Uma das mulheres cristãs que mais admiro, Corrie Ten Boom, deixou um legado excepcional de doação e apoio. Durante a Segunda Guerra Mundial, ela e sua família abrigaram muitas pessoas em um “refúgio secreto” (que, inclusive, é o título de sua autobiografia) para que fossem protegidas do envio aos campos de concentração. Um bom resumo dessa história pode ser lida no blog Benditas, por este link

O papel de Corrie, hoje, é visto como algo sublime, uma inspiração. Mas, na época em que tudo estava acontecendo, sua atuação era secreta. Ninguém podia saber o que ela estava fazendo, do perigo que corria, do apoio que ela e sua família deram a prisioneiros políticos. Ela se doou secretamente, pois era este o propósito da vida que Deus lhe reservou. E então, com uma fé suficientemente forte para suportar um campo de concentração e permanecer disposta a servir, ela deixa um belíssimo ensinamento: “A medida de uma vida, afinal, não é sua duração, mas sua doação.”

Não há demérito algum em ser “o segundo”. Pelo contrário, é maravilhoso sentir utilidade em fazer parte do crescimento de alguém, em ser as mãos que lavam a louça, ou passam pano após uma programação de jovens. De alguma forma, mesmo que discreta, você estava presente. Não é humilhante levar um copo de água ao pregador que está há 50 minutos apresentando um sermão, ou cuidar das crianças no berçário, enquanto os pais estão no templo. Tire de sua mente a ideia errada de que ser apoio é ficar com a parte que sobrou. Na verdade, é justamente por causa do apoio que o trabalho do Reino pode ir adiante.

O que seria do trabalho missionário se não houvesse a igreja para enviar sustento, orar e providenciar recursos? Enquanto eles estão na ponta da corda doando suas vidas para resgatar os que estão caídos no precipício do pecado, nós podemos ser o apoio que segura a outra ponta da corda e não os deixa desanimar. É evidente que Cristo é quem sustenta todo o trabalho, mas Ele nos deu dons e talentos para que encontremos propósito em nosso viver como parte do corpo, como bem lembra o apóstolo Paulo: “Há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil” (1 Coríntios 12:6, 7).

Minha querida amiga e irmã, a sua vida é preciosa e o seu apoio agrega riqueza ao trabalho que precisa ser desempenhado. Não caia na mentira de que se você não está na liderança de um ministério, seu valor é menor. De igual modo, não ceda à tentação de buscar destaque nas tarefas que desempenha, pois a glória não deve ser sua. Vá à fonte, ao Cristo que se doou para que tenhamos vida, e encontre propósito nos serviços ordinários que estão cercando seu dia a dia.

Como inspiração, aqui vão algumas dicas de como prestar apoio:

  • Incentivar o ministério de um novo pastor
  • Acolher novos membros
  • Ser voluntário da equipe da limpeza ou da cozinha em eventos da igreja
  • Receber visitantes na entrada do templo
  • Servir o lanche após o culto
  • Visitar as viúvas e os enfermos
  • Ficar com o bebê de uma família para que os pais possam assistir ao culto
  • Fazer um prato de comida para uma mãe que acabou de ganhar bebê e precisa (muito!) de ajuda
  • Oferecer ajuda para uma senhora de idade que cuida da casa sozinha
  • Dar carona para uma família que mora no seu caminho para a igreja
  • Ficar após o culto para arrumar as cadeiras
  • Ajudar na parte administrativa
  • Comprar mantimentos para famílias em necessidade
  • Ligar para pessoas que estão passando por dificuldades
  • Recolher casacos e agasalhos para enviar a casas de apoio

Se, ao oferecer ajuda, alguém lhe disser que o espaço já está preenchido, não se ressinta, siga adiante. Olhe para a igreja novamente, perceba as possíveis lacunas e preencha o espaço vazio, se assim Deus lhe direcionar.

Em amor, ouso dizer que você só não deve fazer uma coisa: ficar de braços cruzados. Sempre haverá espaço para você no trabalho do Reino!


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Agosto com o tema “A Mulher na Igreja”. Para ler todos os posts clique AQUI.