Como criamos ídolos no coração

Há alguns anos, visitei à belíssima ilha de Morro de São Paulo, que fica a algumas horas de barco de Salvador, Bahia. Apesar da beleza natural, das praias limpas e do povo hospitaleiro, enquanto andávamos pela vila de moradores meus pais me chamaram a atenção para um detalhe que estava quase passando despercebido: muitas das casas pelas quais passamos, tanto em Salvador quanto ao chegar na Ilha, tinham imagens, velas e incensos espalhados pelas extremidades das janelas e portas. Eu estava tão encantada pela natureza, que nem havia notado o quanto a idolatria se fazia presente. Infelizmente, não é uma exclusividade da nossa Bahia. O Brasil todo, desde o início, tem em suas raízes históricas as marcas dos ídolos que acompanharam nossos antepassados indígenas, portugueses, italianos, franceses, e tantos outros. Nos orgulhamos de nossa hospitalidade, de uma cultura rica, da mistura de nacionalidades. O Brasil tem, de fato, muitas riquezas espalhadas em suas ruas e em seu povo; e tal como fiz naquela viagem em família, não damos a atenção devida para a cultura idólatra que há em nossa pátria. Lembro bem de minha mãe dizendo, “acho que Deus nos trouxe para a Bahia para orar por esse povo que necessita do Deus vivo”.

Sim, querida irmã e amiga, a Bahia precisa se render ao Senhor. Assim como os demais estados da nossa amada bandeira verde e amarela (e todos os outros países). Mas, e o nosso coração? Será que está totalmente livre da idolatria e entregue unicamente ao Deus vivo?

“Dê-me filhos ou morrerei”

O povo de Deus tem sérios problemas com idolatria. Ao estudar o Antigo Testamento principalmente, vemos a Palavra de correção do Senhor tanto no coletivo, quanto no individual. Entre os mandamentos que Deus estabeleceu ao povo, o primeiro e de grande destaque é justamente, “não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20:3). E o que acontece pouco tempo depois, enquanto o povo esperava por Moisés? Construíram um bezerro de ouro. A adoração a outros deuses parece ser um rastro de pecado que acompanha o povo do Deus vivo. Por quê será?

Curiosamente, a primeira menção da palavra “ídolo” na Bíblia aparece um bom tempo antes dessas recomendações, em Gênesis 31. Trata-se da história do roubo de Raquel, filha de Labão. Antes de estudar essa história, vamos recordar alguns detalhes importantes: Jacó, filho de Isaque, foi enganado por seu sogro Labão e casou-se com as duas filhas deste homem, Raquel e Lia. Porém, era Raquel a quem amava mais. Esta, por sua vez, amava seu marido e competia por seu amor com sua irmã Lia, pois era estéril e viu o Senhor dando filhos e mais filhos à sua irmã e seu esposo. Seu desejo de ser mãe era tão intenso que estava disposta a manchar o leito de seu matrimônio, entregando sua serva a Jacó, para que tivessem filhos (aqui, começamos a identificar alguns sinais de idolatria, não é mesmo?).

No decorrer dos anos, a frustração só aumentava ao ver seus sobrinhos recebendo o colo que seu marido deveria dar ao filho de seu próprio ventre. Ela era a esposa que ele mais amava, mas isso não era suficiente, lhe faltava um bebezinho no colo. E é no meio dessa agonia que Raquel dá lugar à inveja e diz a frase mais intensa que conhecemos: “Dá-me filhos ou morrerei”, em Gênesis 30:1.

Por muito tempo, eu mesma a enxerguei como exagerada e excêntrica, egoísta e exigente. Mas, basta nos colocarmos no lugar dela, dentro deste contexto de infertilidade, para que tenhamos ao menos um pouco de compaixão. O sonho de muitas mulheres é viver a maternidade, e não há nada de pecaminoso nisso, uma vez que o próprio Deus criou um “sistema perfeito” para que o corpo feminino gere outra vida.

