Cadê a Justiça, Afinal? (A Justiça de Deus)

“Justo é o Senhor em todos os Seus caminhos, benigno em todas as Suas obras.” (Salmo 145:17)

Este parece ser um versículo simples, básico, talvez até óbvio. Mas quantas vezes nós o lemos sem crer nessa verdade? Diante de tanta maldade, de tantos problemas… somos julgados, perseguidos, humilhados, mal interpretados. Somos alvo de injustiça quase todos os dias de nossas vidas. Hoje mesmo, antes de ler esse texto, você pode ter se deparado com uma situação que lhe deixou com o peito inquieto, inconformado, indignado.

É comum em momentos assim perdermos o controle e acharmos que podemos fazer justiça do nosso jeito, no nosso tempo. Afinal, temos “fome e sede de justiça”, certo? (Mt 5:6) Temos que fazer com que a lei do Senhor seja cumprida, certo? Só assim alcançaremos paz em nossos corações e o alívio de saber que o mal não irá prevalecer, certo?

Errado.

Em seu livro “Soli Deo Gloria – O Ser e Obras de Deus”, o Rev. Paulo Anglada nos explica sobre a natureza da justiça do Senhor. Ele diz: “Como soberano absoluto que é, o Senhor Deus não está sujeito a nenhuma lei externa. Ele é o legislador supremo, o código legal último, o padrão moral absoluto. Ainda que o mundo não tivesse sido criado, e não houvesse criatura alguma com quem se relacionar, Deus subsistiria eterno, perfeito e absolutamente justo” (p. 110).

É claro que podemos olhar o que chamamos de Justiça Relativa de Deus, ou seja, Sua justiça em relação às criaturas morais. É verdade que o Senhor é perfeitamente justo em seu relacionamento para com os homens e para com os anjos (Salmo 145:17). Nosso problema, conforme citado no início desta reflexão, é quando experimentamos do mal externo e ansiamos pelo que somente cabe a Deus fazer. Medimos o Eterno com a nossa régua e achamos que Ele tem um “protocolo” semelhante ao nosso sistema judiciário, que atrasa, que é moroso… e que às vezes não dá em nada.

O Reverendo segue, entretanto, nos explicando que apesar de ser um atributo comunicável de Deus, nossa justiça e a dEle não têm a mesma amplitude e perfeição. Devemos lembrar sempre que Deus não faz uso de seus atributos de forma isolada ou limitada. A justiça é um atributo do Seu caráter, assim como amor, verdade, santidade e outros que veremos este mês.

“No governo humano, por causa da corrupção do coração do homem, busca-se a justiça através de um regime que distingue as funções legislativa, executiva e judiciária – uns legislam, outros executam as leis e outros julgam. No governo divino é diferente. Deus é o legislador, administrador e Juiz supremo do universo. Ele legisla, administra e julga. Em todas essas funções, ele é perfeitamente justo.” (p. 111)

É importante termos sempre em mente o que a Bíblia nos diz a respeito do Senhor e de Seu caráter e nos apegarmos a essa verdade em todos os momentos de nossas vidas. O nosso Deus não é limitado como nós. Não conhecemos todos os fatos, nem sondamos os corações dos outros para sabermos suas motivações, propósitos e esperanças. E não apenas isso! Somos – pasmem – pecaminosos iguais aos injustos que nos atingiram. Somos corrompidos. Nem se quiséssemos, poderíamos compreender a retidão e a perfeição do juízo de Deus.

Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo o seu procedimento: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal, ao judeu primeiro e também ao grego; glória, porém, e honra, e paz a todo aquele que pratica o bem, ao judeu primeiro e também ao grego. (Romanos 2:5-10)

“Tá, Carol, mas isso quer dizer que não podemos buscar a justiça dos homens?”

Claro que podemos! Devemos!

Mas não podemos confiar na justiça humana como se fosse divina. Até porque, por mais surreal que possa parecer, ainda precisamos ponderar sobre o amor aos nossos inimigos, sobre o orar pelos que nos perseguem, sobre o evangelho.

Lembram dessa parte?

