Amar é ser vulnerável

Em seu livro “Os Quatro Amores” C.S Lewis disse que amar é sempre ser vulnerável.

“Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo. Mas nesse esquife – seguro, sem movimento, sem ar – ele vai mudar. Ele não vai se partir – vai tornar-se indestrutível, impenetrável, irredimível. A alternativa a uma tragédia ou pelo menos ao risco de uma tragédia é a condenação. O único lugar além do céu onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno.”

Há quem pense no amor como algo que simplesmente acontece, algo tão natural quanto respirar. Creio que isso se deve ao fato de que as pessoas sempre confundem amor e paixão. Apaixonar-se é fácil: basta uma fração de segundos, um olhar, um toque. Mas AMAR vai além dos sentidos.

Amar deixou de ser algo natural desde que o pecado entrou no mundo. Aliás, é óbvio que se amar fosse algo espontâneo, certamente não seria mandamento. Em nenhum lugar da Bíblia encontramos mandamentos tais como: “respirarás”, “comerás”, “beberás água”. Mas Deus não só ordenou que amássemos como fez deste o maior mandamento de todos: Amar – a Deus e ao próximo (como a ti mesmo). É curioso que amar a si mesmo não seja uma ordenança bíblica, isso porque desde o momento em que nascemos somos voltados pra nós e para as nossas próprias necessidades. Há uma linha tênue entre o amor próprio que é reflexo do amor de Deus e se expressa no amor ao próximo e o amor pecaminoso e egoísta ao qual Jesus condenou (Mc 8.35; Mt 10.39, 16.25).

Deus em sua soberania e graça nos proporciona meios para que aprendamos a amar. O primeiro deles é a Sua Lei, por meio da qual descobrimos que precisamos amá-Lo mais do que a nós mesmos, qualquer amor que concorra com esse não é bendito. Deus também nos proporciona o nosso próximo pra que aprendamos a amar.

A primeira esfera do amor – a família

O primeiro “próximo” com quem temos contato é a nossa família. Nesse seio aprendemos o que é amar. Amar envolve obediência, serviço, paciência, perdão, comunhão. Amar é abrigar e ser abrigado. É no lar que o marido aprende o que é amor: provendo, protegendo e se sacrificando por sua esposa. É no lar que a esposa aprende o que é amar: se doando, se sujeitando e cuidando do seu marido. É no lar que a mãe aprende a amar, abrindo mão de si mesma para dar vida a outro ser e se doando em prol de sua família.

O lar é a nossa primeira esfera de amor, mas é também o ambiente onde mostramos nossos defeitos e fragilidades. É interessante que no lar não nos preocupamos em impressionar ninguém. Isso porque nesse ambiente tão distinto nos sentimos amados e seguros ao ponto de nos permitirmos ser quem de fato somos. É o lugar onde ao adentrarmos nos sentimos à vontade. Esse ambiente nos permite expor nossa fragilidade. Quando nos sentimos amados nos despimos. Despimos a alma, o coração, os sonhos, desejos, os medos e fraquezas.

Amar é arriscar

Amar também envolve riscos. A partir do momento em que se decide amar alguém, se decide sorrir e chorar por outrem. Se importar, “perder” do seu tempo para dar tempo ao outro, abrir mão de suas prioridades, do seu dinheiro, das suas noites de sono. Quando se casa, amar é um risco ao individualismo, quando se tem filhos, amar é um risco à autonomia, à carreira, ao corpo perfeito, ao planejamento financeiro impecável.

Quando amamos ao próximo esse amor se torna como a ti mesmo à medida que a dor e as alegrias do próximo se tornam também nossas. O amor põe em risco a nossa vaidade, o nosso desejo de transmitir perfeição, de ser admirados por aquilo que aparentamos ser e não por aquilo que somos. Ele põe em risco o egoísmo à medida que insiste em partilhar o que tem e receber o que não tem.

Amar é mostrar quem você é

Amar é ser vulnerável. É deixar que o outro veja quem você é, ainda que isso lhe constranja. Ao nos tornarmos vulneráveis nos sentimos de fato amados por que só quem permanece quando nos vê como somos é que realmente nos ama. Alguém já disse que o verdadeiro amigo é aquele que vê todos os nossos defeitos e ainda segue ao nosso lado.

Por muito tempo eu acreditei que para ser amada, eu precisava ser perfeita. Por ser filha de pastor sempre tivemos muitas mudanças. A maior delas foi à vinda ao Brasil quando eu tinha meus seis anos de idade. Nesse período, meu pai foi estudar no seminário como aluno interno, enquanto minha mãe e meu irmão só chegariam ao Brasil dois anos depois. Durante esse tempo eu morei em várias casas de tios e amigos queridos de nossa família. Inconscientemente isso gerou em mim uma profunda insegurança quanto à minha personalidade e senso de afeição. Eu me sentia no dever de sempre agradar, por isso, procurava ser sempre amável, correta, disposta, e quando falhava, me sentia a pior pessoa do mundo!

