Carta à Minha Amiga que Sofreu Defraudação Emocional

Espero que de alguma forma você esteja bem, embora sei que depois de tudo o que me contou é difícil imaginar como você poderia estar bem… como de uma aparente linda história de amor, tudo se transformou em um coração quebrado como vidro estilhaçado que corta, machuca e deixa cicatrizes.

Fiquei refletindo sobre como tudo aconteceu: absolutamente do nada alguém chegou, cativou seu coração, se mostrou um amigo especial, alguém interessado em cada detalhe da sua vida, que te mandava mensagens e rapidamente retornava as suas mensagens. Elogios e mais elogios, enaltecendo suas qualidades, reconhecendo seus valores (valores esses que muitos já declararam sobre você).

Eu estava realmente feliz por você e por toda a sua alegria em falar sobre ele, mas algo na sua fala me incomodou, você disse: Amiga, parece que ele me enxergou de algum modo e somos muito parecidos, somos como irmãos, mas acho que estou gostando dele para além de uma amizade. E então… você demonstrou seus sentimentos, expressou o que sentia para ele, mas a resposta dele foi simplesmente estranha: Estou desimpedido e me interesso por você, mas agora não tenho condições de assumir nada, mas podemos ir nos conhecendo melhor, administrando esse sentimento e, no futuro, algo pode acontecer. E essa resposta me deixou seriamente preocupada com você.

Perdão por fazer você se recordar dessas frases, eu sei que elas te trouxeram alegria e esperança em algum momento, mas agora podemos entender com mais clareza sobre tudo o que foi dito. Sei do tempo que despendeu a ele, toda a sua atenção, consideração e afeto e como ele correspondia a tudo isso se fazendo presente cada vez mais em sua vida. 

Ele realmente foi especial para você, porém isso não era recíproco… e como foi difícil chegar a esse resultado, a esse entendimento sobre o relacionamento sem rótulo que você estava vivendo. Eu tentei alertá-la, mas você não me ouviu, mesmo quando você parecia entender que algo estava errado, que havia algo escondido, uma verdade não declarada, um abismo entre vocês.

Até o dia em que você, em lágrimas, me contou que, na verdade, suas percepções, suas dúvidas sobre ele e sobre a postura dele, se confirmaram. E em uma versão trágica da famosa obra de Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, você descobriu que naquele pequeno mundo de vocês, você não era a única rosa que ele cativava e que não havia pretensão alguma dele em ser responsável por ter te cativado.

Sim, você foi defraudada emocionalmente, minha querida irmã… e como eu lamento por tudo isso! Corações não são troféus de conquistas para serem colecionados em jarros, como diz a música de Christina Perri, e o que mais me entristece é saber que essa é uma prática comum entre cristãos, que algumas lideranças eclesiásticas parecem levar a situação como um romance bobo, passageiro e sem importância. De fato, tudo passa, mas até lá, há um longo caminho de confronto de pecados e cura que seria melhor atravessado com irmãos a caminhar conosco.

Defraudação emocional é uma das faces pecaminosas da cobiça, algo completamente avesso ao amor; este se sacrifica pelo outro, pela alegria do outro, ainda que lhe custe alguma coisa, mas a cobiça é tomar do outro o que nunca foi seu. É o engano sobre o sentimento, é querer ter as benesses de um coração cativado sem ter nenhuma responsabilidade sobre ele. A defraudação torna o amor descartável porque não é sobre cativar e cuidar do amor despertado no outro, mas sobre desfrutar daquilo que me agrada no outro e me faz bem, é a satisfação do ego em detrimento da pessoa de quem se tem o afeto.

Sim, eu sei que você não quer acreditar que aquela pessoa tão especial para você, que te tornou parte da vida dela e ela da sua, na verdade, nunca teve a intenção de permanecer. E mais uma vez eu te digo: a questão não reside no fato de você se declarar, de ser honesta e sincera com o próximo sobre o que estava sentindo (isso não é motivo para que alguém ache uma oportunidade de fazer joguinhos com você), mas a verdade, minha querida, é que não sabemos sobre o coração do outro e suas intenções, mal sabemos sobre o nosso, como diz as Escrituras:

O coração humano é mais enganoso que qualquer coisa e é extremamente perverso; quem sabe, de fato, o quanto é mau?

(Jr 17.9).

Você foi enganada, mas também autoenganou-se acreditando que por ser sincera e ter amado seria correspondida na exata medida, você escolheu abrir seu coração e dá-lo como presente para que fosse cultivado em meio a dúvidas e incertezas, mas como pode o amor e a verdade se desenvolverem em um terreno duvidoso? Minha amiga, é verdade que você não buscava por alguém naquele momento, foi uma surpresa, mas quem não gostaria de encontrar alguém com quem pudesse compartilhar a vida? Com todas as suas alegrias e tristezas, com todos os seus desafios e calmaria, ter filhos, uma família… assim como Deus designou desde o começo?