Então, o que há de errado com as palavras de Raquel? Querida, o erro é o que está por trás dessas palavras: elas transparecem a idolatria em seu coração. Nada era mais importante do que ter filhos. O sonho da maternidade se sobrepôs ao seu casamento e à obediência à soberania de Deus. Raquel demonstrou que cria em Deus de forma superficial, e não como fruto de um relacionamento. Se Deus fosse realmente bom, deveria lhe dar filhos, ou tirar sua vida de uma vez por todas. Era melhor morrer, do que viver estéril. E este é o ponto crucial para descobrirmos se estamos criamos ídolos em nossos corações: os sonhos mais profundos de nosso ser estão se sobrepondo ou se submetendo a Deus e Sua perfeita vontade?

Fomos criadas para amar, adorar a Deus (Mateus 22:37 e 38) e glorificar Seu santo nome (I Crônicas 16:29). Porém, o pecado corrompeu nossos corações e nos cegou para o maravilhoso Amor do Pai e, desde então, vivemos constantemente buscando deuses paralelos a quem podemos dedicar nossa atenção, nosso tempo, nossas forças. Estes deuses mudam nosso foco e nos fazem enxergar o grandioso Deus como um deus auxiliar, que só nos serve quando diz “sim” às nossas orações. Precisamos de soluções mais rápidas. Caso contrário, procuraremos outros meios de alcançar nossos sonhos e satisfazer nossos desejos. E esses meios podem ser completamente inofensivos.

Veja este exemplo que me veio à mente, baseado em muitas histórias que ouvi durante minha adolescência: “Nenhum rapaz da igreja se interessa por mim, a ponto de desejar um relacionamento sério. Por isso, decidi dar uma chance ao rapaz da faculdade que vive me chamando para sair. Creio que não há nada de errado nisso. Ele não é cristão, mas isso não importa agora. Talvez, com o tempo, eu possa levá-lo à igreja. Não é nada sério, não se preocupe. Vamos ver no que vai dar!”

Por favor, não entenda errado. Não estou dizendo que uma moça solteira deva se envolver com qualquer rapaz da igreja, só para não se envolver com um rapaz incrédulo. O que quero dizer é que os anseios profundos de nosso coração podem se desviar do bom caminho, quando tomam um espaço maior do que deveriam. Em seu livro “Ídolos do coração – Aprendendo a desejar apenas Deus”, a autora Elyse Fitzpatrick diz que “se você está disposto a pecar para obter o que deseja, ou se você peca quando não consegue o que quer, então seu desejo tomou o lugar de Deus e você está agindo como um (a) idólatra.”

Pense agora no maior sonho de sua vida, que ainda não foi realizado. “Se Deus disser ‘não’, você está pronto para dizer ‘amém’?” (Autor desconhecido).

Os ídolos mudam nossas prioridades

Após algum tempo, o Senhor concedeu à Raquel a benção de ter um filho, José. E veja só que curioso: Raquel mostra que ainda não estava satisfeita, pois exclama: “que o Senhor me acrescente outro filho”. A idolatria nos leva à insatisfação. Deixamos de notar aquilo que o Senhor tem dado para dedicar toda a atenção ao que Ele ainda não nos deu (e que talvez nunca nos dê!). Essa atitude revela um coração que não está satisfeito em Cristo, pois não crê que Ele é suficiente.

Você consegue enxergar a importância de não ter outros deuses além de Deus? Nada além dEle pode nos fazer felizes. Uma música da qual gosto muito diz assim, “se Ele não for o primeiro em seu coração, então já não é mais nada, não passa de uma ilusão.”

Qualquer coisa que ocupa o lugar de Deus em nossas vidas se torna um ídolo. Seja um casamento ou namoro, a maternidade, o sucesso profissional, os estudos, uma vida saudável, a aprovação das pessoas, a situação financeira, e até mesmo um cargo ou função ministerial.

“Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro.” (Mateus 6:24)

Para lhe ajudar a identificar a idolatria em seu coração, veja estes exemplos que a autora Elyse Fiztpatrick nos dá: “Se você trabalha duro em seu emprego e ainda sim não recebe uma promoção, a forma como você responde revelará se você está servindo a Deus ou adorando a um ídolo. Deus e seu amor por Ele são mais importantes que seu trabalho? Se você prepara um jantar especial para seu marido e ele a ignora, preferindo assistir televisão ou ir dormir, e isso a deixa irada, amuada, ou a leva a procurar formas de puni-lo, você pode saber que seu amor a Deus não é o amor que predomina em sua vida”.

