Cristo para todos os povos (Sobre Missões Transculturais)

“[…] para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” Atos 26:18

Dentre os muitos versos bíblicos que apontam para a ordem de comunicar a obra redentora de Cristo ao mundo, este é um dos que mais me chama a atenção, pois me parece uma descrição clara do que é o ofício missionário. Um “abridor de olhos”, como Don Richardson chama em seu livro “O fator Melquisedeque – o testemunho de Deus nas culturas por todo o mundo”.

Todos nós, redimidos por Deus em Cristo, temos esta missão. Alguns a cumprirão em seus locais de trabalho e entre os familiares, outros atenderão ao chamado em suas comunidades locais, em conjunto com suas igrejas. Há, porém, aqueles com quem Deus fará como fez com Abraão, os tirando de sua terra e os levando para lugares desconhecidos por eles. Isso é denominado como Missão Transcultural. 

Embora não haja diferenciação no grau de importância entre os locais de atuação, muitos ainda encaram como um chamado elevado aquele que abre mão de tudo para se mudar para outro continente, em comparação com que aquele que está atento a todas as oportunidades de seu dia de trabalho no escritório ou na escola dos filhos para testemunhar do amor imensurável de Deus pela humanidade. Intrinsecamente, não há maior e menor entre os missionários que servem ao Altíssimo. Importa que o povo redimido semeie onde Deus o plantar!

A chama que arde e o Deus que capacita

A chama que Deus acende no coração de missionários transculturais arde de forma inconfundível, chamando-os a levar a mensagem de redenção e transformação às mais diversas culturas, sejam elas em território nacional ou internacional. E tal como com qualquer missionário, o cumprimento desse chamado exige preparo. 

Ao conversar com Elayne Manzano, enfermeira e missionária de Asas de Socorro, na base de Manaus/AM, ela afirmou que o preparo é inegociável, e que tem sido deixado de lado por muitos, sob a justificativa da urgência da obra. “Os missionários que vão para o campo sem um preparo adequado são fortes candidatos ao retorno prematuro, que é o retorno do campo bem antes do que se espera e por motivos que seriam evitáveis, caso tivessem um bom preparo. Não existem atalhos, leva tempo, esforço e disciplina. E não se restringe a um conteúdo acadêmico, teológico e missiológico, apesar deste conteúdo ser fundamental. Um bom preparo envolve também aprender e praticar resolução de conflitos, autocuidado, prioridades e vida missionária.”

Elayne é casada com Marco Manzano, cirurgião dentista e também missionário de Asas. Eles atuam no Departamento de Desenvolvimento Integral Transformador, junto às comunidades ribeirinhas do Médio Purus, entre os municípios de Lábrea e Pauini/AM. Marco é o coordenador de área do Projeto Água Limpa e Elayne, pós-graduada em Aconselhamento Cristão, serve no Departamento de Ação Social e atua no Projeto Âncora, de cuidado a líderes e suas famílias.

Há muitos aspectos interessantes na história deste casal, mas optei por contar deste ponto de vista, pois a trajetória ministerial de ambos foi forjada com muito preparo profissional e espiritual. Em seus testemunhos, eles reconhecem que foi Deus quem deu cada oportunidade de aprendizado e, com o passar do tempo, quem foi preparando-os especificamente para participarem da obra que Ele mesmo já havia iniciado para alcançar os ribeirinhos.

Diferentes culturas, um único Evangelho

Um nome muito conhecido no meio de missões transcultural é Ronaldo Lidório, pastor e missionário da APMT (Agência Presbiteriana de Missões Transculturais) e da WEC (Worldwide Evangelization for Christ – “Evangelização Mundial Para Cristo”). Em uma de suas exposições baseada no livro de Atos, disponível no Youtube, Ronaldo ensina que o Evangelho de Deus é: supracultural, pois define o ser humano e não o contrário; multicultural, pois atrai ao Senhor Jesus pessoas de toda tribo, língua e nação; intercultural, pois a igreja é viva e deve viver em comunhão; cultural, pois o próprio Senhor Jesus se revela em nossos dias, na nossa história, mas sem pecar o nosso pecado; transcultural, pois deve ser levado de uma cultura para outra pela obra missionária; e, por fim, contracultural, pois alcança o ser humano onde ele está e o transforma.

Quando perguntei à missionária Elayne sobre a estratégia para acessar culturas diferentes, a resposta clareou minha visão a respeito dos povos inalcançados. “Essa é uma pergunta bem complexa”, disse ela. “Em linhas gerais, a principal estratégia é o reconhecimento e respeito das diferenças culturais. É essencial ter uma análise cultural que identifique a presença do Senhor e seus valores na outra cultura. Não é o missionário ou a missão que ‘leva’ Jesus a outra cultura. Deus já está lá, Ele é o Criador! Qualquer estratégia que parte da premissa de desvalor da outra cultura e supremacia da cultura do missionário, já está comprometida a resultados questionáveis.”

