Correntes que Aprisionam Mente e Coração (Sobre Abuso Emocional)

Alerta de gatilho: esse post contém o assunto de abuso emocional

Dia desses ouvi a seguinte pergunta: “seu amor te trava ou te move?” Creio ser uma boa reflexão para entrarmos no assunto de abuso emocional ou psicológico.

Fomos criados para nos relacionar e recebemos de Deus o atributo de amar. Porém, essas duas características não podem servir de justificativa para manter relacionamentos doentes a qualquer custo. Não é porque somos relacionais que devemos nos relacionar com qualquer pessoa a qualquer custo, e não é porque somos dotados de amor que devemos nos submeter a tratamentos nocivos aos nossos corpos, mentes e sentimentos.

Falaremos um pouco sobre o abuso emocional e traremos o ponto de vista bíblico a respeito do assunto. Entretanto, nunca é demais dizer que, a qualquer sinal de violência ou abuso, você deve procurar ajuda pastoral, familiar (se possível) e intervenção das autoridades (se necessário). Seu corpo (tanto físico, quanto mente e emoções) é precioso para Deus e digno de proteção.

Sinais de alerta

Importante ressaltar que há uma linha tênue, porém crucial, entre falhas comportamentais e abuso emocional. Por exemplo: em uma discussão pontual e de ajuste dentro de um casamento pode acontecer de um dos lados lançar palavras de crítica ou até mesmo elevar o tom da voz, afinal estamos considerando que são dois seres humanos pecadores. Somos falhos, iremos falhar com os outros, assim como os outros falham conosco. Porém, em se tratando de um relacionamento saudável, o ideal é que, após uma conversa honesta, com respeito e mansidão, haja arrependimento dos excessos e mudança de atitude.

Quando o cenário é de abuso emocional, esses excessos se tornam repetitivos e frequentes, somados a outros indicadores. Veja o relato de uma moça (que prefere permanecer anônima), vítima de abuso emocional: 

“Vivi um relacionamento abusivo por mais de três anos, com um ex namorado. Entre muitas atitudes nocivas que ele teve neste período, os piores momentos eram as discussões. Ele aumentava a voz, fazia ameaças de terminar o relacionamento e, após a discussão, passava longos períodos me evitando, sem atender minhas chamadas ou responder mensagens, para me punir. Quando passava o surto, pedia desculpas, fazia elogios, comprava algum presente e dizia que eu o tirava do eixo e o fazia ter atitudes que não gostava, tentando se livrar da responsabilidade pelas agressões verbais e desaforos. Depois de nos reconciliarmos, o ciclo se repetia e ficava cada vez mais difícil enxergar o que era falha minha e o que era manipulação dele para me prender no relacionamento.”

Apesar de ouvirmos com mais frequência de abuso dentro de um relacionamento amoroso, ele também pode acontecer dentro de famílias, entre amigos ou conhecidos e no ambiente de trabalho. Inicia de forma sutil e evolui à medida que a vítima começa a ceder. Vemos na Bíblia um exemplo disso na relação familiar de Ana e Penina (1 Samuel 1). Para se vingar do fato de seu esposo ter preferência por Ana, Penina (a quem o autor caracteriza como “rival”) a provoca e irrita excessivamente, a ponto de Ana ter crises de choro e perder o apetite. Essa é uma característica do abuso emocional: faz a vida perder o brilho, gera ansiedade e desinteresse em quase todas as áreas da vida. No caso de Ana, eram as constantes indiretas a respeito de sua infertilidade, inclusive com ridicularizações públicas. 

Com isso, percebemos que o abuso dificilmente começa com atitudes e falas aterrorizantes. São detalhes aqui e ali, pequenos excessos mascarados de preocupação, insultos mascarados de sinceridade, chantagem, acessos de ira seguidos de remorso, entre outras coisas. É muito comum que a vítima de abuso emocional não reconheça os excessos pois seus sentimentos estão confusos. A manipulação altera a forma de enxergar situações, a fim de sensibilizar a vítima, principalmente quando há encenação de arrependimento.

Por isso, atenção a alguns sinais de alerta que podem ajudar a tomar as medidas necessárias:

  • Surtos repentinos e sem motivo aparente
  • Chantagem emocional e manipulação de situações para benefício próprio
  • Perda da privacidade (inclusive com senhas de banco ou redes sociais)
  • Tentativas de constrangimento
  • Ameaças de abandono
  • Distorção e omissão de fatos
  • Depreciação do outro, de forma pública ou privada
  • Ameaças de agressão ou agressão, entre outros.

Ao identificar um ou mais sinais, é necessário entrar em alerta, pois existe grande possibilidade de se tratar de abuso emocional. Não prolongue o sofrimento, isso não é amor, é pecado e pode destruir.