Porém, quando voltamos ao foco, colocamos Deus no centro de nossas vidas e nos submetemos à Sua soberana vontade, todo o resto automaticamente se encaixará. Agora, talvez este trecho bíblico faça mais sentido do que nunca: “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33).

Como enterrar nossos ídolos

Algum tempo depois, vemos Raquel chegando no ponto crítico com o qual iniciamos sua história: o roubo dos ídolos de seu pai. Jacó decide se mudar das terras de seu sogro e chama suas esposas para comunicar a decisão. Em um ato impulsivo e que parece demonstrar medo e insegurança pela partida a um lugar desconhecido, Raquel furta os ídolos de seu pai e os esconde.

O desenrolar da história mostra que Labão perseguiu a família de Jacó e declarou que sabia sobre o furto dos ídolos. Raquel, então, os esconde em outro lugar e mente para seu pai e seu esposo. Mas, o bondoso Deus não permite que essa história termine com a idolatria triunfando. Antes de morrer, Raquel tem a chance de se livrar dos deuses estranhos, quando Jacó diz a toda sua família que tirassem os deuses estranhos do meio deles, e se purificassem, a fim de que pudessem erguer um altar ao único Deus vivo. A Bíblia diz que todos entregaram seus ídolos, e creio que foi neste momento que Raquel finalmente se livrou do peso da idolatria em sua vida. Jacó, por fim, os enterrou debaixo de um carvalho, perto de Siquém.

Esta história nos mostra quão longe a idolatria pode nos levar. Raquel provavelmente conhecia bem sobre a fé de seu esposo, e havia até confessado crer em Deus, quando suplicou a Ele que lhe desse filhos. Porém, como falei no início, sua fé não era fruto de um relacionamento. Ela acreditava em Deus, mas não como seu único e suficiente Salvador. Elyse acredita que “ela precisava de um deus mais dócil, mais ensinável – um que ela pudesse manipular e controlar. Ela queria um deus que lhe desse o que ela precisava, um deus que ela pudesse roubar; um deus que ela pudesse esconder! Ela queria um deus que pudesse levar em sua bolsa.” Imagine o peso que ela se propôs a carregar durante toda a viagem?

O meu desejo para mim e para você, querida, é que enterremos nossos ídolos. Assim como Jacó propôs, que abandonemos tudo e todos que estão ocupando o lugar de Deus em nossos corações, e edifiquemos um altar ao Senhor, declarando que só Ele é digno de ocupar este espaço.

Troque a insegurança dos ídolos pela segurança do cuidado de Deus. Troque a manipulação pela submissão à vontade dEle, que é perfeita e agradável. Troque o “dê-me isso ou morrerei”, por “o meu Deus suprirá minhas necessidades”. Troque o “que o Senhor me acrescente mais um”, por “já aprendi a contentar-me com o que tenho”.

À medida que crescemos na percepção do amor de Deus, de Seu perdão e de Sua fidelidade, tudo mais desvanece e perde o valor. Compare os momentâneos prazeres que seu ídolo lhe traz a uma vida eterna com Cristo, sem dor, sem frustração, sem tristeza. Não parece compensar a troca?

Não será fácil, eu sei. Mas, a autora Elyse nos faz um último lembrete antes de finalizarmos o assunto. “[Jesus] protegerá seu coração contra a mentira de que a justiça pode vir de qualquer outra fonte que não Cristo […] Quando se sentir tentado a pensar que a batalha está perdida e que é melhor desistir e servir a outros deuses, suplique ao Espírito que o ajude a ter a convicção de que seu inimigo [Satanás] é um criminoso condenado na cela da morte, aguardando a execução da sentença”.

Que, ao contrário daquelas casas que vi na Bahia, nosso corpo seja um templo que exibe o caráter de Jesus Cristo e as obras perfeitas do Espírito Santo. Essa é uma vida que vale a pena ser vivida, apesar de qualquer frustração que tenhamos neste mundo!