É possível glorificar a Deus com uma carreira difícil? (Graça Responde #15)

Escolhi a carreira de Direito, na área criminalista, e gostaria de saber, como mulher, posso exercer minha vocação para glória de Deus, devido ao fato de ser uma área com muitos desafios éticos e preconceitos?

Já reparou que passamos a maior parte do nosso dia trabalhando? Seja num escritório ou consultório, cuidando do bebê, cozinhando, produzindo artesanato… estamos a maior parte de nossas 24 horas trabalhando. Por isso a escolha da nossa profissão requer tanta sabedoria. O trabalho é uma das poucas ocupações às quais podemos dedicar períodos substanciais de tempo sem que isso prejudique a nós mesmos ou aos nossos. 

O trabalho é algo tão importante que a Bíblia já o menciona tão logo começa a contar a História. Talvez à sua mente veio a imagem de Adão e Eva cultivando o jardim, mas, na verdade o trabalho vem antes disso. Deus foi o primeiro “trabalhador”. A atividade divina de criar os céus e a terra é descrita em Gênesis mediante a palavra hebraica mlkh, termo usado pare se referir ao trabalho comum dos seres humanos. Notamos, portanto, que o trabalho não é uma maldição, uma incumbência recebida pós-queda. No princípio o nosso Deus trabalhou. E não apenas trabalhou, mas se alegrou em trabalhar em sua obra: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom.” (Gn 1:31ª). 

Deus trabalhou, ainda trabalha sustentando e regendo sua criação (Jo 5:17), e convoca os seres humanos a continuarem sua obra. Em Gênesis 1:28 Deus ordena que os seres humanos encham a terra e sujeitem-na. Aqui, o verbo “sujeitar” traz a ideia de que, embora a obra que Deus fez fosse muito boa, ainda restava algo a ser feito. Propositalmente, o Deus criador deixou muito a ser explorado e desenvolvido por meio do trabalho humano. Que maravilha podermos cumprir a ordem do Senhor e ser capacitados a trabalhar para Sua glória! 

Buscando encontrar qual o entendimento cristão sobre o trabalho a autora Dorothy Sayers, citada no livro “Como integrar fé e trabalho”, de Timothy Keller, escreveu: “O trabalho não é, primordialmente, algo que fazemos para viver, mas algo que vivemos para fazer. Ele é, ou deveria ser, a expressão plena das habilidades do trabalhador (…) o meio pelo qual ele se oferece a Deus”. É importante ressaltar que quando a autora diz que o trabalho é algo que “vivemos para fazer” não o está afirmando no sentido de alguém viciado em trabalho, mas no sentido de vocação. Deus nos evoca ao trabalho!

“Ok, mas e o que isso tem a ver com uma mulher que quer ser advogada, Victória?” Tudo. Temos uma visão diferente de petições, prazos apertados e despachos com o juiz quando entendemos que somos chamadas a trabalhar, não para nós mesmas, mas como forma de obedecer a Deus e cumprir nosso chamado. 

“Espera aí, chamado? Mas chamado não é aquela coisa que acontece com pastores e missionários?”. Calvino e Lutero defendiam que todos os tipos de trabalho eram um chamado de Deus tanto quanto o ministério de um monge. Segundo Lutero, quando trabalhamos somos os “dedos de Deus” na vida do nosso próximo. E eis aqui um ponto importantíssimo quando se trata de contemplar o trabalho como um chamado: o próximo.

Nossa natureza pecaminosa e tendência social constantemente nos impulsionam na direção de pensar que o nosso trabalho é sobre nós, sobre nosso conforto e alegria em primeiro lugar. Somos levadas a nos mover como se tudo que importasse fosse a exaltação do que somos e fazemos. A perspectiva cristã não é assim, pelo contrário. Somos chamadas a trabalhar para Deus em contribuição para o bem comum e não primariamente para nosso próprio conforto. Vocação não é o que você sabe fazer, mas o que você faz com o que sabe. Não é sobre ter um talento e usá-lo para progresso próprio, é sobre receber alegremente tais talentos como imerecidos e, como um espelho, refleti-los de volta, apontando para Aquele que os deu. Em termos de trabalho, o propósito da advogada, da médica, da dona de casa em tempo integral, da costureira, é o mesmo: glorificar a Deus e promover o bem comum.

Servimos a um Deus justo (Sl 7:11) e que julgará o mundo e os povos com retidão (Sl 9:8). A justiça faz parte de quem Deus é, sendo um de seus atributos. Além disso, somos ordenados a buscar a justiça (Pv 21:3; Mq 6:8). Quando buscamos a justiça em um tribunal, quando pensamos no direito do necessitado, quando rejeitamos a ideia do suborno e da balança dobre, quando buscamos o que é justo mais do que qualquer honorário ou recompensa, somos “dedos de Deus” em nossa sociedade, como diria Lutero. 

Portanto, minha irmã, sim, você pode ser uma advogada criminalista para a glória de Deus. Você pode peticionar a favor do aflito, cumprir prazos pelo direito das viúvas, buscar convencer sete jurados acerca do que é justo a se fazer. Tão somente tenha em mente 2 coisas, que nomearei a seguir.

Primeiro, se você tem aptidões naturais para esta área, louve a Deus e use tais aptidões para o bem comum. Sua profissão não é sobre você, mas sobre Deus e seu próximo.  Acerca disso, Timothy Keller e Kathetine Leary Alsdorf escreveram em seu livro “Como integrar fé e trabalho” : “Se a razão para o trabalho for servir e exaltar a nós mesmos (…) nossa ousadia acabará se transformando em abuso, nosso esforço em estresse e nossa autossuficiência, em autodepreciação. Contudo, se o propósito do trabalho for servir e exaltar algo além de nós mesmos, acabaremos tendo uma razão melhor para colocar em prática nosso talento, ambição e força empreendedora – e teremos mais chances de ser bem-sucedidos a longo prazo, mesmo segundo a definição da sociedade”. 

Segundo, fortaleça sua fé tanto quando fortalece sua pasta de modelos de petições. Em todas as áreas de nossa vida seremos tentados a desobedecer a Deus, na advocacia não é diferente. Lembre-se que mais importa obedecer a Deus do que aos homens (Atos 5:29). Lembre-se que a sua fé deve permear tudo que faz e que, parafraseando Elisabeth Elliot, o fato de ser advogada não te faz um tipo diferente de cristã, mas o fato de ser cristã te faz um tipo diferente de advogada. Quanto aos preconceitos da área, coloque-os diante do Senhor. Exerça sua profissão da melhor maneira possível, sempre pautada na justiça e retidão, sabendo que você tem Deus por chefe (Cl 3:23).

Por fim, em minha mesa de trabalho existe um pequeno quadro com uma frase da autora Nancy Pearcey retirada de seu livro “Verdade absoluta”. Todos os dias, antes de começar os trabalhos ou estudos eu paro um pouquinho pra lê-la e refletir sobre o porquê de advogar: “A advocacia não é somente um conjunto de procedimentos ou uma técnica argumentativa. É um meio de Deus confrontar o erro, estabelecer a justiça, defender os fracos e promover o bem público”. 

Minha oração, querida, é que Deus te use para promover a justiça. Seja a melhor advogada que puder, não por você e para você, mas porque Deus te chamou para isso e pode usar sua profissão para estabelecer o que é reto e justo. 

Da sua irmã em Cristo e colega de profissão,

Victória
Equipe Graça em Flor

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