Cresci sem me permitir ser vulnerável: sempre me doando, mas me recusando a receber. Pensei que para ser amada deveria ser alguém com quem as pessoas poderiam contar sempre que precisassem, sem que eu as incomodasse com meus infortúnios.

Felizmente, o amor desmascara as formas do egoísmo, a primeira é a que sempre se refugia e nunca refugia o outro e a segunda é a que sempre refugia, mas nunca se refugia em ninguém. Minha maior luta sempre foi contra a segunda forma.  É egoísmo ser sempre o refúgio, a fortaleza e nunca se refugiar nem se fortalecer no outro. É egoísmo deixar que outro saiba o quanto precisa de você sem que ele saiba o quanto você precisa dele. É egoísmo sempre consolar e engolir o choro sozinho para não mostrar fraqueza.

Aliás, é egoísmo nunca ser fraco diante do outro. O amor possui a necessidade de dar e receber. Se só dá, se torna manco, se só recebe se torna cego.

É egoísmo refugiar-se em si mesmo e não permitir ao outro ser um porto seguro, nas horas difíceis, um ombro amigo, uma mão acolhedora, seja de pai, mãe, amigo ou marido. É egoísmo sempre oferecer e nunca pedir ou necessitar (Lc 15:11-32).

O amor desmascara as formas do egoísmo. Click To Tweet

Amar é ser dependente

Quem ama tem necessidade do outro. Ao passo que egoísmo nos faz querer independência, o amor nos faz querer dependência. O amor é uma via de mão dupla, ele dá, mas também recebe. Ser o ombro de alguém me ajuda a não ser egoísta, ter o ombro de alguém me ajuda a não ser autossuficiente. Como é bom remover as barreiras e se achegar no outro como semelhante sem se preocupar em parecer inferior.

Quando amamos, descobrimos nossas imperfeições. Amar implica em enxergar aquilo que você nunca veria se não houvesse amor. Uma das facetas do amor é justamente revelar e superar tudo aquilo que não é compatível com sua essência (cf. I Co 13).

O amor nos torna vulneráveis porque evidencia sentimentos que, por vezes, não gostaríamos de sentir, todavia, não conseguimos controlar. Sem o amor eles permaneceriam ali quietos, mas como disse Lewis, “o único lugar onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno”.

Nos tornamos pessoas horríveis sem o amor. Porém, quanto mais se ama, mais se é moldado e lapidado. O amor quebra para construir sobre um alicerce correto. É o meio eficaz que Deus concedeu aos homens para se assemelharem a Ele vez após vez.

O amor nos fere muitas vezes porque confronta o pecado que há em nós. Deus nos ordena amar até mesmo nossos inimigos, o que certamente nos causará dor, mas é por meio dessa dor que nos tornamos parecidos com Cristo. Quanto maior a profundidade e a dimensão do nosso amor, mais nos parecemos com Ele. Por isso, mesmo que o amor implique em algumas perdas, seu fim é sempre um ganho.

Quando o amor vos chamar, segui-o,

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;

E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,

Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;

E quando ele vos falar, acreditai nele,

Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos

Como o vento devasta o jardim.

Pois da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica. E da mesma forma que ele contribui para vosso crescimento, trabalha para vossa poda […]

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.

Ele vos debulha para expor a vossa nudez.

Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.

Ele vos mói até a extrema brancura.

Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.

Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete divino […]  (Gibran Kalil Gibran)

O amor nunca se esvazia, pois quanto mais se ama, mais se ama e quanto menos se ama, menos se pode amar. O amor renuncia à sua vontade buscando o bem do outro, e ao proporcioná-lo, ele encontra o seu próprio bem.

O mandamento de amar a Deus e ao próximo não é tanto uma arbitrariedade quanto a revelação de um segredo: o segredo da vida é amar! Vale a pena amar.

Mas e se amar trouxer sofrimento? Deixe-me corrigir a pergunta, pois o sofrimento não é uma hipótese quando se ama, e sim um fato. Aquele que mais amou foi o também o que mais sofreu. No entanto, o apóstolo Paulo afirma que o Amor tudo sofre e tudo suporta. Quando amamos e nos permitimos ser amados abrimos janelas para que a luz ilumine as trevas do nosso coração frio. Isso gera incômodo, desgaste, cansaço, mas gera vida em nós.

Quero aprender a ser Marta e Maria: Marta ao amar e me doar pelo outro sem medir esforços, Maria ao me permitir receber acolhimento, cuidado e amor.

Sim, AMAR É UM RISCO.

Um risco ao nosso egoísmo, independência, autossuficiência… Deus ordena que amemos pois, por meio do amor o nosso coração pecador é transformado, moldado e lapidado. Ame, ainda que isso inclua dor, lágrimas e sacrifício. Esse é o meio que Deus determinou para a nossa santificação.

De alguém que está aprendendo a amar e ser vulnerável,
Prisca Lessa