Porém nossa busca ou nossa surpresa em encontrar alguém não deve ofuscar de nossos olhos o verdadeiro amor que é Deus, se não estiver nele a origem dos nossos amores, naturalmente amaremos e seremos amados de forma pecaminosa. Mais cedo ou mais tarde todos somos chamados a lidar com os ídolos do nosso coração e o próprio Deus trará as circunstâncias que os revelarão (Dt 8.2) porque seu coração já é um trono conquistado por aquele que morreu na cruz por você, Cristo reivindicou o trono dele em você.

Querida, não foi esse moço quem te enxergou, quem te conferiu valor, pois na alegria de ser amada por alguém, você se permitiu acreditar que este sentimento que ele aparentemente tinha por você, ainda que proveniente de um coração pecaminoso, era único, verdadeiro e especial, e que por isso você ganhou significado aos olhos dele, mas seu erro, minha irmã, foi dar a um homem o mérito que somente é de Cristo, pois você sempre fez parte dos pensamentos dele, ele te buscou e te resgatou, nele você tem valor porque seus olhos ternos de pai estão eternamente sobre você… ah se você soubesse o quanto é amada, minha querida!

Amores imperfeitos precisam ser equilibrados no amor de Deus para que, em um compromisso firmado diante dele, sejam aperfeiçoados pela verdadeira fonte inesgotável de amor. Oro para que, sendo a vontade de Deus, você possa viver a beleza de um amor real, que ama porque Deus nos amou primeiro, que ama como Cristo amou a Igreja e deu sua vida por ela, um amor que ecoa na eternidade e frutifica para a glória de Deus, como uma testemunha fiel do Deus Trino em um mundo caído.

Eu sei, querida… você me disse que se pudesse escolheria não ter passado por isso e que gostaria de não amar mais ninguém, mas creio que quando passamos por decepções assim somos colocados diante de uma das faces mais difíceis do amor: o risco de sermos vulneráveis. O escritor C.S. Lewis nos lembra que “Amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal”.

Essa sua frase fez-me lembrar do personagem Davy Jones, o capitão do navio Holandês Voador, do filme Piratas do Caribe: o baú da morte, que passa por uma defraudação emocional ao entregar literalmente o seu coração a uma mulher impetuosa como o mar. Ele nutre a esperança de que seu grande ato de amor asseguraria que ela sempre o amaria e sempre estaria esperando por ele, mas ao perceber que foi enganado, ele escolheu trancar seu coração em um baú e então se transformou em uma figura horrenda, sem amor e misericórdia. Ele passou a escravizar, matar e impor sofrimento aos que passavam por seu caminho, principalmente àqueles que estavam apaixonados. Já que ele não seria amado, mais ninguém ao seu redor poderia amar.

Na continuação da frase de C.S. Lewis sobre o risco de ser vulnerável no amor, assim como acontece com Davy Jones, ele nos alerta sobre o perigo de guardarmos nosso coração no esquife frio do nosso egoísmo:

Mas nesse esquife – seguro, sem movimento, sem ar – ele vai mudar. Ele não vai se partir – vai tornar-se indestrutível, impenetrável, irredimível. A alternativa a uma tragédia ou pelo menos ao risco de uma tragédia é a condenação. O único lugar além do céu onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno.

C.S. Lewis

Minha irmã, o sofrimento por amor é aquele que nos transforma à exata expressão do amor que andou neste mundo: Cristo.

Sinta sua dor, passe por seu luto, mas cuidado com a autocomiseração, não tranque seu coração em um baú de desesperança e morte, confie-o integralmente ao Senhor, pois é com a tristeza de rosto que se faz melhor o coração (cf. Ec 7.3). Tenha certeza, minha querida, você se tornou melhor amando e perdendo do que ganhando o que almejava, porque foi perdendo que agora você consegue vivenciar e contemplar, como a luz do dia, a face do verdadeiro Amado de sua alma, pois é ele quem sara seu coração quebrantado e trata suas feridas (cf Sl 147.3).

Eu entendo essa necessidade de ser contemplada pelo amor de um rapaz, mas você não precisa que alguém te diga como você é linda, inteligente e querida. Cristo já provou o quanto você é amada e o fez sem dizer uma palavra, pois foi como ovelha muda aos seus tosquiadores.

Quem te deu esperanças e depois te feriu talvez não conheça essa fonte do verdadeiro amor e por isso não soube te tratar com o valor que você tem. Seu valor é inestimável e não é definido pela forma como os outros te tratam. Minha amiga, você é amada, cuidada e querida. Deus não te deixou nem por um momento durante esse processo e, como Pai zeloso que é, só está aguardando você voltar para os braços dele. Nele você é completa.

Oro para que nenhuma raiz de amargura fique em você. Todas as vezes que seguir perdoando for difícil, contemple o teu Senhor na cruz, despido e machucado, porque amou até à morte, e morte de cruz, pessoas como eu e você, pecadoras, que muitas vezes desprezam seu amor. É aos pés do calvário que você receberá a força para perdoar. Mesmo que não seja mais possível restaurar a amizade entre vocês aqui neste mundo, no céu, Cristo redimirá todas as coisas, e vocês serão para sempre irmãos.

De sua irmã em Cristo que te ama muito.

Pati


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