Liberte-se das correntes

Quando você reflete sobre a pergunta do início, qual é a resposta que vem à sua mente? Seu amor te trava ou te move? Seu relacionamento te faz ser melhor, te faz conquistar objetivos, te enche de valor e coragem, ou te faz ser dependente e inseguro para seguir em frente? Quando você pensa naquela pessoa em específico, sente medo, receio de magoar e necessidade de justificar suas ações, ou sente liberdade em ser você mesmo e expressar suas opiniões? 

Quando Deus idealizou os relacionamentos, certamente desejava que fossem prazerosos, gerassem estímulos positivos e resultasse em propagação de Seu nome pela face da Terra. Percebe como isso é o oposto do que acontece em relacionamentos abusivos, em que apenas um dos lados tem prazer, o clima é sempre negativo e resulta em sofrimento do lado “mais fraco”?

Em 1 Samuel 25 encontramos outro exemplo de um relacionamento abusivo emocionalmente. Abigail era casada com Nabal, um homem duro, maldoso, intolerante e tomado de arrogância. No relato bíblico vemos seu tratamento agressivo a quem o cercava e sua própria esposa o chamou de “vil”. Mal posso imaginar como seria viver sob o mesmo teto que ele. Se falou de forma brusca com servos do rei Davi, como deveria falar com seus próprios servos e com sua família? Não é à toa que Abigail saiu escondida para falar com o rei e intervir a favor da proteção de sua família.

Essa corajosa mulher não aceitou se submeter a um relacionamento opressivo e tomou uma atitude em direção à sua liberdade. Da mesma forma, nosso desejo é que qualquer pessoa que esteja vivendo sob o jugo de um abuso emocional se liberte das correntes da falsa culpa, da manipulação e das ameaças para viver abundantemente o que é o verdadeiro amor. Em 1 Coríntios 13, o apóstolo Paulo apresenta um padrão para o que é o verdadeiro amor, que em tudo se diferencia dos sinais mencionados anteriormente:

  • Surtos repentinos e sem motivo aparente x O amor não se irrita
  • Chantagem emocional e manipulação x O amor não busca os seus interesses
  • Perda da privacidade x O amor não suspeita mal
  • Tentativas de constrangimento x O amor não se ensoberbece
  • Ameaças de abandono x O amor tudo espera, tudo suporta
  • Distorção e omissão de fatos x O amor não trata com leviandade 
  • Depreciação do outro x O amor é benigno
  • Ameaças de agressão ou agressão x O amor não se porta com indecência

Percebe o contraste? É esse tipo de amor que Cristo tem por nós e que Ele deseja para nossos relacionamentos. Nada menos do que isso é digno de alguém a imagem de  Deus. 

Querida leitora, se você está vivendo acorrentada em um falso amor, é hora de deixar ir. Não perca mais tempo desperdiçando sua vida com quem não cuida de seu coração. Não viva seus dias arrastando correntes que machucam, em troca de momentos raros de atenção, carinho e elogios. Não aceite migalhas de amor em troca de sua liberdade. Se Cristo te fez livre, não faz sentido ser refém da insegurança e da maldade de outros.

Sabemos que o abuso também pode ocorrer em situações que não conseguimos sempre evitar, como na dinâmica familiar ou no ambiente de trabalho. Não queremos que vire as costas para sua família ou peça demissão de um emprego que lhe garante o salário para sobreviver. Mas, oramos para que encontre coragem de buscar ajuda para aprender a se posicionar com firmeza e cuidar de seu precioso coração. Não permaneça nesta posição de humilhação que violenta seus sentimentos e bagunça sua mente. Aceite ajuda de quem lhe estender a mão em sua defesa, a começar por Cristo.

Reaprendendo a viver em liberdade

Os relatos de abuso emocional fazem meu coração sangrar, pois sei o quanto isso é capaz de fragilizar uma pessoa e afetar seus outros relacionamentos. Peço a Deus que cure as feridas causadas com Seu poderoso e doce bálsamo, para que as vítimas sejam, enfim, livres para se relacionarem saudavelmente com outras pessoas. 

É muito comum ver que, mesmo após o fim do relacionamento, a pessoa continua ligada ao abusador de alguma forma, seja por medo, falsa culpa ou até preocupação com seu  bem-estar. Mesmo livre do relacionamento, a vítima se sente presa para viver com plenitude e alegria.

Isso é uma grande cilada. Somos responsáveis pelos pecados que cometemos e não pela desordem na vida do outro. Aquele que abusa é responsável por seus atos e receberá do Senhor a justa vingança. Não tente agir em sua própria força ou se responsabilizar por mudar o outro. Cuide de seu coração, trate os seus sentimentos, submeta-se ao amor puro e constante de Cristo, tome as atitudes necessárias para se proteger, e deixe o restante com o Justo Juiz. 

Libertemo-nos das correntes terrestres que nos fazem perder o equilíbrio da vida plena. Em Cristo, somos livres e amadas. Que a paz de Deus guarde nossos corações e sentimentos (Filipenses 4:7)!


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Março com o tema “Abuso”. Para ler todos os posts clique AQUI.