Anunciando a Saudade do Noivo (Sobre Jejum)

O jejum é uma disciplina espiritual que, embora requerida, tem sido frequentemente esquecida pelos cristãos. Por não haver uma ordenança explícita no Novo Testamento sobre tal prática, muitos irmãos pensam ter o Senhor Jesus abolido o jejum, ou que tenha deixado a nosso critério jejuar ou não. Por outro lado, há os que praticam o jejum sob a lente do Antigo Testamento, trazendo novas modalidades de jejuar, e muitas vezes, até mesmo usando o jejum como uma forma de barganhar e obter algum favor específico de Deus.

De uma forma ou de outra, há muitas dúvidas sobre essa disciplina tão rejeitada e tão preciosa, e espero que possamos hoje, juntas, aprendermos sob a luz da Palavra sobre o jejum que agrada ao Senhor.

O que é o jejum?

Jejuar significa abster-se completamente de ingerir qualquer tipo de alimento por um período determinado. Seja por prescrição médica, seja por uma dieta específica ou por finalidade religiosa, jejuar é simplesmente se abster de alimentos por um certo tempo. Mas como nós, cristãos, temos encarado o jejum? Como temos meditado sobre essa prática? Qual o lugar que o jejum ocupa em nossa vida devocional?

No Antigo Testamento vemos frequentemente a prática do jejum. É comum lermos sobre pessoas jejuando, principalmente em situações de calamidade, luto e pecado. O jejum era instituído como uma prática punitiva muitas vezes, com a finalidade de afligir o corpo, privando-o de alimentos. A palavra aramaica para “jejuar” tem o sentido de “estar de luto”. Havia até mesmo um dia determinado para o jejum obrigatório, o Dia da Expiação (Levítico 23.27).

No Novo Testamento, o primeiro texto que nos traz uma certa orientação sobre o jejum, está no Sermão do Monte, onde nosso Senhor nos diz de forma implícita que Ele espera que jejuemos:

“E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.

Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto,

Para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente (Mateus 6:16-18 – ACF)”

Aqui podemos perceber claramente, que Cristo não diz “se um dia, tiverem vontade de jejuar…”, ao contrário, Ele diz: “quando jejuardes”, ou seja, Ele espera que em algum momento jejuemos, Ele sabe que o cristão automaticamente é alguém que não despreza essa disciplina.

Os fariseus jejuavam com a motivação de serem vistos e aplaudidos pela disciplina perfeita, e embora o Senhor tivesse ordenado apenas um jejum anual, eles jejuavam duas vezes na semana. Então, Jesus prossegue, agora dizendo como não devemos fazer: não façam como os hipócritas, não montem um palco e fiquem no centro chamando atenção para si. Não se abstenham de comer para se mostrarem muito mais espirituais do que os demais. Os que assim agem, já recebem a recompensa que buscam – chamar atenção. Ao contrário, quando você jejuar, aja normalmente, porque quem jejua não busca atenção de homens, não busca impressionar alguém por tamanha espiritualidade, não busca holofotes. Quem jejua, jejua para o Senhor, para buscá-Lo no secreto, para estar em Sua presença. Não para autopromoção, mas para auto quebrantamento.

Jesus, conhecedor de cada coração, sabe da nossa inclinação a querermos glorificarmos a nós mesmos. De querermos chamar atenção e nos colocarmos em um lugar de destaque, esperando honra por nossas obras. E é por isso que o jejum se torna ainda mais essencial: jejuar nos humilha e nos lança aos pés do único que pode nos preencher e satisfazer. Quando jejuamos, automaticamente ao primeiro sinal de fome, nos lembramos de nossa finitude e limitação, nos lembramos que somos humanos e incompletos, e então olhamos para o único que é completo em si mesmo e não tem necessidade de mais nada. O jejum nos distancia por um tempo do pão que perece e nos faz buscar aquele que é o Pão da Vida. Jejuar nos lembra que há algo muito maior para o qual fomos feitos, e nenhuma comida, por mais saborosa que seja, se compara às delícias que experimentamos na presença do Senhor.

A teoria na prática

Sabendo que jejum é uma disciplina espiritual onde nos abstemos de alimentos por um certo período, e que o Senhor espera que a façamos, como trazê-la à minha rotina devocional? Quando e como eu devo jejuar?

Mais uma vez, Jesus lança luz para que entendamos sobre o jejum que O agrada. Em Marcos 2.18-20, quando os discípulos de João o procuram querendo saber o porquê de seus discípulos não jejuarem, Jesus responde que na presença do Noivo há alegria, mas no momento em que o Noivo é tirado, a tristeza é demonstrada pela prática do jejum:

“Ora, os discípulos de João e os fariseus jejuavam; e foram e disseram-lhe: Por que jejuam os discípulos de João e os dos fariseus, e não jejuam os teus discípulos?

E Jesus disse-lhes: Podem porventura os filhos das bodas jejuar enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar;

Mas dias virão em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão naqueles dias.” (Marcos 2:18-20 – ACF)

Aqui, Jesus não diz que seus discípulos nunca jejuarão, mas diz quando devem jejuar: quando o Noivo lhes for tirado. A comparação aqui é de que a vida cristã é como um grande casamento, e a festa de casamento de imediato nos remete à alegria. A presença do noivo é motivo para a alegria e comemoração, e não para tristeza e aflição. Porém, é evidente que a presença do noivo em questão tinha um limite, haveria um dia em que o noivo teria de partir.