Sim, o evangelho também é justiça. Não fomos alcançados por Cristo Jesus porque somos melhores ou temos uma vida mais digna do que a dos outros. Fomos alcançados porque Deus nos amou. Porque Deus é gracioso. Porque Deus perdoa. Porque Deus salva.

E, ainda assim, continua perfeitamente justo.

Vou dividir com vocês – e confessar – este pecado: na maioria das vezes, quando clamo pela justiça de Deus sobre os outros, penso em punição. Na minha cabeça, vem um conceito cultural de que a justiça de Deus é composta apenas por Sua ira e que ele deve punir todo mundo.

Ora, de fato, o Senhor irá punir os perversos. Disso eu não tenho dúvidas! Mas não cabe a mim ser quem vai direcionar a ira de Deus, como se eu soubesse plenamente como exercer a verdadeira justiça, que é também eterna, perfeita e graciosa.

Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus. (2 Coríntios 5:21)

Do ponto de vista eterno, há apenas um meio pelo qual o culpado pode ser justificado: através do pagamento da culpa, do devido castigo do pecado, a morte.

Este seria o destino de todos nós, se o Senhor não fosse gracioso.

Mas Deus – gracioso, amoroso, bondoso, justo – deu-se a si mesmo, na pessoa de seu Filho, para ser condenado em nosso lugar.

Com a morte propiciatória de Cristo na cruz, Deus tem “em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.” (Romanos 3:26).

É desta maneira, e somente desta maneira, que Deus justifica o pecador: pela imputação de nossos pecados a Cristo (na sua morte substitutiva, “ele o fez pecado por nós”) e pela imputação da justiça de Cristo a nós (pela sua vida reta, “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”). Desse modo, Deus justifica o pecador sem contrariar a sua própria justiça (p. 116, grifos meus).

Cristo nos mostra que não somos quem achamos ser. A nossa justiça, muitas vezes, é dotada de uma arrogância completamente sem motivo, visto que fomos alcançados pela graça e somente pela graça de Deus.

O mundo está caído e dói viver nele. Mas creia que Deus vai executar a Sua justiça de acordo com a Sua vontade e quando Ele quiser. E tudo isso será (já é) perfeito. Digo “já é” porque o Senhor não perde o controle no processo. Ele é soberano, Senhor do tempo. Ainda estamos no meio do caminho, mas a chegada é certa. A justiça é certa de ser alcançada. Seja no fim de tudo, no juízo, ao mandar os perversos para condenação eterna, seja por Sua graça, trazendo o pecador, pela fé em Jesus Cristo, para uma vida de redenção.

Amadas irmãs, que tudo seja para glória do nosso Deus. Até mesmo o nosso desejo por justiça. Nunca por nós, mas por Ele. Para que Ele seja glorificado e exaltado. Louvado na terra e nos céus.

(…) se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (Romanos 12:18-21)

Que nos livremos do desejo da vingança pessoal. Que sejamos livres na certeza de que Deus corrigirá todas as injustiças em seu próprio julgamento perfeito (cf. Dt 32:35).

Que demonstremos graça para com os nossos ofensores, perdoando-os como o nosso Pai nos perdoou em Cristo. Sejamos luz em meio às trevas. 

É importante frisar que isso não quer dizer que não devemos buscar a justiça humana também. Devemos. Precisamos fazer o que pudermos para que as leis sejam aplicadas, para que os culpados sejam punidos e para que os inocentes sejam libertos. Devemos proteger os mais fracos e sermos instrumentos de paz no meio que estamos inseridos. Vivemos para o Senhor e, como atributo comunicável, a justiça também é exercida pelo seu povo. Contudo, friso que nosso zelo pela justiça humana não pode ser pautada em vingança, ódio, rancor. E, uma vez que esta falhe, não quer  dizer que Deus falhou. Deus não falha. Creia nisso!

É difícil, eu sei. É muito mais fácil falar do que fazer. Mas é possível. Nosso mestre nos ensinou, nos mostrou com Sua vida. Sigamos com Ele, queridas. Até o fim. Até vermos a justiça de Deus. 


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Junho com o tema “Atributos Comunicáveis de Deus”. Para ler todos os posts clique AQUI.