“Os céus proclamam a glória de Deus” Salmos 19:1 (ARA). Que lição valiosa é entender que Deus não precisa de nós para que sua maravilhosa obra seja realizada. Somos participantes de algo maior, e nosso papel é tão somente apontar para Cristo. Tal como fez o apóstolo Paulo falando aos Atenienses, um povo muito supersticioso e religiosamente confuso:

“Então, Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao Deus Desconhecido. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração.” Atos 17: 22 a 28 9 (ARA)

Se você deseja conhecer mais sobre a essência de missões transculturais, indico fortemente a leitura de “O fator Melquisedeque”. O autor Don Richardson traz vários exemplos atuais de missionários que Deus usou para alcançar outras culturas. Em um trecho bastante marcante de minha leitura, me deparei com uma espécie de “denúncia” feita ao menosprezo da singularidade de cada povo. “Como é lamentável que alguns teólogos tenham julgado que a singularidade do evangelho estivesse sendo ameaçada por essas tradições [fé de sociedades diversas], quando na verdade elas a acentuavam! É igualmente digno de lástima que nos ensinassem a condená-las, considerando-as ‘falsas’ ou ‘distorcidas’. Este tipo de ensino levou alguns cristãos – inclusive certos missionários – a se mostrarem muito defensivos e até ofensivos para com os não cristãos. Instigou-os a ver as semelhanças com o cristianismo em outras culturas como barreiras ao evangelho, em vez de umbrais com a inscrição ‘bem vindos!'”

Obviamente,o papel do missionário não é se deparar com uma cultura indígena que sacrifica um dos bebês, quando nascem gêmeos, e aplaudir como sendo algo genuíno. Devemos ensinar o que a Bíblia ensina e condenar o que a Bíblia condena, mas isso não significa que o missionário deve chegar em uma nova cultura apontando os erros e dizendo que estão todos equivocados e que ele detém a Verdade em suas mãos. Não é esta a mensagem da grande Comissão. Não existe nenhuma cultura completamente correta, bem como não existe uma que seja completamente errada. Vivemos em um mundo caído, onde abominações são feitas inclusive no nome de Jesus Cristo, sob uma suposta autoridade do Espírito Santo. Não há motivos para achar que nossos conhecimentos e nossa cultura sejam superiores e dignos de implantação em outros ambientes, regiões ou culturas. Por isso, o missionário transcultural precisa de um coração humilde, que se deleita nas verdades da Palavra e depende da santa orientação do Espírito de Deus.

“O papel do missionário é achar a ponte cultural e entender como aquela cultura se relaciona com as obras de Deus”, explica Elayne. “Eu chego em outra cultura com a minha cosmovisão e se eu não entender a cosmovisão do outro, estarei fazendo uma catequese como os jesuítas fizeram com os indígenas, e isso não é o Evangelho”.

Com estas reflexões, espero que Deus também acenda em seu coração o desejo de se envolver com missões transculturais. Você pode ser uma missionária que Deus irá levantar e levar para outra terra, ou pode ser uma missionária que Deus irá levantar para sustentar parceiros missionários com orações, envio de ofertas, apoio na divulgação do trabalho e o que mais Deus lhe der como ferramentas. Só não fique de braços cruzados, admirando de forma distante. Temos pouco tempo e muito trabalho pela frente!

Caso queira conhecer mais sobre ministérios transculturais, aqui está uma lista com algumas indicações, dentre tantas que existem:

Asas de Socorro: organização cristã missionária que desenvolve programas culturais, educacionais e de saúde, especialmente nas regiões mais carentes de transporte e comunicação; e fornece apoio logístico para programas assistenciais desenvolvidos em áreas remotas.

https://www.asasdesocorro.org.br/

Missão Novas Tribos do Brasil: missão que visa impactar e alcançar povos ainda não alcançados com o evangelho de Cristo, por meio de mobilização de servos, preparação missionária em formato de internato integral e em sistema modular, e apoio o ministério da igreja local ao mobilizar, equipar e coordenar crentes para evangelizarem povos não alcançados, traduzir as Escrituras e estabelecer igrejas indígenas que glorifiquem a Deus.

https://novastribosdobrasil.org.br/

APMT (Agência Presbiteriana de Missões Transculturais): atua com o propósito de coordenar, dirigir e administrar toda e qualquer obra missionária ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil em contexto transcultural, dentro ou fora do Brasil, visando à implantação do Reino de Deus na Terra e a organização de igrejas genuinamente cristãs, de fé reformada presbiteriana, respeitando as peculiaridades culturais de cada povo e etnia.

https://apmt.org.br/

WEC (Worldwide Evangelization for Christ – “Evangelização Mundial Para Cristo”): no Brasil, o trabalho é desenvolvido em parceria com as igrejas brasileiras no envio de missionários bem preparados, no cuidado deles e de suas famílias, para que possam exercer um ministério efetivo de longo prazo entre os povos não alcançados. A WEC Internacional está presente em 90 países, por meio de 1800 missionários, sendo 140 brasileiros.

http://www.wecbrasil.com/

MEAP (Missão Evangélica de Assistência aos Pescadores): é uma organização evangélica, formada por líderes de diferentes denominações históricas, com o objetivo de atender as necessidades das comunidades de pescadores e ribeirinhos, tão isoladas e tão pouco evangelizadas na costa oceânica e nos rios do Brasil.​

https://www.meap.net.br/

MIAF (Missões para o Interior da África): agência missionária cristã internacional, com um coração voltado aos povos africanos. Mais de 3 milhões de pessoas adoram ao Senhor nas igrejas plantadas pela missão. Atualmente, estão presente em 7 países por meio de escritórios de mobilização e em mais de 25 países do continente Africano por meio de bases missionárias. 

https://sa.aimint.org/


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