Jesus Cristo é o Noivo, e nós, sua igreja, somos a Sua noiva. Ser convidado para um casamento é motivo de alegria, quanto mais ser a noiva do casamento! Mas nosso casamento ainda não aconteceu. Nosso Noivo veio, mas foi embora. A grande alegria e promessa pela qual vivemos e esperamos é a volta de nosso Noivo – e Ele voltará! Aí sim nossa alegria será completa e então não jejuaremos mais. No fim, o jejum é a saudade do Noivo externada em um momento de devoção tão profundo que não interrompemos sequer para comer.

O jejum é um período de abstinência de alimentos não para externar espiritualidade e disciplina. Não para obter favores de Deus. Não para cumprir uma agenda da igreja. Não podemos enganar ao Senhor. Parar de comer com outra finalidade que não seja para se envolver em oração, devoção, meditação, leitura da Palavra e adoração, é apenas passar fome. Jejum sem adoração é dieta, não  devoção.

O Senhor deixa claro em Isaías 58 o tipo de jejum que lhe agrada:

“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo?

Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?

Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda.”.(Isaías 58:6-8 – ACF)

De forma clara, Deus nos diz que não importa quanto tempo fiquemos sem comer, porque se essa prática não vier acompanhada de um estilo de vida santo, que busque viver a vontade do Senhor em todas as coisas, um estilo de vida piedoso e contrito, para Ele não tem valor algum.

Jejuar é dedicar um tempo para se alimentar apenas do Senhor e o maná que Ele nos dá – a Palavra. Cada pessoa tem um ritmo, e ninguém de início consegue dedicar, de um dia para o outro, muitas horas para jejuar e orar. O Senhor conhece cada coração e cada motivação, podemos pedir ao nosso amado e bondoso Pai que nos ensine por meio do seu Espírito a dedicarmos nossa vida a Ele, e incluir em nossa devoção a prática do jejum, e pela fé podemos crer que até que morramos, Ele nos aperfeiçoará em tudo que nos ordenou.

Não sabe como começar? Renuncie uma de suas refeições e use o tempo que estaria se alimentando para estar em oração. Se houver algum problema de saúde e não puder ficar sem se alimentar, não pense que o Senhor não se agradará mais de você – em Cristo Ele já nos aceitou e amou sem que nada tivesse sido feito para isso. Peça tudo em oração, peça ânimo e força, peça discernimento, confesse sua fraqueza em não saber como jejuar, clame ao Espírito por auxílio. Creia que o Senhor sabe de tudo o que precisas e lhe dará exatamente conforme sua necessidade para que O busque de todo coração.

Cremos que Cristo morreu por nós, levou sobre si nossos pecados e recebeu em seu corpo a dolorosa punição por cada uma de nossas faltas. Toda nossa dívida com Deus foi paga, mas ainda neste mundo temos lidas e pesares, e muitas tentações. Precisamos nos preparar para todos os males que nos afligem em nossa caminhada, precisamos do Espírito para nos fortalecer, e um meio para isso é gastarmos nosso tempo estando tão comprometidos em oração que até comer se faz menos importante.

A vida dos que foram remidos pelo Cordeiro é certamente uma vida de muita alegria e celebração, vivemos em plena liberdade de vida para fazermos tudo o que pudermos fazer para louvar a Deus. Fomos salvos, libertos, remidos e justificados. Pela graça ganhamos um Noivo que nos amou de forma sacrificial. Mas em alguns momentos ainda devemos nos lembrar que o Noivo nos foi tirado, e o jejum é um vislumbre do desfrutar da presença do nosso Salvador. Jejuar nos lembra que temos um Noivo, que já fez tudo para que vivamos com Ele eternamente, e isso nos é motivo de alegria deste lado da eternidade, mas ao pensar que Ele ainda não voltou para nos levar, nos causa a tristeza de ainda não estarmos com Ele.

Há muitas razões para que lembremos do jejum como sendo tão importante quanto qualquer outra prática devocional. Moisés Jejuou. Os profetas jejuaram. Cristo jejuou. Os discípulos e a igreja primitiva também jejuaram. Por que nós não nos incluiríamos nisso? Mas o principal motivo de jejuarmos precisa ser a saudade do Senhor, o anseio pela sua presença e a fome da sua Palavra. Quando estamos em profunda devoção, na presença do Senhor, lembramo-nos que já, mas ainda não. O “já, mas ainda não” é saber que, embora já tenhamos sido regeneradas, lavadas e remidas pelo sangue do Cordeiro e livres do poder de Satanás sobre nós, ainda não estamos em nosso estado final de santificação. O jejum é um meio de provarmos profundamente da presença de nosso Salvador, e então desfrutarmos do “já”. Mas nossa finitude nos lembra que ainda não. Já estamos em Cristo, mas ainda não vivemos com Ele fisicamente.

E então, por isso jejuamos: anunciamos ao nosso amado Noivo que a noiva anseia pelo casamento eterno. Pelo casamento que embora esteja planejado desde a fundação do mundo, ainda não foi consumado. Jejuamos como uma noiva faminta que diz: Vem!

Já, mas ainda não.


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Fevereiro com o tema “Disciplinas Espirituais”. Para ler todos os posts clique AQUI.